Acórdão nº 377/07.7TACNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em dissensão com o julgado prolatado no processo supra referenciado em que, na procedência da acusação particular – cfr. fls. 42 e 43 – acompanhada pelo Ministério Público – cfr. fls. 48 – e do pedido de indemnização cível – cfr. fls. 44 a 46 – condenou o arguido J…, com os sinais constantes de fls. 48: “como autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181º n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €: 5,00; como autor material de um crime continuado de difamação, p. e p. pelo art.º 180º n.º 1 e 30º do Código Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €: 5,00”; e em cúmulo jurídico das penas aplicadas na pena única de “160 dias de multa, à taxa diária de €:5,00, o que perfaz €: 800,00”; e no julgamento parcialmente “ [d]o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente contra o arguido e, em consequência, condená-la no pagamento à assistente da quantia de €: 700,00 (setecentos euros)”, absolvendo-o em tudo quanto excedesse a condenação, recorre o arguido tendo despedido a motivação com o quadro conclusivo que a seguir se deixa transcrito: “I - foram incorrectamente julgados os pontos 1.1. a) b) c) e) f) e h) da douta sentença; II – o arguido não confessou que estivera duas vezes em casa das testemunhas M... e I..., conforme resulta do seu depoimento.

    III – Não resultou suficientemente provado que o arguido tenha proferido as expressões difamatórias de que vinha acusado, dado que as discrepâncias verificadas entre os depoimentos das testemunhas M... e I... são de tal modo graves, bem como não são testemunhas isentas, factos esses suficientes para colocarem em causa todo o seu depoimento.

    IV – Não resultou provado em julgamento que o arguido tivesse consciência da genérica perigosidade da lesão do direito à honra no momento em que enviou a mensagem, razão pelo qual não poderá ser dado como provada a prática pelo arguido do crime de injúria de que vinha acusado.

    V – Da prova produzida em julgamento, designadamente do testemunho do arguido e das testemunhas M... e I..., e em relação a ambos os crimes, resultou no mínimo uma dúvida razoável, tendo assim sido violado o principio de presunção de inocência consagrado constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

    VI – deverá assim e de acordo com as antecedentes conclusões, ser a douta sentença proferida pelo tribunal a quo ser substituída por outra que absolva o arguido dos crimes pelos quais foi condenado”.

    Na resposta que produziu a assistente C... propugna pela manutenção do julgado para o que dispõe a sequente síntese conclusiva.

    “1. - A douta sentença recorrida julgou convenientemente os pontos 1.1 a)b)c)e) e h).

    1. - A confissão do Arguido e a demais prova produzida nos Autos foi livremente apreciada pelo tribunal, do que resultou a decisão condenatória proferida.

      3· - Ficou suficientemente provado e demonstrado nos Autos que os Arguido praticou os factos pelos quais veio acusado.

      4· - As testemunhas I... e M..., pese embora tenham instaurado um processo crime contra o Arguido pela pratica de outros factos ocorridos noutro contexto de tempo e lugar, prestaram o seu depoimento com isenção e imparcialidade, tendo prestado um depoimento consistente e credível que não deixou ao tribunal a quo quaisquer duvidas.

      5· - As divergências apontadas no recurso interposto resultam da normal subjectividade inerente a cada pessoa e do decurso de tempo ocorrido que apaga alguns traços da memória.

    2. - O Arguido teve e tem plena consciência da gravidade das expressões por si proferidas no sms que enviou à Assistente, sendo sua deliberada intenção ofender a honra e consideração da assistente, objectivo este que logrou alcançar. Facto este por demais evidente a quem quer que seja e inteiramente perceptível ao tribunal, sendo a justificação dada pelo Arguido sobre esta matéria um mal remediado “tapar de olhos”.

    3. - Não pairou no espírito do tribunal quaisquer duvidas quanto à pratica dos factos pelo Arguido, pelo que como tal foi condenado, pelo que bem decidiu e bem julgou o douto tribunal a quo ao proferir sentença final condenatória, não tendo existido qualquer violação do principio “in dúbio pró reo” · 8. - Sentença final condenatória que deverá este tribunal manter, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA.

      Não deixou o Ministério Público, junto do tribunal a quo, de responder tendo a posição ficado extractada na síntese que a seguir se transcreve. “1) O recurso da matéria de facto não visa a reapreciação de toda a prova produzida, como se de um novo julgamento se tratasse, mas apenas a detecção ou correcção de particulares erros de julgamento concretamente especificados pelo recorrente; 2) Nem tem como objectivo sindicar a convicção do tribunal recorrido, enquanto juízo racional formado pela credibilidade ou não das testemunhas, ou pela maior credibilidade de umas em relação a outras, colhida da imediação e oralidade, que nenhuma reapreciação subsequente pode questionar.

      3) A livre apreciação da prova visa precisamente garantir essa independência decisória, legitimada pela fundamentação da decisão.

      4) Só se a convicção do julgador se sustenta em provas proibidas ou as conclusões que extrai são contrárias às regras da experiência comum é possível questionar o sentido da decisão, e nenhuma dessas circunstâncias se verificou no caso dos autos.

      5) Ainda que o ponto 1.1.c) da matéria de facto não possa dar-se como provado, nada se altera no sentido da decisão recorrida.

      6) O princípio in dubio por reo constitui um princípio de prova e não um critério de interpretação da lei, que só actua quando o tribunal não logrou formar a sua convicção e, perante o non liquet, a decisão terá de ser favorável ao arguido.

      7) Tendo o Tribunal, na sua decisão, demonstrado inequivocamente qual foi a sua convicção, não há que convocar o princípio in dubio pro reo.

      8) As expressões utilizadas pelo arguido no SMS enviado à assistente são perfeitamente aptas a lesar a honra e a consideração da visada, pois no contexto ou meio social e cultural em referência, “andar pelos pinhais” é entendido como prática de prostituição.

      9) Para a integração do tipo legal objectivo basta a mera insinuação, não sendo necessário a imputação directa de factos, enquanto o tipo subjectivo se preenche com a consciência de que as expressões utilizadas são aptas à lesão do bem jurídico protegido pela norma.

      1O) Resulta da prova produzida, em conjugação com as regras da experiência que o arguido não pode deixar de ter tido essa consciência e essa vontade.” Nesta instância, o distinto Procurador-geral Adjunto – cfr. fls. 234 e 235 – sufraga a posição advogada pelo Ministério Público na comarca.

      Estando sedimentada a ideia de que o tema decidendum do recurso deve ser delimitado pelas conclusões do recurso[1] têm-se como pertinentes para a apreciação da pretensão do recorrente as sequentes questões: - Reexame da decisão da matéria de facto. - Violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.

  2. – Fundamentação.

    II.A. – De facto.

    Para a decisão que prolatou escorou-se o tribunal a quo na facticidade que a seguir se deixa extractada.

    “a) - No dia 23 ou 24 de Abril de 2007, cerca das 17,30 horas, no interior da residência de I..., sita no lugar de Arrancada, comarca de Cantanhede arguido, referindo-se à assistente disse perante I... e marido M... ... as seguintes expressões: “Ela é urna desequilibrada’’; “É uma pessoa com um passado que não devia ter tido” “uma vaca que anda para aí”.

    b) - No dia 17 de Maio de 2007, cerca das 17:30, na casa dos referidos I... e marido, M... ..., enquanto com estes conversava, o arguido afirmou de novo, por diversas vezes e de forma insistente, referindo-se à assistente, o seguinte: “A C...é uma desequilibrada” – “Vocês não sabem quem é a C…, mas ela sempre foi uma miséria” – “ É urna vaca que anda para aí’ – “Ela vai estar lá dentro {de casa) e vai ser só homens a entrar e a sair”. c) - Em ambas as ocasiões, referidas em a) e em b), o arguido dirigiu-se a casa das testemunhas I... e M... a pedido da referida I..., a fim de conversarem acerca da relação entre o arguido e a assistente. * d) - O arguido no dia 3 de Agosto de 2007, pelas 16:27:25 horas, enviou através do seu telemóvel n.º 351965385588 para o telemóvel da denunciante com o n.º 96.8951572, uma mensagem com o seguinte teor: “Não me referi a nada disso mas sei que e um facto que vai ser consumado porque conhesote bem quanto a mim pois tenho varías companhias para pasiar e não ando escondido de ningem pelos pinhaís se quiseres pasiar também comigo so dises quando mas agora e preciso que te deixem”.

    e) - Ao agir do modo descrito, o arguido quis insultar e denegrir a assistente, como efectivamente sucedeu.

    f) - O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que as expressões não eram verdadeiras e que a suas condutas eram proibidas e punidas por lei g) - A Assistente e o arguido viveram em união de facto durante cerca de seis anos, tendo terminado tal relação em 2007, da qual nasceu um filho, menor.

    DO pedido de indemnização civil: h) - A assistente sentiu consternação e ofensa.

    i) - i) A assistente pagou €: 192,00 de taxa de justiça nos presentes autos.

    i) - A assistente viu-se ainda obrigada a efectuar diversas deslocações a Cantanhede ao tribuna] e á sua mandatária por força do presente processo, à qual terá de pagar honorários circunstâncias pessoais do arguido: j) - O arguido não tem antecedentes criminais.

    M) - Trabalha por conta própria na construção civil e aufere cerca de €: 500,00 por mês de vencimento.

    Vivem em casa própria.

    Tem dois filhos, que se encontram a viver com as respectivas mães, e está obrigado a pagar a cada um, de alimentos, a quantia de €:100,00 É dono de um veículo de marca Toyota, modelo Corolla, com 3 anos e de um veículo de marca Citroen, modelo AX, com mais de 10 anos. 1.2. Factos não provados: Com...

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