Acórdão nº 162/06.3TBVLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 02 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
A... e mulher, B... (AA., Reconvindos e neste recurso Apelados), demandaram C...
(R., Reconvinte e aqui Apelante), invocando a propriedade de um prédio urbano sito em Vila Nova de Foz Côa, cujos 2º e 3º andares seriam ocupados – sem título, acrescentam os AA.
[1] – pelo R., formulando, em função desta situação, os seguintes pedidos [expressamente referidos ao artigo 1311º do Código Civil (CC)]: “[…] [Ser] o R. condenado a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano melhor identificado em 1º desta petição inicial, em toda a sua extensão e composição, incluindo os 2º e 3º andares que dele fazem parte integrante; [e], consequentemente.
[ser] o R. condenado a restituir os 2º e 3º andares do citado prédio, inteiramente devolutos de pessoas e bens; […]” [transcrição de fls. 5] 1.1.
O R. contestou e deduziu reconvenção a fls. 28/32, aceitando que a propriedade do imóvel pertence aos AA., invocando, todavia, enquanto título que reputa legitimador da (sua) ocupação dos indicados 2º e 3º andares desse prédio, o contrato (que junta e que se encontra a fls. 33/35) denominado “Contrato Promessa de Trespasse de Estabelecimento Comercial e Arrendamento de Espaço”[2].
Neste contrato, D... e mulher, E... (então donos do prédio aqui reivindicado e antecessores nessa qualidade dos AA.), enquanto primeiros outorgantes, prometeram trespassar-lhe (a ele R., como segundo outorgante) o estabelecimento comercial denominado “F...”, existente nesses 2º e 3º andares do prédio reivindicado [identificados no contrato (cláusula primeira respectiva, v. fls. 33) como ocupando “[…] toda a fracção C de um seu prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua de Santo António, nº 9, V. N. de Foz Côa, inscrito nas finanças sob o artigo 2323º”][3].
Neste mesmo contrato (o contrato junto a fls. 33/35) deram os referidos primeiros outorgantes (donos do prédio) de arrendamento ao R., aí segundo outorgante, o “[…] espaço ocupado pelo estabelecimento «F...» […]”[4].
Ainda em sede de contestação incluiu o R. o seguinte trecho argumentativo: “[…] 26. E desta factualidade têm os AA. conhecimento, pois, pelo menos desde Setembro de 1999, que têm conhecimento que o R. adquiriu o estabelecimento comercial «F...» e tomou o espaço correspondente ao 2º e 3º andares de arrendamento a D... e mulher, E...: 27. Uma vez possuírem, pelo menos, desde essa altura, um estabelecimento comercial do Rés-do-Chão do imóvel, inscrito na matriz sob o artigo nº 2323º da freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa.
28. Pelo que litigam de má fé.
[…]” [transcrição de fls. 31] 1.1.1.
Dentro da mesma peça processual inseriu o R. – desta feita na veste de Reconvinte – um pedido reconvencional (fls. 31/32) reportado à condenação dos AA. (neste contexto Reconvindos), formulado nos seguintes termos: “[…]
-
Ser reconhecido o R. como dono, possuidor proprietário do estabelecimento comercial «F...», o qual ocupa de arrendamento o 2º e 3º andar[s] do artigo nº 2323º da freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa.
-
Ser reconhecido o R. como arrendatário do 2º e 3º andare[s] do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo nº 2323º da freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa.
[…]” [transcrição de fls. 32] 1.2.
Responderam os AA./Reconvindos (fls. 38/42) invocando não ser o contrato-promessa de trespasse – na falta de eficácia real – eficaz relativamente a eles, acrescentando ser esse mesmo contrato, na vertente referida ao arrendamento, nulo por falta de forma, já que não foi celebrado por escritura pública, e por “impossibilidade do objecto”, já que não existe uma fracção C, dado o prédio não se encontrar em propriedade horizontal.
1.3.
Com esta resposta findou a fase dos articulados, proferindo a Exma. Juíza a quo, por considerar preenchida a previsão do artigo 510º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), o despacho Saneador-Sentença de fls. 89/99 (constitui este a decisão objecto do presente recurso), julgando, desde logo, a acção procedente e o pedido reconvencional improcedente, através do seguinte pronunciamento decisório: “[…]
-
Condeno o R. C... a reconhecer o direito de propriedade dos AA., A... e B..., sobre o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, com 275 m2, logradouro com 650 m2 e anexo com 27 m2, sito na R. de Santo António, freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, confrontando a Norte com Luís Jorge Conde e António Júlio Branco, a Sul com Rua Pública, a Nascente com Fernando Augusto Alípio e a Poente com Carlos Alberto Pires, inscrito na matriz predial sob o artigo 2323º e descrito na conservatória do Registo predial de Vila Nova de Foz Côa, sob o nº 2578/19991025; b) Condeno o R. C... a restituir aos AA. os referidos 2º e 3º andares, inteiramente devolutos de pessoas e bens; c) Absolvo os AA. do pedido de reconhecimento do direito de propriedade do R. sobre o estabelecimento comercial denominado «F...», que, desde 1 de Setembro de 1999, vinha ocupando os 2º e 3º andares do prédio urbano. Sito na R. de Santo António, freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz predial sob o artigo 2323º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa, sob o nº 2578/19991025; d) Absolvo os AA. do pedido de reconhecimento do direito do R. ao arrendamento dos 2º e 3º andares do prédio urbano, sito na R. de Santo António, freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz predial sob o artigo 2323º e descrito na conservatória do Registo predial de Vila Nova de Foz Côa, sob o nº 2578/19991025.
[…]” [transcrição de fls. 98/99] Para alcançar este resultado considerou a decisão apelada, no seu iter argumentativo, ineficaz relativamente aos AA. a promessa consubstanciada no contrato de fls. 33/35 e “substancialmente” nulo o contrato de arrendamento (qualificou-o como tal, e não como promessa de arrendamento), por impossibilidade física e legal do respectivo objecto.
1.3.1.
Fundamentando a primeira asserção – a respeitante à promessa de trespasse – escreveu-se no Saneador-Sentença: “[…] [O] regime jurídico aplicável ao caso em apreço é o vigente à data da celebração do contrato-promessa (28/08/1999), ou seja, o DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, alterado pelo DL nº 257/95, de 30 de Setembro, que [exigia], repita-se, a celebração de escritura pública de trespasse de estabelecimento comercial.
Voltando ao caso sub judice, cumpre referir que, se o contrato prometido exigia a outorga de escritura pública, também o contrato-promessa, para ter eficácia real devia ter respeitado tal validade formal.
Resulta, no entanto, dos autos (cfr. doc. de fls. 33 a 35) que o R. e os demais outorgantes apenas procederam ao reconhecimento notarial das assinaturas apostas no contrato-promessa.
Nessa medida, a promessa outorgada tem eficácia meramente obrigacional, não vinculando terceiros (in casu os AA.), posteriores adquirentes de direitos sobre a mesma coisa.
Improcede, nesta parte, consequentemente, a argumentação do R. C..., segundo a qual a celebração do contrato-promessa de trespasse de estabelecimento comercial o legitimaria a ocupar o 2º e 3º andares do prédio […] propriedade dos AA..
[…]” [transcrição de fls. 96] 1.3.2.
Quanto à segunda questão – nulidade do contrato de arrendamento – fundou-se o Saneador-Sentença na consideração deste contrato como “formalmente” válido (e repete-se que não o considerou como promessa)[5], ancorando a nulidade que entendeu subsistir – a qual qualificou de “substancial” –, nas seguintes considerações: “[…] [R]esulta das cláusulas nºs 1 e 5 do referido contrato que o arrendamento comercial teria como objecto a fracção C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, […].
No entanto, confrontando o teor das certidões de registo e matriz junta aos autos a fls. 8 a 15, pode verificar-se que o imóvel em causa não está constituído em regime de propriedade horizontal, nem se encontra dividido em quaisquer fracções autónomas, nomeadamente a citada fracção C.
Assim, assiste razão aos AA. quando referem ser física e legalmente impossível determinar o objecto do negócio jurídico celebrado entre o R. e os demais outorgantes do contrato de arrendamento.
O que gera nulidade desse negócio jurídico, nos termos do artigo 280º, nº 1 do Código Civil.
[…]” [transcrição de fls. 97/98] 1.4.
Como se indicou, é a este Saneador-Sentença que se refere o presente recurso de apelação, interposto pelo R./Reconvinte a fls. 103, admitido a fls. 105 e motivado a fls. 128/141, formulando o recorrente as conclusões que aqui se transcrevem nos pontos essenciais para a economia do presente recurso: “[…] A. O Tribunal a quo laborou em erro de julgamento na apreciação da matéria de direito. Na verdade, B. A decisão recorrida – despacho Saneador-Sentença – viola o disposto no nº 3 do artigo 3º do CPC, uma vez este preceito legal, proibir as decisões surpresa, pelo que, impõe-se sempre a formulação de um convite às partes para tomarem posição sobre qualquer questão de conhecimento oficioso do tribunal antes de apreciar e decidir com base nesse conhecimento, sob pena de ser cometida uma nulidade processual […].
C. Resulta dos autos de forma clara e inequívoca ter o Tribunal conhecido oficiosamente de questões de direito […] sem antes ter convidado as partes a pronunciar-se sobre as mesmas, tendo havido pois a postergação do princípio do contraditório […].
[…] F. Errou ainda o Tribunal a quo ao considerar o documento junto com a Contestação/Reconvenção, com o título de contrato-promessa de trespasse e arrendamento de espaço como ferido de nulidade por vício de forma.
G. É que tal documento […] não se encontra ferido de qualquer nulidade, contrariamente ao referido no despacho Saneador-Sentença, já que se encontra conforme com os requisitos dos artigos 410º, nºs 1 e 2 e 219º do Código Civil.
H. Mais, […] com a celebração do referido contrato-promessa […], houve tradição da coisa –...
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