Acórdão nº 166/08.1PAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

14 I. RELATÓRIO.

No 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido …, divorciado, gestor, residente em P…, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Aberta a audiência de julgamento, o Ilustre Mandatário do arguido arguiu a nulidade da contraprova à TAS, por ter sido efectuada no mesmo aparelho em que foi realizado o exame de pesquisa ao álcool.

Foi assegurado o contraditório, tendo-se pronunciado o Digno Magistrado do Ministério Público no sentido da validade da contraprova.

Seguidamente, foi proferido despacho que, além do mais, indeferiu a arguida nulidade.

Realizado o julgamento, por sentença de 12 de Agosto de 2008, depositada a 18 de Agosto de 2008, foi o arguido condenado pela prática do imputado crime na pena de 65 dias de multa à razão diária de € 20 perfazendo a multa global de € 1.300, e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses.

Inconformado com o decidido no despacho e na sentença, o arguido interpôs recurso, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

1- No dia 26 de Julho de 2008, durante as Festas do X..., na cidade de P..., pelas 6h00m, o Arguido que conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-DJ-00, de marca C..., na Rua de acesso às Piscinas Municipais em P..., foi submetido a um teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue, tendo acusado a existência de álcool no mesmo.

2- Pelo que, foi conduzido à Esquadra de Polícia de Segurança Pública de P..., onde foi submetido à análise quantitativa de álcool realizada através do alcoolímetro DRAGER, modelo 7100 MKIII P, tendo acusado uma T.A.S. de 1,35 g/l.

3- Não se conformando com o resultado por entender que atendendo à quantidade de álcool por si ingerida naquela noite não poderia apresentar uma T.A.S tão elevada, o Arguido declarou que pretendia realizar contraprova pelo mesmo método de ar expirado.

4- Tendo a contra prova sido realizada no mesmo aparelho que o do teste de alcoolemia inicial, o que apresentou uma T.A.S. de 1,44 g/l.

5- Não se conformando com tal situação, e já em sede de audiência de julgamento, o Arguido apresentou a sua contestação, tendo alegado que a contraprova fora realizada de forma proibida por lei, por ter sido realizada no mesmo aparelho, pelo que deveria ser declarada nula.

6- No entanto, interpretou o Tribunal a quo o artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE no sentido de que este não proíbe a realização do novo exame no mesmo analisador quantitativo, porque o normativo "não faz qualquer distinção entre a realização de tal exame através de idêntico ou novo aparelho", tendo proferido despacho de improcedência daquela nulidade.

7- No entanto, o Tribunal recorrido devia ter interpretado a norma no sentido de que o novo exame, ou seja, a contraprova, deve ser feito num aparelho diferente do inicialmente utilizado.

8- Pois só assim se poderá afastar qualquer dúvida sobre a fiabilidade do aparelho ou o modo de utilização do mesmo e proceder-se à realização de novo exame e não repetição do exame já realizado.

9- Assim, com aquele interpretação pelo Tribunal a quo, não foram asseguradas todas as garantias de defesa do Arguido, conforme previsto no artigo 32º, nº 1 da CRP, uma vez que não foi posto à sua disposição qualquer meio susceptível de infirmar a fiabilidade do aparelho e consequentemente demonstrar que a quantidade de álcool que ingeriu durante a noite em causa, não era suficiente para ultrapassar os limites legais.

10- Pelo exposto, a interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE, isto é, que o novo exame/contraprova pode ser realizado no mesmo aparelho, é materialmente inconstitucional porque violadora dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 3 e 32.º, n.º 1 ambos da CPR.

11- Pelo que, consequentemente, deverá ser declarada a nulidade do exame de contraprova (vide fls. 4) efectuado ao Arguido através do mesmo aparelho, e, consequentemente, revogar-se o despacho proferido a fls. 30 e 31 pelo Tribunal a quo, e, consequentemente, por força da aplicação da teoria do efeito à distância consagrada no artigo 122.º do CPP, também revogar-se sentença condenatória, com a consequente absolvição do Arguido por falta de prova de um dos elementos essenciais que constituem o tipo legal do crime previsto e punido no artigo 292, n.º 1 do Código Penal., uma vez que, não é possível a repetição do exame de contraprova e não existe nos autos qualquer outra prova legal do ilícito, posto que determina o artigo 153.º, n.º 6 do CE que "O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial".

12- Acresce ainda, que atenta a conjugação da alínea a), do n.º 3, e do n.º 4 do artigo 153.º do CE, com o artigo 2.º, n.º 2 e o artigo 3º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, dúvidas não podem resultar quanto à intenção do legislador ordinário impor a obrigatoriedade da contraprova ser realizada em aparelho diverso do inicialmente utilizado, pelo que também por este motivo o aludido despacho de fls. 30 e 31 deverá ser revogado, e consequentemente, o Arguido ser absolvido da sentença que o condenou, a qual também deverá ser revogada, por se ter fundamentado numa prova obtida ilegalmente pela respectiva autoridade judicial.

13- Dos elementos da interpretação, particularmente o teleológico, o sistemático, o histórico e inclusivamente o literal, resulta a imposição de o novo exame a que se refere a alínea a) do n.º 3 artigo 153.º do CE ser efectuado em analisador quantitativo diferente do que fora primeiramente utilizado.

14- Desta forma, o Tribunal a quo ao fazer uma interpretação diversa daquela que defendemos e, consequentemente, ao indeferir, com o aludido despacho, a arguida nulidade decorrente da invalidade da prova obtida mediante contraprova em teste de detecção de álcool no sangue realizado no mesmo aparelho, violou, para além dos artigos 18.º, n.º 1 e 3 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP, o artigo 153.º, n.º 3, a) e n.º 4 do CE, o artigo 3.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas e o artigo 125.º do CPP.

15- No entanto, caso se entenda que o despacho de fls. 30 e 31 não se encontra ferido de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, sempre se dirá o seguinte quanto à sentença proferida nos presentes autos.

16- Na douta sentença o Tribunal a quo dá como provado o seguinte facto: "Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool na sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l, sendo que ao ser submetido a novo exame apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l".

17- No entanto, se compararmos o talão de teste n.º 177 com o talão de teste n.º 180, juntos aos autos de fls. 4 a 5, podemos constatar que o aparelho utilizado num e noutro exame foi exactamente o mesmo – MARCA: DRAGER; MODELO: 7110 MKIII P; Nº. SERIE: ARMA – 0032.

18- Assim sendo, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto: Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool na sangue, através do aparelho Drager 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/1, sendo que ao ser submetido a novo exame através do mesmo aparelho apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l.

19- Acresce, ainda, que o Tribunal a quo deu também como provado os seguintes factos: - "O arguido ingeriu bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com matrícula 05-DJ-01, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava".

- "Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal".

20- Resulta das declarações do Arguido que ele efectivamente ingeriu bebidas alcoólicas na noite em questão, mas nunca em momento algum o Arguido afirmou estar consciente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

21- Pois, nunca o Arguido declarou ter conduzido o seu veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

22- Efectivamente, o Arguido confirmou o resultado do exame e da contraprova mas nunca afirmou serem verdadeiros esses resultados, bem pelo contrário, ao ter solicitado a contraprova demonstrou inequivocamente a sua desconfiança em relação ao resultado apresentado e consequentemente à fiabilidade do aparelho.

23- Portanto, não deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o Arguido "conduziu o veículo com matricula 00-DJ-00, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava" e que "Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal".

24- O Tribunal recorrido deveria ter dado como provado apenas o seguinte facto: O Arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 00-DJ-00.

25- O Arguido em momento algum confessou estar alcoolizado e muito menos ter consciência de que com a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo apenas confirmado que ingerira bebidas alcoólicas.

26- A defesa apresentada verbalmente pelo Arguido, no início da Audiência de Discussão e Julgamento, foi no sentido de que este, precisamente por não se conformar com os factos que lhe eram imputados, porque falsos, considera violado o seu direito de defesa.

27- Tendo em conta o sentido da contestação apresentada pelo Arguido bem como as suas declarações em sede de julgamento, não poderia, contrariamente, ao que fez o Tribunal recorrido, ser dado como confessado e provado que o Arguido conduziu o seu veículo automóvel "ciente do estado alcoolizado em que se encontrava" e que "agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei...

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