Acórdão nº 128/05.0JAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

    No Círculo Judicial de Aveiro, após julgamento em processo comum colectivo, por acórdão de 11 de Junho de 2008, foi o arguido …, casado, empregado de armazém, nascido em 28/03/69, filho de … e de …, natural da freguesia de Tuias, Marco de Canaveses, titular do B.I. n.° …, residente na Rua de Santa Cecília, n.° …, S. Bernardo, Aveiro, condenado, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo: - de dois crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164°, n.° l e 177°, n°s l, al. a) e n.° 4, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão por cada um deles; - de um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, do Código Penal, na pena de 1( um) ano de prisão; e - de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152.°, n.°s l e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

    Operado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

      1. Da questão prévia: Encontrando-se por gravar uma das cassetes (n.º 3) do julgamento, e tendo sido proferido despacho de repetição dessa prova, sem nada dizer sobre a questão de correr novo ou não novo prazo para recurso; Entende o arguido, salvo o devido respeito, que deve recorrer deste despacho, pelas razões já mencionadas, sendo o seu entendimento que após a produção da prova não gravada anteriormente, poderá a prova ser relevada noutros termos, de tal forma que possa implicar a alteração do douto Acórdão proferido e por conseguinte, deve correr novo prazo para recurso; o que desde já se requer a V. Excelências.

        Até porque doutra forma, poderá estar comprometido o recurso e defesa do arguido.

      2. Insuficiência da matéria de facto/erro na apreciação da prova/violação do princípio in “dubio pro reo” (Ver transcrições) No nosso modesto entendimento e conforme resulta das motivações apresentadas, é inaceitável que, estando em discussão crimes com esta gravidade como é o caso de uma violação, se condene alguém praticamente com as declarações da vítima/queixosa; declarações essas imprecisas e contraditórias, sem qualquer base irrefutável do tipo médico-legal.

        Pelas provas que foram produzidas em julgamento, nomeadamente a testemunhal, em nosso ver, não foi produzida qualquer prova convincente, credível, que demonstrasse que efectivamente o pai arguido neste processo violasse a menor.

        Mas mesmo que pairasse a mera dúvida sobre esses factos, o que não se conjectura, não poderia o Colectivo de Juízes do Tribunal a quo decidir outra coisa que não a absolvição do arguido pelos crimes de violação.

        Até porque se assim não fosse, estariam a subverter e a violar um princípio basilar do Direito Penal conhecido como in dubio pro reo.

        Motivo pelo qual se requer a absolvição do arguido, José Adão Ribeiro Pinto.

      3. Do crime continuado: Ao analisarmos os factos em discussão nos autos, constatamos uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, uma homogeneidade na execução, uma unidade de dolo e ainda a tal persistência exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.

        Em suma, haverá só um crime se tiver havido uma única resolução criminosa que tenha persistido ao longo de toda a realização; tendo em consideração ainda o consignado no art. 30.º, n.º 3 CP.

        Assim, e na hipótese meramente académica de o arguido vir a ser condenado pelos crimes de violação, o que não se concede, deve o mesmo ser condenado por um crime continuado de violação agravada e não dois crimes de violação agravada conforme resulta do acórdão recorrido.

      4. Quanto à qualificação jurídica: Também no nosso modesto entendimento, a conjecturar a remota possibilidade de não se absolver o arguido, o que não se concede; O Tribunal a quo, ao punir o arguido pelo n.º 1 do art. 164.º do CP, fê-lo incorrectamente, pois em nosso entender, deveria o mesmo ser punido pelo n.º 2 desse preceito, face à prova produzida em sede de julgamento; Tal facto de per si, implica uma moldura penal muito diferente.

      5. Quanto à medida da pena: Na nossa modesta opinião, quanto à medida da pena, o colectivo de Juízes não considerou os critérios objectivos/subjectivos plasmados no art. 71.º do CP, nomeadamente as circunstâncias atinentes ao cometimento de crimes e às condições pessoais do arguido, penalizando-o excessivamente.

      6. Sucessão de leis no tempo: Não nos podemos esquecer que, tendo havido sucessão de leis no decurso do deste processo, ter-se-á sempre que salvaguardar e aplicar a lei que pressuponha um tratamento mais favorável ao arguido – o que não se constata no Acórdão recorrido, que nada diz a respeito.

    2. A Magistrada do Ministério Público concluiu a resposta que apresentou ao recurso nestes termos: 1. Os elementos de prova que alicerçaram a formação da convicção do Tribunal são suficientes, processual e substancialmente válidos e aptos a tal.

    3. A matéria de facto dada como provada – donde resulta claramente que a conduta do arguido … integra os elementos objectivos e subjectivos de todos os crimes por que foi condenado – mostra-se bastante para fundamentar a decisão no seu todo, foi correctamente apreciada e ponderada.

    4. O Tribunal efectuou o exame crítico da matéria probatória atendível, ponderando e correlacionando os elementos que a integram, o que fez com base em critérios de razoabilidade, de forma correcta e com a clareza suficiente a poder ser avaliado o processo lógico-formal e o raciocínio inerentes a esse exame, que conduziu, motivando-a, à decisão alcançada.

    5. O acórdão em causa não enferma de qualquer vício integrável na previsão do art. 410.º, n.º 2 do C.P.P..

    6. Ao formar a sua convicção e posteriormente decidir, o Tribunal não se deparou com qualquer dúvida insanável que o levasse a favorecer o arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

    7. Também não é aplicável ao caso concreto a figura da continuação criminosa, concretamente no que concerne ao crime de violação, uma vez que os seus pressupostos não se verificam, tendo, sim, o arguido praticado, em concurso efectivo, dois crimes de violação agravada.

    8. Para alcançar a medida concreta da pena, ponderou o Tribunal todas as circunstâncias que devia efectivamente considerar, socorrendo-se de todos os dados disponíveis e atendíveis, de acordo com os comandos legais aplicáveis.

    9. A medida concreta das penas parcelares e da pena única de prisão aplicada, alcançada de modo equitativo, mostra-se apropriada à situação em apreço e não merece censura.

    10. Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, designadamente de entre as aplicáveis e aplicadas in casu.

    11. O acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.

    12. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer, no qual pugna pela improcedência da questão prévia e do recurso.

      Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.

      Colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

  2. Fundamentação 1. Questão prévia: Para uma indispensável compreensão dos contornos de facto relativos à enunciada questio problemática, faremos previamente uma sucinta abordagem sobre os elementos relevantes que os autos sobejamente nos revelam.

    1. Após a leitura e depósito do acórdão, no decurso do prazo de recurso, em 17 de Junho de 2008, o arguido, manifestando o propósito de o recurso a interpor versar matéria de facto, veio requerer que lhe fossem facultadas as cassetes de gravação áudio, pretensão que foi satisfeita, como se vê do “termo de entrega” de fls. 368 dos autos.

    2. Em 2 de Julho de 2008, o arguido (cfr. fls. 370) deu conhecimento da inexistência de qualquer registo de gravação na cassete n.º 3 (lado A e B) que lhe tinha sido entregue; solicitou a confirmação no original da ausência de registo gravado; e requereu, perante este quadro, a suspensão do prazo de recurso até à resolução da situação exposta e repetição da prova, na parte necessária.

    3. Em 7 de Julho de 2008, foi lavrado despacho do seguinte teor: «Na sequência da informação prestada nos autos pelo arguido a fls. 370, aquando da manifestação da sua intenção de interpor recurso do acórdão proferido nos autos, mormente quanto à matéria de facto, e da qual se extrai que um dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência de julgamento não será audível na sua totalidade, veio a confirmar-se que, efectivamente, também no original das cassetes, o depoimento da testemunha Maria da Conceição Neves Batista Coelho Abrantes não se encontra totalmente audível.

      Tal situação configura uma irregularidade, já que não se encontra prevista no rol de nulidades a que aludem os artigos 119.º a 120.º do CPP (cfr. artigo 118.º do mesmo compêndio). Tal anomalia na gravação do depoimento da testemunha, como irregularidade que é tem influência na decisão da causa e ulteriores trâmites do processo, atenta a manifesta intenção de o arguido interpor recurso do acórdão proferido.

      A ser assim, como entendemos ser, haverá que proceder nesta fase tão só à repetição do acto (audição do depoimento da testemunha em apreço) por forma a suprir a irregularidade verificada, não se anulando qualquer dos demais actos praticados. É o que resulta do disposto no art. 123.º, n.º 1, do CPP (…).

      Nesta conformidade, delibera o colectivo de Juízes, proceder à reabertura da audiência, com vista à audição do depoimento da testemunha em apreço, designando-se desde já o próximo dia 17 de Julho pelas 14,30 horas, para o efeito».

    4. Em 11 de Julho de 2008, o arguido apresentou requerimento de interposição de recurso, acompanhado da respectiva motivação (cfr. fls. 383 a 430 dos autos).

    5. Em 17 de Julho de 2008, o tribunal colectivo procedeu, em audiência, à reinquirição da testemunha … e proferiu a final...

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