Acórdão nº 716/03.0TAVIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução11 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Em dissensão com o julgado exarado no despacho de fls. 628 em que, sob promoção do Exmo. Senhor Magistrado do Ministério Público junto do 2º Juízo criminal do Tribunal da comarca de Viseu, decidiu que (sic): “[…] Concordamos na integra com o teor da promoção que antecede [promoção de fls. 625 a 627, infra transcrita, na íntegra] .

De facto, o novo n.º4, alínea b) do artigo 105.º do RGIT, introduzido com a Lei n.º 53-A/2006 veio introduzir uma nova condição objectiva de punibilidade do crime e não qualquer novo elemento do tipo.

Logo, não se trata de uma questão de despenalização, mas de aplicação do regime mais favorável, ficando a questão ultrapassada com a notificação, agora, a que alude o já citado artigo 105.º.

Aliás, como bem refere o Sr. Procurador, a questão suscitada pelos arguidos já se encontra resolvida, pelo acórdão de fixação de jurisprudência de 9 de Abril de 2008, proferido no Processo n.º 07P4080.

Pelo exposto, indefere-se o requerido.

Notifique No mais, proceda-se nos termos promovidos”, recorre o arguido …, que remata a motivação com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita. “1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo douto Tribunal Judicial da Comarca de Viseu que ordenou a notificação do ora recorrente nos 1ennos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na qualidade de arguido.

  1. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a realização desta notificação constitui ónus do órgão tributário e depende de decisão da Administração Tributária, não cabendo ao julgador, por inexistir pressuposto legal que o legitime, operar tal notificação.

  2. O despacho recorrido, ao proceder directamente à notificação do arguido para proceder ao pagamento da prestação tributária, acrescida dos respectivos juros e da coima aplicável, no prazo de 30 dias, constitui, desta forma, salvo o devido respeito por melhor opinião, uma clara ingerência do Poder Jurisdicional no poder da Administração Tributária.

  3. Por outro lado, o tribunal “a quo” não dispõe de todas as informações indispensáveis para proceder à notificação, o que impede a fixação do valor da coima aplicável ao caso, dado o método fixado, para o seu cálculo, no n.º 1 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, bem como a determinação dos juros moratórios eventualmente devidos pelo arguido.

  4. Pelo que não é admissível que seja o tribunal “a quo” a ordenar aquele pagamento.

  5. Sem prescindir, sempre se dirá que a notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias nunca poderá ser dirigida ao arguido ora recorrente.

  6. O pagamento das quantias em dívida só poderá ser exigido à sociedade arguida pois é sobre ela, e apenas sobre ela, que recai a obrigação de entregar as prestações tributárias deduzidas nos termos da lei.

  7. Ao notificar o arguido ora recorrente está o Tribunal a violar a sua presunção de inocência (n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa) e a imputar-lhe um dever que não tem.

  8. Pior, ao fazê-lo de forma genérica, remetendo-o para os termos de disposições legais, sem explicitar qual a cominação para o não cumprimento da notificação, viola o princípio constitucional consagrado no artigo 205, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  9. Acresce que, e salvo o devido respeito por melhor opinião, esta notificação é ainda manifestamente violadora do princípio constitucional vertido no artigo 32.º, n.º 5 Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

  10. Por outro lado, o douto Tribunal recorrido tem prova suficiente de que o arguido não foi notificado para pagar, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), 12. Logo, tem conhecimento de que o arguido não cometeu o crime de que vem acusado, nos termos da legislação actual, 13. E suspendeu o processo, sem determinar qualquer prazo para a suspensão, aguardando que o crime venha a ser cometido, ou não, para proferir decisão.

  11. Por via disso, o arguido requereu que o tribunal proferisse decisão, por ter prova suficiente de que aquele não foi notificado e por o crime não ter sido cometido.

  12. Porém, o requerimento foi indeferido.

  13. Pelo que o douto Tribunal recorrido violou o princípio constitucional vertido no artigo 32.º, n.º2 Constituição da República Portuguesa.

  14. Acresce que a discussão prevista nos artigo 360.º e 361.º do Código de Processo Penal já terminou, 18. Não existindo qualquer impossibilidade de proferir sentença.

  15. E o tribunal a quo não a profere, violando o disposto no n.º 1 do artigo 365.º do Código de Processo Penal.

  16. Face ao exposto, deve o douto Tribunal da Relação de Coimbra revogar o despacho recorrido e proferir a decisão que o tribunal a quo se absteve de proferir, absolvendo o ora recorrente do crime de que vem acusado.

  17. Ou, em alternativa, e se assim não for doutamente entendido, deve o Tribunal da Relação de Coimbra revogar o despacho recorrido e ordenar ao tribunal a quo que profira decisão.” Na instância o Exmo. Procudor-Adjunto propugna pela manutenção do decidido – cfr. fls. 658 e 659 – e no douto parecer lavrado a fls. 666 o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto coonesta o entendimento expresso na resposta supra mencionada.

Adquiriu estamento a ideia de que o tema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso[1].

As conclusões extractadas permitem dessumir para disquisição os temas que a seguir se enunciam: - Legitimidade processual do tribunal para ordenar (directamente) a notificação do recorrente para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias; - Legitimidade do arguido para receber a notificação ordenada; - Violação do Principio da presunção da inocência; - Suspensão (sem prazo certo) do processo; - Expansão do prazo para prolação da decisão.

II. – Fundamentação.

II.A. – Elementos Pertinentes para a Decisão.

- Despacho de fls. 605 – (solicitação à Segurança Social qual o montante em divida e a coima devida; - Informação da Segurança Social – cfr. fls. 607 – em que informa que a divida da empresa é no montante de quarenta e um mil, dezasseis euros e dezasseis cêntimos – € 41.016,16; - Fls. 608 – ordenada a notificação do arguido para os efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. - Requerimento de fls. 612 a 620.

“[…] 17º. Antes existia – e ainda hoje se mantém – uma moratória de 90 dias para o agente regularizar a prestação em falta. Agora, para além dela, vem introduzir-se um outro prazo de 30 dias.

  1. É evidente que, com esta inovação, o campo de incriminação, se mostra reduzido. Tal faculdade agora concedida ao agente não se inscreve no ilícito como seu elemento objectivo incriminador ou como fundamento de imputação subjectiva. Logo, não é abarcável pelo dolo respectivo. Sendo exterior a tudo isso, inscreve-se no espaço da categoria sistemática da punibilidade, seja enquanto causa de exclusão ou isenção de pena.

  2. No entanto, é uma condição restritiva da punibilidade, espúria à incriminação e ao tipo-de-ilícito, mas fazendo parte, incontornavelmente, do tipo-garantia.

  3. Esta inovação legal consubstancia uma condição objectiva de punibilidade porque na redução da punibilidade existe um elemento novo especializador.

  4. O legislador caracteriza uma nova mora de 30 dias, para além da já existente de 90 dias, que não pode deixar de se inscrever no cerne da conduta proibida: “só são puníveis … “ 22º, Aliás, a notificação do agente a que alude a alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias tem de forçosamente ser efectuada em fase anterior à dedução da acusação, já que só depois de se verificar que decorreram os 30 dias e não houve pagamento da dívida, juros e coima, é que poderá concluir-se pela existência de um facto punível, logo de um crime.

  5. Mais, tal facto tem de ser forçosamente mencionado na acusação, sem o que não poderá concluir-se pela punibilidade da conduta.

  6. Por outro lado, a notificação a que se refere esta norma nova trata-se de um acto que necessariamente competirá à administração fiscal/segurança social efectuar, que não já ao Tribunal em fase de julgamento (e muito menos depois do julgamento), já que também poderá envolver a determinação do valor da coima a aplicar, ou seja, é um procedimento prévio à instauração do procedimento criminal.

  7. Não existe uma sucessão de leis penais, nem a conversão de crime em contra ordenação.

  8. Se houvesse sucessão de leis penais, também não bastaria a notificação do agente para pagar a prestação, pois não se descortina qual o · montante da prestação a pagar, mais os juros e a coima, nem quem o determina ou quando; ou até se o agente poderia lançar mão da impugnação judicial para se defender do respectivo procedimento contra ordenacional, com todas as garantias previstas na Lei.

  9. Considerando que não existe nenhum diploma a estabelecer normas transitórias, não se entende que a nova lei tenha convertido o crime em contra ordenação.

  10. O que na verdade agora existe é a criminalização de uma nova mora qualificada, referencial a um determinado objecto criminal, o imposto ou a quotização retida, que deveria ser entregue ao fisco ou à segurança social pelo contribuinte.

  11. Estabeleceu-se, pois, um novo regime, específico, com a introdução de uma mora específica, fundamento da punibilidade da conduta, implicando a despenalização das condutas, logo a extinção do procedimento criminal: o facto até pode ser considerado ilícito, mas não é punível.

  12. Concluindo, os factos já julgados nos presentes autos deixaram, em face do novo regime legal, de ser criminalmente puníveis, o que implica que, tendo havido condenação (ainda que transitada em julgado) cessa a sua execução e os seus efeitos penais – cfr. artigo 2.º, nº 2, parte do Código Penal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT