Acórdão nº 469/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelJAIME FERREIRA
Data da Resolução10 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, A....

e mulher B....

; C...

e mulher D....

, todos residentes em ....., concelho de Águeda, na qualidade de herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de E....

, residente que foi em Aguieira, freguesia de alongo do Vouga, concelho de Águeda, instauraram contra F...

, G...

,H...

e I...

, todos estes residentes em ......, concelho de Águeda, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo que seja julgada nula e desprovida de quaisquer efeitos a escritura de justificação notarial e de compra e venda a que se alude nos autos, ordenando-se o cancelamento de todos os registos que entretanto possam ter sido ou venham a ser feitos pelo R. F....; e que os RR sejam condenados como litigantes de má fé, no caso de contestarem a presente acção, com o pagamento de multa e de indemnização a favor dos AA, no montante de Esc. 200.000$00 a cada um dos Autores.

Para tanto e muito em resumo, alegaram que em 12/03/2000 faleceu E...., no estado de solteiro, sem deixar ascendentes nem descendentes e sem ter feito testamento.

Que os seus herdeiros legítimos são os irmãos – os AA maridos, J...

, L....

(este já falecido em 20/03/2000, tendo deixado filhos, que se indicam), e M....

(também já falecido em 28/03/99, tendo deixado mulher e filhos, que se indicam).

Que, no dia 25/09/1996, o dito E... outorgou uma escritura pública, no Cartório Notarial de Águeda (da qual foi junta certidão de fls. 21 a 25), na qual justificava e vendia ao R. F.... um seu prédio rústico, sito na Lomba, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Valongo do Vouga, concelho de Águeda, sob o artigo 7341 (antigo artigo 73), pelo preço de Esc. 200.000$00.

Que os RR G..., H.... e I.... confirmaram as declarações atribuídas ao referido E.... nessa escritura.

Que, nessa ocasião, o dito E.... padecia de anomalia psíquica, não sabia contar dinheiro, passava fome e miséria de toda a ordem, não sabia sequer as horas nem os dias da semana, o que já se verificava desde a sua nascença, sendo conhecido de todas as pessoas que o rodeavam e com ele privavam, doença essa que o incapacitava totalmente de reger a sua pessoa e os seus bens.

Que por sentença de 31/01/2000 foi o dito E.... declarado judicialmente interdito, com carácter definitivo, sentença da qual consta que “o mesmo sofre de debilidade mental que o torna incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens, e não obstante tal estado se poder ter dado desde a nascença ou infância os dados objectivos permitiram reportar tal incapacidade pelo menos desde o ano de 1986”, portanto anteriormente à data da outorga da referida escritura pública.

Que o E... esteve presente na referida escritura mas sem que tivesse capacidade de entender o sentido da mesma, por não ter o livre exercício da sua vontade.

Que os RR tinham pleno conhecimento de tal situação e aproveitando-se da dita debilidade mental levaram o E.... a outorgar na referida escritura, cujo teor este não entendeu nem o poderia entender.

Que, por isso, os RR agiram de má fé e dolosamente.

Que o E.... nunca recebeu o preço dito da venda.

Que, por isso, a dita escritura é anulável, como se requer nesta acção.

II Pelos AA foi também deduzido o incidente do chamamento, como intervenientes principais, dos herdeiros do referido E.... que não são autores imediatos na acção, o que foi deferido, conforme despacho de fls. 106, na sequência do que se procedeu à citação dos chamados, assim se acautelando a legitimidade activa na acção.

III Pelo R. F.... foi contestada a acção, alegando, muito em resumo, que os AA não provam serem herdeiros do falecido E...., pelo que não têm eles legitimidade para instaurarem a acção, devendo o R. ser absolvido da instância.

Que o dito E.... estava no uso das suas capacidades mentais ao outorgar a referida escritura, como foi então verificado pela notária que procedeu à celebração da dita escritura.

Que enquanto o dito E.... esteve vivo nunca ninguém pôs em causa as suas capacidades mentais, sendo certo que a sua interdição apenas foi declarada pouco tempo antes da data do seu óbito.

Que foi paga ao falecido E.... a quantia referida na escritura como preço da compra e venda.

Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

IV Os AA ainda responderam, mantendo tudo quanto antes haviam alegado, bem como os pedidos formulados.

V No decurso do processo faleceu o A. A.... (em 19/05/2003), em consequência do que se procedeu à habilitação dos seus sucessores legais – a viúva e dois filhos -, para com eles prosseguir a acção, conforme apenso com a letra A.

Tendo também falecido no decurso do processo o R. F... (em 30/12/2006), foram habilitados os seus herdeiros legítimos – todos filhos -, para com eles prosseguir a acção em representação do pai, conforme apenso com a letra B, onde por todos eles foram apresentadas procurações a constituírem mandatário.

VI Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi apreciada a regularidade adjectiva da presente acção, tendo sido considerado que nada obstava ao seu regular prosseguimento, com selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

Seguiu-se a instrução da causa, com a realização de uma peritagem ao prédio em causa, para apurar o seu valor – auto de fls. 218 -, posto que teve lugar a realização da audiência de julgamento (embora com a realização de uma prévia audiência que foi dada sem efeito, conforme resulta de fls. 306 a 361), com gravação dos depoimentos de parte prestados e da prova testemunhal nela produzida, conforme actas de fls. 397 a 401, 407 a 409 e 413 a 415.

Finda essa audiência foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

Foi então proferida sentença sobre o mérito da causa, decidindo-se julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR dos pedidos contra eles formulados.

VII Desta sentença interpuseram recurso os AA, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentaram os Apelantes concluíram do seguinte modo: 1ª – E.... foi declarado interdito, com carácter definitivo, por sentença datada de 31/01/2000… 2ª – Segundo essa sentença, não obstante tal estado se poder ter dado desde a nascença ou infância, os dados objectivos apenas permitem reportar tal incapacidade desde o ano de 1986.

  1. – Por sua, o negócio de compra e venda que os Apelantes procuram ver declarado anulado foi celebrado em 25/09/1996, pelo que está em causa um acto praticado antes da publicitação da acção de interdição e, como tal, aplica-se o regime da incapacidade acidental (artºs 257º e 150º do C. Civ.).

  2. – Ficou igualmente provado que o E.... sofria de incapacidade natural consubstanciada numa debilidade mental notória.

  3. – Ficou também provado que o E.... fazia as suas necessidades fisiológicas em compartimento onde dormia e comia.

  4. – Sem que tivesse discernimento para efectuar qualquer limpeza ao mesmo.

  5. – Que...

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