Acórdão nº 1869/09.9TBVRL-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 09 de Julho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 1869/09.TBVRL-C.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, 1º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.
III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.
IV- O preceituado no artigo 56.º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil-actual artigo 54.º-, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa.
V- Por essa razão o herdeiro do executado, habilitado no processo nos termos daquele inciso é, ele próprio, parte no processo executivo e, face à redacção do artigo 351.º, nº 1 do anterior CPCivil-actual 342.º, nº 1- (onde se afere a qualidade terceiro, em exclusivo, pela sua posição processual), torna-se evidente que, não pode ele, reagir à penhora de imóvel mediante o incidente de embargos de terceiro.
VI- E, tal situação não se altera se, durante a pendência da execução, a herança é partilhada convocando-se para o efeito o artigo 2119.º do CCivil, pois que, este normativo atribuindo à partilha hereditária um carácter meramente declarativo, limita-se a determinar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa a qual é retroagida ao momento da abertura da sucessão, não contendendo, pois, nem com a legitimidade processual nem com a qualidade de terceiro em termos adjectivos.
VII- Os embargos de terceiro dos cônjuges, relativamente a bens penhorados confinam-se à defesa dos bens próprios ou comuns nos termos estatuídos no artigo 352.º do CCivil.
VIII- Assim, tendo in casu o embargante marido, casado no regime de comunhão de adquiridos, acedido ao prédio penhorado por via sucessória, é o mesmo bem próprio daquele [artigo 1722.º, nº 1 al. b) do CCivil], pelo que a respectiva mulher não pode embargar de terceiro.
*I- RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução que lhes movem B… e C… vieram os executados D… e E…, deduzir os presentes embargos de terceiro alegando em síntese que o imóvel que foi penhorado nos autos de execução foi adquirido pelo embargante nos autos de partilha realizada em Agosto de 2012, razão pela qual o referido imóvel não é, como nunca foi do domínio e posse dos executados, não respondendo em caso algum e por forma nenhuma como garantia e satisfação do alegado crédito exequendo.
*Na sua contestacão, os embargados alegam que o embargante marido não é terceiro, mas sim parte na execução, pelo que pedem a final que seja a excepção julgada procedente por provada e em consequência os embargados contestantes absolvidos do pedido.
Em relação à embargante, suscitam a sua ilegitimidade activa para os embargos, pedindo a tal respeito a procedência da excepção e em consequência a sua absolvição do pedido.
*Na resposta os embargantes mantiveram todo o alegado na petição inicial pugnando, pois, pela improcedência das excepções deduzidas.
*Sem realização de audiência preliminar o Sr. juiz do processo exarou despacho saneador onde, concluindo pela procedência das excepções deduzidas, absolveu os embargados da instância.
*Não se conformando com o assim decidido vieram os embargantes interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela seguinte forma: 1ª- O presente recurso foi interposto da decisão judicial proferida nos autos que, em suma, julgou procedente a excepção da ilegitimidade activa dos Embargantes invocada pelos Embargados, ora Recorridos.
-
- Ora, com o devido respeito e toda a consideração, não assiste razão ao Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreu incorrecta interpretação matéria de facto e incorrecta aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.
-
- Quando por qualquer diligência ordenada judicialmente, nomeadamente em consequência de penhora, é ofendida a posse ou qualquer outro direito incompatível, o meio legal para reagir à mesma é através da dedução dos embargos de terceiro.
-
- Os embargos de terceiro desempenham, portanto, a mesma função que as acções possessórias propriamente ditas: são meios de tutela da posse ameaçada ou violada.
-
- Na primeira hipótese, o embargante será terceiro se não foi parte no processo em que a sentença foi proferida nem representa a parte que nesse processo foi condenada.
-
- Se a sentença não tiver força obrigatória em relação ao embargante, se dever, quanto a ele, considerar-se “res inter alios actat”, é indubitável que o embargante assume aposição de terceiro.
-
- No caso de a execução ter por base (como é o caso dos autos), não uma sentença condenatória, mas outro título exequível, o embargante terá a posição de terceiro quando não assumiu obrigação alguma pelo título em que a execução se funda nem representa o obrigado.
-
- Deste modo, pode concluir-se que o embargante tem a posição de terceiro, desde que nem a sentença nem o acto jurídico constituam para ele fonte de obrigação.
-
- Ora, nos caso dos autos, o Recorrente não é parte na acção executiva, nem por qualquer forma interveio no negócio jurídico e título de crédito que lhe serve de base.
-
- Por outro lado, do artigo 2119° do C.C resulta que a partilha tem efeitos retroactivos.
-
- Por um lado, tal implica que os herdeiros que participam na partilha são titulares dos bens que lhe cabem desde o momento da morte do autor da herança.
-
- Por outro lado, significa que os outros herdeiros não são titulares desses bens ou direitos em nenhum momento de fenómeno sucessório.
-
- Ora, conforme alegado, o F… faleceu no dia 26 de Dezembro de 2008.
-
- E os autos principais de execução deram entrada em 25 de Novembro de 200.
-
- Sendo que o Embargante, ora Recorrente, adquiriu o imóvel em discussão nos presentes autos por partilha realizada em 29 de Agosto de 2012.
-
- Pelo que o bem penhorado não é, como nunca foi, do domínio e posse dos Executados, mas sim do Recorrente, como anteriormente se alegou.
-
- De modo que o bem imóvel identificado nos autos em caso algum e por forma nenhuma responde como garantia ou para satisfação do alegado crédito exequendo.
-
- Pelo que o Recorrente Embargante é terceiro, porquanto não é parte na causa principal e, consequentemente, é parte legítima nos presentes autos.
-
- De tal forma que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 351.º, n.° 1 do C.P.C. e no artigo 2119.° do Código Civil, porquanto o Recorrente Embargante é parte legítima na medida em que é terceiro relativamente aos autos principais e não existe confusão de partes.
-
- No despacho ora em crise, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente mulher é também parte ilegítima nos presentes autos por não tem interesse em demandar e por entender que a Embargante não é titular de qualquer direito ofendido pela penhora.
-
- Tal entendimento, com o devido respeito pela posição adoptada pelo Tribunal a quo, não corresponde à verdade.
-
Ora, não obstante o que ficou a constar da p.i., o certo é que também a Recorrente Embargante está na posse no imóvel em causa.
-
- Designadamente a Recorrente mulher, junto com o Embargante marido, desde a data em que foi celebrada a escritura pública de partilha, tem usado, fruído e administrado o mesmo, ocupando-o, reparando-o, conservando-o, nele depositando bens, materiais e haveres, entre outros, dele retirando todos os seus frutos e rendimentos, pagando as respectivas contribuições, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma exclusiva, ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertencia, como pertence, o que tudo expressamente se invoca, de tal forma que a penhora ofende a posse da Recorrente mulher-cf. artigos 1251.°, 1252.°, 1259.°, n.° 1, 1260.º, n.° 1, 1261.°, n.° 1 e 1262.°, todos do C.C..
-
- Ademais, a Recorrente mulher é herdeira legitimária do seu marido-artigos 2133.°, 1, a), 2156.° e 2157.° do C.C., sendo também este um direito incompativel com a realização ou o âmbito da penhora dos autos-artigo 351.°, no 1 do C.P.C..
-
- A Recorrente mulher não é, como nunca foi, parte nos autos principais de execução nem é devedora para com os Exequentes do alegado crédito exequendo.
-
- A Recorrente nunca foi herdeira do falecido F….
-
- Pelo que a Recorrente mulher é parte legítima nos presentes autos, porquanto tem interesse directo em demandar os Embargados-cf. artigo 26.°, n.° 1 do C.P.C.
-
- De tal forma que, também por esta via, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 26.°, n.° 1, 351.°, n.° 1 do C.P.C. e artigos 1251.°, 1252.°, 1259.°, n.° 1, 1260.°, n.° 1, 1261.°, n.° 1 e 1262.°, todos do CC..
*Devidamente notificados contra-alegaram os embargados concluindo pelo não provimento do recurso.
*Foram dispensados os vistos.
*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*No seguimento desta orientação são duas as questões que importa decidir: a)- saber se o embargante marido é o não terceiro na acepção imposta pelo artigo 351.º do anterior CPCivil e, portanto, se podia ou não...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO