Acórdão nº 182/06.8TAACN de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | RIBEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – 1- No referido processo comum AA...
foi condenado por maus tratos ao cônjuge MA...
na pena de 2 anos de prisão e proibição e na acessória de proibição de contactos com a ofendida com o afastamento da sua residência por 16 meses. A pena de prisão foi-lhe suspensa na sua execução por dois anos na condição de nesse prazo pagar €4.500 à ofendida.
2- O arguido recorre, concluindo – 1) O recurso tem como um dos fundamentos a impugnação da matéria de facto fixada, a determinação da medida da pena e a aplicação do perdão da lei 29/99 de 12 de Maio, porque pode ler-se no dispositivo da sentença que "consistiram em agredir física e psicologicamente a sua mulher MA... o que fez reiteradamente ao longo de mais de trinta anos " e ainda a decisão de direito.
2) A sentença pelas razões acima expostas não tem fundamento probatório para condenar o arguido nas penas que lhe foram aplicadas.
3) A sentença, optando por condenar o arguido nos moldes em que o fez, não observou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade consagrados nos art° 70 e 71 do Código Penal. Só assim se cumpre as exigências do art° 40 do C.P que visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente.
Com esta sentença –, para cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a ofendida por 16 meses –, mandamos o arguido doente e não criminoso para a rua... ou para onde? Com esta sentença –, com pensão de 360€ como vai o arguido pagar o pedido de indemnização civil arbitrado pelo tribunal (?). Qual o regime de bens do casal (?) –, porque necessitamos de saber qual o acervo patrimonial que responde. Sabemos nós que o arguido e ofendida são casados em comunhão de bens. Daí não poder dispor dos seus bens sem o consentimento da esposa e ofendida em tempo útil (vide os artigos 1671 do CC).
Perante isto como se resolve? O arguido está impossibilidade de dispor dos bens comuns do casal em tempo útil para cumprir a condição e evitar a prisão.
Encontram-se violados os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade. Não se provou que o arguido tenha agido ilícita e dolosamente. A rigidez da sentença não considera nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade, podendo e devendo o juiz recorrer a institutos de natureza geral como a atenuação especial da pena ou dispensa da pena para adequar a sanção à personalidade do arguido e às circunstancias apuradas quanto à pratica do crime.
O art° 51/2 do CP estabelece o principio de que em caso algum os deveres impostos condicionantes da suspensão da execução da pena podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoável de lhe admitir, traduzindo assim o princípio da razoabilidade de orientação para o tribunal, de delimitação do domínio onde o tribunal há-de mover-se em vista da remoção do mal causado.
Caso a caso, face à apreciação dos elementos de prova, é legítima ao juiz a escolha entre penas detentivas e não detentivas, competindo aos tribunais a rigorosa selecção dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a umas e outras.
Face à factualidade apurada, optando claramente pela suspensão da execução de pena, é preciso averiguar se existem condições para o afastamento do arguido da sua residência.
O art.º 50º e 51º do CP consagra o princípio da razoabilidade. O art.º 71 o principio de que a pena não pode em caso algum de ultrapassar a medida da culpa.
Existiu uma incorrecta subsunção dos factos ao direito. Consequentemente foram violados os art.ºs 70 e 71 do CP, havendo clara violação do princípio constitucional de que todos têm direito a habitação ou "tecto" para pernoitar. Existe assim erro de julgamento da matéria de facto, aplicação e violação do principio «in dubio pro reo». Art° 32 e 18º da CRP, e art°s 655/1 e 668/ 1 do CPC; padece a sentença dos vícios do artigo 410/2 do CPP 4) Existem notórios erros de julgamento, pelo que a sentença padece de nulidade por omissão das menções do art° 374/2 do CPP, quais sejam a descriminação dos concretos motivos de facto que fundamentam a decisão condenatória.
5) Ainda se considera que o procedimento criminal pela prática de eventuais factos anteriores à lei da amnistia e à lei 7/2000 de 27/5 se encontram prescritos. Invoca-se a prescrição do procedimento criminal quanto aos factos descritos como provados sob os itens supra referidos atendendo ao período de tempo sobre eles decorrido. Baseando-se a sentença nesses factos para condenar o arguido, violou-se o disposto no art° 118º do Código Penal.
Dir-se-á que nos termos da lei 7/2000 de 27/5, os factos praticados anteriormente a 1/6/2000 apenas podem ser objecto ou constituir crime autónomos, nunca podendo ser incluídos na (…) em virtude de lei anterior que declare caracterização de conduta reiterada ou continuada que tipifica o crime previsto no art° 153 do CP. Aí existe violação do n° 1 do art° 29 da Constituição porque ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão [for] punível a acção ou omissão.
Veja-se o provado como ocorrido entre 1999, 2002 e 2006. Como diria o Prof. Taipa de Carvalho "que o tipo legal de crime em análise, pressupõem segundo a ratio da autonomização deste crime, uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais dos referidos actos afastará a reiteração ou habitualidade pressuposto, implicitamente, por este tipo de crime" ...o sair e voltar do cônjuge...
Ou seja! Lê-se na sentença, referindo-se às declarações do arguido: "sai de casa sem que lhe de quaisquer explicações, ausentando-se sem lhe dar conhecimento.", ...pode esta conduta da ofendida configurar um perdão. Não se vislumbrando qualquer situação de medo, terror ou equiparado, dependência económica ou emocional.
Exige-se uma pluralidade de condutas ofensivas –, agressões físicas ou psíquicas, ameaças, injúrias, tratamento cruel ou desumano, humilhação, provocado etc. do acto de molestar o cônjuge ou equiparado, em suma conduta que traduza gravidade, crueldade, insensibilidade e malvadez. Face aos factos dados por provados que vão impugnados não se provou a malvadez do arguido.
6) A matéria de factos vertidas nos itens 4, 5, 6, 7,8, 26 dos factos provados não especifica as circunstâncias de tempo, lugar e modo da respectiva prática impedindo o exercício de um efectivo direito de defesa do recorrente, em clara violação do dispositivo do art° 32 da CRP. Daí que a sentença se funda numa incorrecta interpretação do artigo 152/ 3 do Código Penal, não tendo ficado demonstrada uma actuação grave e reiterada. Factos dados por provados que em nosso entender não se provaram da forma como descrita por falta do tempo, lugar e modo.
Deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime, do pedido de indemnização civil arbitrado que contra si não foi deduzido e da pena acessória ter de sair de casa por 16 meses.
3- Respondeu o Ministério Público pelo infundado do recurso, no que foi secundado pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir! II – 1- Decisão de facto inserta na sentença –
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Factos provados – 1) O arguido AA... e a ofendida MA... são casados entre si desde 2 de Novembro de 1969.
2) O relacionamento entre o casal desde sempre se mostrou conflituoso em virtude das agressões físicas e verbais que o arguido, de modo reiterado e constante, vinha praticando sobre a sua mulher.
3) Tais episódios tiveram lugar no interior da casa de morada de família, sita na Rua …, do concelho de Alcanena.
4) Desde que contraíram casamento que o arguido, por número de vezes que, em concreto, não se logrou apurar, mas de forma frequente e repetida, dirigia-se à referida MO… apelidando-a de “puta”, “cabra” e “ordinária”.
5) Por outras vezes, dirigindo-se a esta proferia as seguintes expressões: “Dou cabo de vocês”, “Dou-vos um tiro”, “Mato-os a todos”, aludindo, também, aos seus filhos.
6) Em data que em concreto não foi possível determinar, o arguido comprou 2 (duas) pistolas.
7) O arguido chegou a exibir essas pistolas à ofendida sua mulher ameaçando-a de morte.
8) As agressões físicas que o arguido, de modo reiterado e constante, exercia sobre aquela MO… traduziam-se em bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelos, empurrões contra as paredes e arremesso de objectos na sua direcção.
9) No dia 10 de Outubro de 1999, ao deparar-se com o seu filho V… morto, a aludida MO… começou a chorar e a gritar.
10) Nesse momento o arguido desferiu na ofendida um empurrão.
11) No dia 28 de Setembro de 2002, cerca das 21 horas, o arguido AA…, logo após ter entrado em casa, iniciou...
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