Acórdão nº 308/05.9TTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Finda, sem êxito, a fase conciliatória deste processo especial emergente de acidente de trabalho, veio a A., A…, viúva do sinistrado B…, então patrocinada oficiosamente pelo M.º P.º, (depois com mandatário constituído, ‘ut’ fls. 11 do Apenso), instaurar acção declarativa contra as rés “C…” e D…, alegando, em síntese, que o dito sinistrado sofreu um acidente de trabalho no dia 4 de Julho de 2005, quando prestava o seu serviço de trabalhador agrícola indiferenciado, por conta da sua entidade empregadora, segunda ré, em consequência do qual sofreu lesões determinantes da sua morte.

Como a segunda ré tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a primeira ré apenas por parte da retribuição do sinistrado, e lhe é imputável a inobservância das condições de segurança no trabalho, pretende a autora que aquela seja responsabilizada pela reparação devida.

Assim, peticiona a condenação da segunda ré no pagamento de: - Uma pensão anual e vitalícia de € 10.500; - Um subsídio por morte, no valor de € 4.496,40; - Despesas de funeral, no montante de € 1.498,80; - A quantia de € 5 que despendeu em transportes para comparecer à tentativa de conciliação.

Além disso, solicita a condenação da primeira ré como responsável subsidiária pelo pagamento das referidas prestações.

A título subsidiário, pretende a autora a condenação de ambas as rés no pagamento das referidas prestações, na medida das suas responsabilidades, sendo a primeira ré responsável pelas fracções da pensão anual e vitalícia de € 2.892,99, de um subsídio por morte de € 4.129,49, das despesas de funeral de € 1.376,50, e da quantia de € 4,59 por despesas de transporte, e a segunda ré responsável pelas fracções da pensão anual e vitalícia de € 257,01, de um subsídio por morte de € 367, das despesas de funeral de € 122,30, e da quantia de € 0,41 por despesas de transporte.

Peticiona, por fim, o pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre tais prestações, desde o seu vencimento e até integral pagamento.

.

Regularmente citadas, ambas as rés contestaram, em tempo útil.

A ré D… impugnou parte da factualidade alegada na petição, afirmando que o acidente não deve ser qualificado como de trabalho, por o sinistrado estar, na altura, a tratar de assuntos próprios, e não a trabalhar, e por ter omitido as normas de segurança que havia definido e acusar uma taxa de álcool no sangue.

Assim, não se considerando responsável pela reparação pedida, solicita a dita ré a sua absolvição.

Por seu turno, a ré “C…” também se recusou a assumir qualquer responsabilidade na reparação do sinistro, alegando que o mesmo resultou da inobservância das condições de segurança por parte da entidade empregadora.

Além disso, sustenta esta ré que o contrato de seguro que celebrou com a segunda ré não cobria o aqui sinistrado.

Concluindo, solicita a improcedência da acção, na parte em que é demandada.

.

A ré “C…” respondeu à contestação da co-ré D…, impugnando o aí alegado.

.

Tendo entretanto falecido a ré D…, foram habilitados os seus sucessores, E… e F…, no competente apenso.

.

Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção improcedente, com a consequente absolvição das co-RR. do pedido.

. Irresignada, a A. veio apelar.

Alegando, concluiu assim: · A sentença está ferida de nulidade por violação da alínea c) do n.º1 do art. 668.º do C.P.C.; · Porque ao dizer que a taxa de alcoolemia do sinistrado terá que ser considerada ‘causa exclusiva’ do acidente, uma vez que ‘o não recurso aos equipamentos de segurança também deve ser imputado à conduta do sinistrado, vai contra a resposta aos quesitos; · É que o Tribunal dá por provado que a taxa de alcoolémia contribuiu para o acidente e não que foi a causa exclusiva – resposta ao quesito 21.º; · Depois, dá por não provado que fosse o sinistrado, por sua iniciativa, a desmontar e retirar a cabine – resposta ao quesito 14.º; · Nisso são implacáveis as respostas aos quesitos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º da Base Instrutória; · Pelo que, ‘a contrario’, haverá que considerar que poderão ter existido outras causas do acidente, mesmo que desconhecidas; · Aliás, dá por provado que a dita cabine interferia com as árvores do pomar, partindo os ramos e derrubando os frutos – quesito 9.º; · A recorrente considera ainda erróneos os fundamentos invocados para a descaracterização do acidente; · Para descaracterizar um acidente de trabalho não basta a mera demonstração de que o sinistrado conduzia com uma taxa de alcoolémia elevada; · Necessário é que se demonstre a existência de um verdadeiro nexo de causalidade entre esse grau de alcoolémia e o acidente; · E ainda que se demonstre cabalmente ser essa a causa única e exclusiva do acidente; · As RR. não conseguiram fazer essa prova; · E eram as RR. quem tinha o ónus, nos termos do n.º2 do art. 342.º do Cód. Civil; Violou assim, a douta sentença o disposto nos arts. 7.º da Lei n.º 100/97 e 342.º/2 do Cód. Civil.

Termos em que deve proceder o recurso, com decisão que condene as RR. no pagamento de uma indemnização a calcular de acordo com o peticionado.

.

Contra-alegaram os habilitados co-RR. patronais, desde logo, concluindo que a decisão não merece reparo, devendo ser mantida, com a consequente improcedência do recurso.

Igualmente reagiu a co-R. Seguradora, concluindo, em síntese, que a arguição da nulidade, não tendo observado o preceituado no art. 77.º/1 do C.P.T., é extemporânea.

Além disso, o sinistrado não estava abrangido pelas garantias da apólice contratada, sempre sendo nulo o contrato nos termos do art. 8.º da A.U. e do art. 429.º do Código Comercial.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer, conforme fls. 292-296, a que reagiram os habilitados co-RR. patronais – cumpre ora analisar, ponderar e decidir.

____ II – DOS FUNDAMENTOS.

1 – DE FACTO.

Vem assente a seguinte factualidade, que assim se fixa: ü . B… faleceu no dia 4 de Julho de 2005; ü . B… e a A., A…, contraíram matrimónio um com o outro no dia 14 de Agosto de 1976; ü . A falecida R., D…, era dona da Quinta de S. José, sita na freguesia de Aldeia Viçosa, Guarda, exploração agrícola que administrava, cultivava e rentabilizava recorrendo a trabalho assalariado; ü . B… foi admitido ao serviço da falecida R. D… e do seu falecido marido há mais de 15 anos, por acordo verbal e tempo indeterminado, mediante o qual prestou a sua actividade de trabalhador agrícola indiferenciado na quinta de S. José, sob as ordens, direcção e fiscalização destes; ü . Em execução da actividade referida no ponto anterior e de acordo com as ordens que lhe eram dadas, o B… cuidava dos animais da exploração, semeava e colhia os produtos da terra, tratava dos pomares, colhia os frutos, cavava a lavrava a terra, utilizando para tal os utensílios e máquinas existentes na Quinta, nomeadamente o tractor agrícola de matricula n.º 52-56-FH. Modelo 45-66, marca ‘Fiatagri’, matriculado no ano de 1995; ü . O tractor referido no ponto anterior havia sido adquirido há mais de dez anos pelo marido da falecida R., D…; ü . No dia 4 de Julho de 2005, pelas 10:30 horas, o B… conduzia o tractor agrícola referido nos pontos anteriores por um caminho que ligava a Quinta de S. José à estrada; ü . Na ocasião e local referidos no ponto anterior, o tractor agrícola virou lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho que fica num plano inferior, e arrastando consigo o B…; ü . No local em que se verificou o acima descrito o piso do caminho referido atrás era plano e constituído por terra batida regular; ü . No local e tempo referidos o B… prestava a sua actividade ao serviço da falecida R., D…; ü . Em consequência do descrito no ponto acima, o B… sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 47-52, que lhe causaram a morte; ü . Na altura antes referida o tractor agrícola não estava equipado com qualquer estrutura de segurança – quadro, arco, cabina, cinto de segurança ou outro equipamento de retenção; ü . Quando foi adquirido, o tractor agrícola referido nos pontos anteriores trazia instalada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT