Acórdão nº 30/13.2PCPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução25 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 30/13.2PCPRT-A.P1 Tribunal de Instrução Criminal do Porto 1.º Juízo Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório.

B… veio recorrer do despacho do Juiz de Instrução Criminal que indeferiu o seu requerimento para abertura de instrução, pedindo que o mesmo seja revogado, rematando a motivação com as seguintes conclusões: I – O presente recurso tem por objecto o douto Despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal - art.º 287.,º n.º 3 CPP.

II - A instrução, que tem carácter facultativo, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

III - A abertura da instrução pode ser requerida pelo arguido relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação.

IV - O objecto da instrução são os factos descritos na acusação – formulada pelo Ministério Público ou pelo assistente ou apresentados no requerimento deste último para abertura da instrução.

V - A fase processual da instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução – diligências de investigação e de recolha de provas que o juiz entenda levar a cabo – e por um debate instrutório, oral e contraditório, o qual visa permitir uma discussão, perante o juiz sobre se no decurso do inquérito e da instrução resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.

VI - Pode haver instrução sem actos de instrução – no sentido de diligências de investigação. Quem a requer não está obrigado a pretender a prática de tais actos e, ainda que assim não seja, o Juiz só realiza os que entende necessários. Nestas situações, a instrução reconduz-se ao debate instrutório e à decisão instrutória.

VII - A instrução concretiza o princípio do contraditório, uma vez que nela tem o requerente [no caso, o arguido] a possibilidade de contrariar os fundamentos, de facto ou de direito, que suportam a peça processual [no caso, a acusação do Ministério Público] que encerra fase do processo [a do inquérito] dominada por quem acusa.

VIII - E como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Fevereiro de 2005, «o princípio do contraditório, em processo penal, por imposição constitucional e por via da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, significa que o arguido tem o direito de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, abrangendo todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição».

IX - A instrução surge como uma fase intermédia, entre o inquérito e julgamento, dirigida por um juiz e pensada no interesse do arguido e do assistente.

X - Configurando direito disponível – dado o seu carácter facultativo –, nem por isso deixa de representar a garantia constitucional da judicialização da fase preparatória do julgamento, de controlo judicial da actuação do Ministério Público.

XI - Nas palavras de Souto de Moura, «O n.º 2 do art.º 287.º, parece revelar a intenção do legislador de restringir o mais possível os casos de rejeição do requerimento da instrução. O que aliás resulta directamente da finalidade assinalada à instrução pelo n.º 1 do art.º 286.º: obter o controlo judicial da opção do MP. Ora, se a instrução surge na economia do Código com o carácter de direito, e disponível, nem por isso deixa de representar a garantia constitucional da judicialização da fase preparatória. A garantia constitucional esvaziar-se-ia se o exercício do direito à instrução se revestisse de condições difíceis de preencher ou valesse só para casos contados».

XII - O requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

XIII - Interessa-nos, neste caso, apenas a inadmissibilidade legal da instrução.

XIV - Trata-se de conceito que abarca realidades distintas – sobre as quais se debruçou, de forma exaustiva, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, de 12 de Maio de 2005, de fixação de jurisprudência[[5]] – e de que deriva a inutilidade da instrução.

XV - Nele se incluem as situações em que da própria lei resulta, inequivocamente, como não admissível a instrução: i) quando requerida no âmbito de processo especial – sumário ou abreviado [artigo 286.º, n.º 3, do Código de Processo Penal]; ii) quando requerida por quem não tem legitimidade para o efeito – pessoas diversas do arguido ou o assistente, iii) quando requerida pelo arguido ou pelo assistente, mas fora dos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal;iv) quando o requerimento do assistente não configure uma verdadeira acusação; v) quando, requerida pelo arguido, se reporte a factos que não alterem substancialmente a acusação do Ministério Público, isto é, nos casos em que o assistente deduz acusação (artigo 284.º do CPP) e, vi) quando, requerida pelo assistente, em caso de acusação pelo Ministério Público, se reporte a factos circunstanciais que não impliquem alteração substancial da acusação pública (artigo 284.º do CPP).

XVI - E não pode o intérprete ou o julgador, distanciado de uma interpretação sistemática, criar novas causas de inadmissibilidade, para além daquelas que resultam directamente da lei.

XVII - Ora, no processo em discussão, foi o arguido acusado da prática de um crime de receptação, previsto e punível pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, tendo requerido a abertura da instrução.

XVIII - Com tal Requerimento, pretende que prevaleça a sua versão dos acontecimentos – não praticou os fatos de que está acusado e não percebe o porque da presente participação –, de onde decorre não ter cometido o crime que lhe é imputado.

XIX - Pretende, pois, o arguido afastar totalmente a acusação que o Ministério Público lhe dirige, com base em prova que indicou, nomeadamente Testemunhas cuja inquirição requer.

XX- Tal é o que resulta do requerimento apresentado com vista à abertura da instrução, sem grande esforço interpretativo, e, a proceder a sua pretensão, o arguido evita o julgamento.

XXI - A decisão recorrida, para concluir que o Arguido não apresentou razões de discordância em relação à decisão do Ministério Público de a acusar, acabou por avaliar, a bondade delas.

XXII - O que se pede, neste caso, ao Juiz da Instrução e no decurso dessa fase processual, é que avalie a correcção da análise de prova subjacente à acusação do Ministério Público, nomeadamente com a inquirição de testemunhas arroladas.

XXIII - A sua opinião sobre tal matéria, emitida em momento anterior ao da decisão instrutória, não é apta a rejeitar a abertura dessa fase processual, por não ter sido essa a opção do legislador.

XXIV - Ora, não ocorrendo situação de inadmissibilidade legal da instrução, não pode ser indeferido o...

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