Acórdão nº 168/05.0GTSTR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

No processo comum n.º 168/05.0GTSTR, o arguido …, melhor identificado nos autos, foi condenado, por sentença de 18 de Julho de 2006, transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal, com referência ao artigo 387.º, n.º2, do Código de Processo Penal, bem como pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, nas penas parcelares de 6 (seis) meses e de 13 (treze) meses de prisão, respectivamente.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 16 (dezasseis) meses de prisão), cuja execução se decidiu suspender pelo período de 3 (três) anos, com sujeição a regime de prova.

  1. Em 15 de Maio de 2008, o Ministério Público promoveu: que por descriminalização da conduta pela qual o arguido foi condenado no quadro do crime de desobediência, se declare extinta a respectiva pena parcelar; que fosse proferida decisão a adequar o período de suspensão da pena de prisão ao regime introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de declarar reduzido o período de 3 anos de suspensão para 1 ano e 1 mês.

  2. Por despachos de 30 de Maio de 2008, o M.mo Juiz indeferiu as referidas promoções.

  3. Inconformado, recorreu o Ministério Público dos referidos despachos, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.º O despacho recorrido ao considerar que a conduta do arguido, que à data dos factos consubstanciava a prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.°, n.º 1, al. a) do Código Penal, com referência ao artigo 387.°, n.º 2 do Código de Processo Penal não foi descriminalizada com a entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29/08, viola o disposto nos os artigos 2.°, n.º 2 e 348.°, n.º 1, als a) e b) do Código Penal, o artigo 387.°, n.º 2 do Código de Processo Penal e artigo 29.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

    1. Em 15/09/07 entrou em vigor a Lei n.º 59/2007 de 04 de Agosto e a Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, tendo o legislador suprimido do leque de condutas criminalmente puníveis aquela que, anteriormente, preenchia o crime do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 387.º, n.º 2, do CPP, sendo imperativo concluir-se assim pela sua descriminalização.

    2. O preenchimento desse crime derivava da existência de uma disposição legal – o n.º 2 do artigo 387.º – que estabelecia a cominação com o crime de desobediência, e não de qualquer cominação feita por autoridade ou funcionário, limitando-se o agente da autoridade a transmitir a cominação que constava da lei, nesta sequência, condenar o arguido por aplicação da al. b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal, violaria o princípio da legalidade.

    3. Assim, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 2 do Código Penal, deixando de existir uma norma legal a prever a referida cominação, deixou de haver fundamento para a sua realização, mostrando-se a conduta respectiva despenalizada, (uma vez que o facto punível pela lei vigente no momento da sua prática deixou de o ser pela lei nova que o eliminou do número das infracções).

    4. Consequentemente, deverá o despacho recorrido ser revogado nessa parte e, em sua substituição, ser proferida decisão mediante a qual se declare despenalizada a conduta do arguido quanto ao crime de desobediência atrás citado e se declare extinta a pena que lhe foi aplicada pela prática do referido crime, determinando-se que seja desfeito o cúmulo jurídico efectuado, mantendo-se apenas a pena parcelar, que lhe fora aplicada pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de Janeiro.

    5. A norma do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é concretamente mais favorável ao condenado se dela resultar um período de suspensão mais curto.

    6. A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao condenado, mesmo no caso de haver condenação transitada em julgado, decorre actualmente dos artigos 29.º, n.º 4, in fine da Constituição da República Portuguesa e 2.°, n.º 4 do Código Penal, na redacção conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.

    7. O Ministério Público, enquanto garante da legalidade democrática e da igualdade dos cidadãos perante a lei, tem legitimidade para requerer a aplicação do regime penal mais favorável ao condenado, ao abrigo dos artigos 219.º, n.º 1 da CRP, 1.º do EMP e 5.°, n.º 1 da LOFTJ.

    8. O artigo 371.°-A do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto não constitui obstáculo quer à apreciação oficiosa, quer à aplicação a requerimento do Ministério Público, do regime mais favorável ao condenado, podendo mesmo a sua aplicabilidade imediata aos processos iniciados anteriormente à sua vigência ser afastada por recurso ao disposto no artigo 5.°, maxime n.º 2, alínea a) do CPP.

    9. Ao negar legitimidade ao Ministério Público para requerer a aplicação ao condenado do regime penal mais favorável, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 50.°, n.º 5 e 2.°, n.º 4 do CP, 29.°, n.º 4, in fine, 13.°, 18.°, n.º 2, 219.°, n.º 1 da CRP, 1.º do EMP e 5.°, n.º1 da LOFTJ.

    10. Inexistindo qualquer elemento de facto relevante para a prolação de decisão – em benefício do condenado – no sentido de adequar o período de duração da suspensão de execução da pena de prisão ao vertido no n.º 5 do artigo 50.° do CP ex vi artigo 2.°, n.º 4 do mesmo Código, que não conste já da sentença condenatória, reabrir a audiência revelar-se-ia acto inútil em face do teor do artigo 369.°, n.º 2 ex vi artigo 371.°, ambos do CPP.

    11. Pelo exposto, deverá esse Venerando Tribunal proferir decisão em que determine a redução do prazo de suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos para 1 ano e 1 mês, por ser o correspondente à pena parcelar de prisão aplicada, de harmonia com o artigo 50.°, n.º 5 ex vi artigo 2.°, n.º 4 do CP.

    12. Caso V. Ex. assim não o entendam, deverá esse Venerando Tribunal revogar o despacho recorrido e ordenar a sua substituição por outro que dê cumprimento ao preceituado no artigo 50.°, n.º 5 do CP ex vi artigo 2.°, n.º 4 do mesmo diploma reduzindo oficiosamente o período de suspensão de execução da pena de 3 anos, para 1 ano e 1 mês e, consequentemente, determine a junção aos autos do C.R.C. do arguido e de informação sobre a existência de processos pendentes contra o mesmo em ordem a declarar a eventual extinção da pena.

  4. O recurso foi admitido, não tendo sido apresentada resposta.

  5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá merecer provimento.

  6. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.).

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    Assim, as questões que o recorrente coloca são: - se os factos pelos quais houve condenação pelo crime de desobediência foram descriminalizados com a entrada em vigor da revisão do C.P.P, operada em 2007; - se o tribunal a quo deveria ter procedido à redução do período de suspensão da execução da pena, ajustando-o à pena de prisão, por aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º5, do Código Penal, na redacção introduzida pela revisão penal de 2007, bem como se o Ministério Público, face à alteração da lei penal, tem ou não legitimidade para requerer a aplicação da Lei Nova, no pressuposto de que a mesma é mais favorável ao condenado, nos casos de sentença já transitada em julgado.

  7. Elementos relevantes para a decisão 2.1. Os despachos recorrido têm o seguinte teor: 2.1.1. Quanto ao crime de desobediência: «Fls. 199 a 202: No requerimento que juntou aos autos alega que o crime de desobediência pelo qual o arguido foi condenado nos autos deixou de existir no ordenamento jurídico-penal, com a alteração do artigo 385.º, do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-8, ocorrendo assim uma despenalização da conduta do arguido quanto a tal ilícito. Pretende assim o Ministério Público que se declarar extinta a pena parcelar de 6 meses de prisão que foi aplicada ao arguido pela prática daquele crime de desobediência que, na sua opinião, teria deixado de existir atenta aquela alteração legal.

    Salvo o devido respeito, discordamos do raciocínio realizado pelo Ministério Público. Na verdade, verifica-se que o crime de desobediência não deixou de existir no ordenamento jurídico-penal. Na verdade, o mesmo continua a ser previsto e punido no artigo 348°, do Código Penal. Para além disso, mantém-se todos os elementos que compõem o tipo de ilícito em causa. Continua assim a ser punível o comportamento do agente que desobedece a uma ordem que for legitimamente dada por uma autoridade competente.

    Nos presentes autos o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência devido ao facto de ter desobedecido a uma ordem que lhe foi dada por uma autoridade competente. Deste modo, o seu comportamento preencheu o tipo de ilícito criminal em causa do crime de desobediência. Não ocorreu assim qualquer despenalização da conduta do arguido quanto ao apontado ilícito.

    O que se passou foi que com a alteração do artigo 385.º, do Código de Processo Penal, resultante da redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, quando os Tribunais estiverem encerrados no momento da sua detenção e o arguido não puder ser de imediato sujeito a julgamento em processo sumário, deixou de ser advertido pela autoridade policial que proceder à detenção para comparecer no dia útil seguinte em Tribunal para ser sujeito a julgamento, sob pena de incorrer na prática de um crime...

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