Acórdão nº 1975/07.4TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | GREG |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Recurso de agravo nº 1975/07.4TBFIG.C1[1] I – RELATÓRIO A A…, requereu a insolvência de B… e marido C…, residentes na Rua Profª Isabel Andrade, nº 1-2º, Praia da Leirosa, Marinha das Ondas, com os fundamentos seguintes, em síntese: É credora dos requeridos da importância de 133.989,25 €, tendo os mesmos deixado de pagar os encargos vencidos desde 25.02.2006, resultando infrutíferas as diversas interpelações da requerente para obter o seu pagamento.
Enquanto isso, sem o seu conhecimento, com manifesta má fé, os requeridos apressaram-se a dissipar parte relevante do seu património subtraindo-o à penhora pela requerente e por outros credores, com consequente prejuízo dos interesses destes.
Os imóveis ainda existentes no património dos devedores encontram-se fortemente onerados com garantias reais constituídas para assegurar o pagamento de valores elevados em dívida à Banca e à Fazenda Nacional, e contra os requeridos encontra-se pendente execução fiscal para cobrança coerciva de créditos no valor de 292.213,69 €.
Por sentença proferida em 18/10/07, oportunamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência dos requeridos.
Em 17/09/07 os devedores requereram, nos termos do art. 236º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (daqui por diante CIRE), a exoneração do passivo restante.
O administrador de insolvência não se opôs, mas a requerente CGD e o Ministério Público, em representação do Estado Português, pronunciaram-se desfavoravelmente a esta pretensão.
Decisão de 21/07/08 acolheu o pedido dos devedores proferindo despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, determinando que: “ - durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível dos insolventes que estes venham a auferir – englobando todos os rendimentos que os mesmos venham a auferir, com exclusão valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional – se considera cedido ao administrador judicial, desde já nomeado fiduciário; - durante o período da cessão, os devedores ficarão ainda sujeitos aos demais deveres previstos no n.º 4 do artigo 239° do CIRE”. Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso de agravo a requerente CGD tirando as seguintes conclusões nas alegações que apresentou: 1ª. Quando os insolventes alienaram, por trespasse, a farmácia, único activo donde poderiam retirar rendimentos sem extinguir a divida garantida por penhor do mesmo, é óbvio que, a partir daí, não poderiam ignorar o desfecho final já que não teriam perspectivas sérias da melhoria da sua situação económica, colocando-se, assim, na previsão da alínea d) do n°1 do art. 238° do CIRE, devendo o pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente indeferido.
-
Sendo os insolventes pessoas singulares não estavam inicialmente obrigados a apresentar-se à insolvência - art. 18°, n° 1, do CIRE, mas não deveriam abster-se de o fazer nos seis meses seguintes à verificação de insolvência, ocorrida em 25 de Fevereiro de 2006, ou seja 9 meses depois de trespassarem a farmácia em 9 de Maio de 2005, sabendo, a partir daí, ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria da melhoria da situação económica.
-
No caso específico da venda antecipada do penhor por deterioração do estabelecimento por falta de fornecimento de medicamentos, por exemplo, teriam os insolventes a faculdade de alienarem o mesmo, mas com autorização judicial, como decorre do disposto no artigo 674°,n° 1 do Código Civil, isto se não se apresentassem à insolvência.
-
Existindo dívidas ao Fisco, como existem em valor elevado (€229.213,69), estas não são abrangidas em circunstância alguma pela exoneração do passivo restante, como se estatui no n° 2 d) do art. 245° do CIRE, pelo que retira significado relevante à exoneração do passivo restante, como é doutrina pacífica.
-
O art. 242° do CIRE estabelece a regra da igualdade de credores relativamente no produto final que for apurado e entregue ao fiduciário durante o prazo fixado na lei, ou seja nos cinco anos subsequentes, enquanto durar a medida da suspensão. A imunidade legal dos créditos tributários obsta à aplicação desta regra, constituindo igualmente fundamento para indeferir o pedido da exoneração do passivo restante.
A douta decisão violou assim os seguintes normativos: alínea d) do n°1. do art. 238° do CIRE; o art. 674°, 1 do Código Civil; o n°2 d) do art 245° do CIRE, o art 242°, também do CIRE.
Os agravados responderam pugnando pela manutenção do decidido.
O despacho recorrido foi sustentado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
● O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O único tema colocado traduz-se em saber se aos devedores pode ser concedida exoneração efectiva do passivo restante ou se esse seu pedido deveria ter sido liminarmente indeferido.
II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Importa para a decisão a proferir a seguinte factualidade: A) Na sentença de declaração de insolvência foram, entre outros, considerados assentes os seguintes factos: […] B) Em conformidade com o disposto no artigo 128° CIRE, dentro do prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, vieram os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos, tendo o Sr. Administrador da Insolvência apresentado a seguinte lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 129º do CIRE (cfr. fls. 3 e 4): […] C) Por sentença de 27-06-2008, transitada em julgado, proferida no apenso de Reclamação de Créditos, consideraram-se reconhecidos e como tal verificados os créditos constantes da alínea anterior; D) A fls. 642 destes autos mostra-se lavrado em 11/09/08 um termo de protesto por acção intentada por H…, para verificação ulterior de crédito, de valor não apurado, nos termos do nº 3 do art. 146º do CIRE.
E) Foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens: […] F) A insolvente B… auferiu em 2006 de rendimentos de trabalho, dependente de Herdeiros de J…, o valor bruto anual de 26.107,73 €, existindo uma penhora da DGCI sobre esses vencimentos; G) O insolvente C… recebeu em 2006 por prestação de serviços um rendimento anual bruto de 10.502,25€; H) Receberam o valor de rendas de 6.800,00 €, também penhoradas à ordem da DGCI, provenientes de contrato de arrendamento comercial celebrado com I…, relativo à fracção “A” da rua Principal, Marinha das Ondas, no valor mensal de 500,00 €; I) O requerimento para declaração de insolvência, apresentado pela A…, deu entrada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz em 21.08.2007.
DE DIREITO Como acima referimos a única questão colocada traduz-se em saber se aos devedores poderia ter sido concedida exoneração efectiva do passivo restante.
No ponto 45 do preâmbulo do Dec.Lei nº53/2004, de 18/3, que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), explica-se a este propósito que “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência[2], é agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante”.
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.
Acrescentando-se, mais à frente, que “A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”.
Como se refere na decisão agravada, transcrevendo palavras de Catarina Serra[3], o objectivo final é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO