Acórdão nº 7306/11.1TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Junho de 2014
Magistrado Responsável | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA |
Data da Resolução | 16 de Junho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – A anulabilidade do testamento por incapacidade de facto do testador exige a demonstração que essa incapacidade existia no momento da outorga do testamento. 2 – No entanto, não é exigível que apenas por atestado médico, atestando a incapacidade no preciso momento da outorga, aquela demonstração seja possível.
Processo 7306/11.1TBMAI.P1 Recorrente – B… Recorridos – C…, D… E… Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: F… (entretanto falecida e no lugar de quem sucederam D… e E…) e C… vieram instaurar a presente ação e, demandando a ré B…, pediram que “seja proferida declaração de anulação ou nulidade do testamento outorgado por G… em benefício de B…”.
Fundamentando o pretendido, alegaram serem filhas da testadora, que faleceu em outubro de 2011 no estado de viúva. Acrescentam que a falecida, por testamento de junho de 2011, instituiu herdeira da sua quota disponível a filha B…, irmã das autoras e aqui ré. Invocam que, no entanto, na data daquela outorga, a testadora já se encontrava manifestamente impossibilitada de expressar e entender o sentido e alcance do que declarou, não tendo capacidade de decisão ou de vontade, além de ouvir mal e não dizer nada com coerência. Entendem que o estado em que se encontra a testadora obrigava a que fosse submetida a uma junta médica e acompanhada na outorga do testamento, o que não sucedeu.
A fls. 64 e ss., a ré contestou. Defende que a testadora nunca se encontrou impossibilitada de entender e compreender o alcance das suas declarações; que não se encontrava acamada, nem padecia de problemas do foro psíquico. Acrescenta que as autoras não eram visitas da casa, nem conheciam plenamente o estado da testadora e que, “apesar da testadora ter instituído a ré herdeira da sua herança, as autoras sempre tiveram conhecimento que a vontade real era apenas doar a sua quota disponível”, pois sempre reconheceu a dedicação e esforço diário da ré, manifestando várias vezes que “a casa era para a B…”. Esclarece que a única medicação que estava prescrita à sua mãe se destinava à artrite e a aliviar as dores e que a capacidade que as autoras invocam “só pode ser atestada por um médico”.
Foi elaborado o despacho saneador (fls. 79 e ss.) quesitando-se os factos controvertidos. Depois de habilitação de herdeiros da (inicial) autora F… (fls. 92/101 e 128/129) foi junta a informação clínica de fls. 147 e teve lugar a audiência de julgamento que os autos documentam a fls. 192/195, 199/202, 218/219 e 222/223. Concluso o processo, foi proferida sentença (incluindo os factos provados e não provados, bem como a respetiva motivação) que decidiu julgar procedente a ação e declarou “anulado o testamento datado de 2 de junho de 2011, lavrado a fls. cinquenta e quatro verso do livro de notas pata testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos do Cartório notarial de H…, número Dois-A”.
1.2 – Do recurso Inconformada, a ré apela e pretende que se revogue a sentença e que “se determine manter válido o testamento”. Formula as seguintes Conclusões: 1 – Não considera haver suporte fático ou testemunhal para que o Tribunal a quo pudesse dar como provado, com tamanho grau de certeza, que a testadora não tinha capacidade para outorgar o testamento.
2 – Não se encontrando nos autos qualquer documento que sustente a conclusão que a testadora não estava capaz de entender e compreender o alcance das suas declarações, o tribunal não podia determinar essa incapacidade para testar.
3 – Este grau de incapacidade acidental só poderá ser atestada por um médico, e o tribunal exorbitou os seus poderes, gizando o diagnóstico à testadora, violando assim as normas contidas nos artigos 2188, 2189 e 2190 do Código Civil.
4 – A sentença violou ainda o disposto no artigo 2199 do CC, referente à incapacidade acidental da testadora.
5 – Violou ainda o princípio da livre apreciação, nos termos do artigo 607, n.º 5 do CPC, o qual se baseia na prudente convicção sobre a prova produzida.
6 – A sentença, tendo violado os preceitos indicados, não deverá ser mantida.
Os recorridos responderam e, em síntese conclusiva, referem que “Ficou provado que a testadora não tinha condições para realizar o testamento por falta de capacidade de decisão, impossibilidade de se expressar e de entender o sentido e o alcance do que está expresso no documento”.
O recurso foi recebido nos termos legais (fls. 266) e – ponderando a natureza da questão suscitada – dispensaram-se os Vistos. Cumpre apreciar o mérito da apelação.
1.3 – objeto do recurso Definido pelas conclusões da apelante, o recurso traduz-se em saber se o tribunal podia fixar os factos que fixou (ou se era exigível prova de outra natureza), para concluir pela anulação do testamento.
2 – Fundamentação 2.1 – Fundamentação de facto A 1.ª instância, como resulta da sentença recorrida, fixou os seguintes factos provados e não provados, tendo fundamentado essa decisão nos termos que igualmente se transcrevem (por considerarmos uns e outros, bem como esta, relevantes à cabal apreciação do recurso): “A – Factos provados 1 - As Autoras são filhas de G….
2 - G… faleceu em 9 de Outubro de 2011, no estado de viúva, na freguesia …, concelho da Maia, tendo como última residência habitual na Rua …, n.º .., …, Maia.
3. Por testamento datado de 2 de Junho de 2011, realizado na residência da testadora, sita na Rua …, nº.., …, Maia, perante a Senhora Notária Dra. H…, do Cartório Notarial sito na Rua …, no …, ..º andar, sala ., Maia, G… instituiu herdeira da sua quota disponível a sua outra filha B…, casada com I….
4 – G… padecia de “carcinoma epidermóide do colo do útero” (cancro no colo do útero) e de “osteoporose com limitação da deambulação”.
5 - A Ré, há sensivelmente seis anos, mudou-se para casa de seus pais para lhes prestar auxílio, bem como, a um irmão que é intelectualmente diminuído.
6 - Este auxílio prestado pela Ré aos seus pais e irmão, obrigou a que esta tivesse que abandonar o seu emprego para se dedicar a tempo inteiro à prestação dos cuidados que estes necessitavam.
7 - Na data em que foi outorgado o testamento mencionado em 3 a testadora G… já se encontrava impossibilitada de se expressar e de entender o sentido e alcance que se encontra exposto no referido documento.
8 - No momento da celebração do testamento e já antes mesmo desse ato, a testadora...
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