Acórdão nº 85/10.1GDTDL19 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução22 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal Judicial de Torres Vedras, por despacho de 14/06/2013, constante de fls. 351/352, relativamente à Arg.

[1] …, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 123[3]), foi decidido o seguinte: “…Compulsados os autos, constata-se que foi deduzida acusação particular contra a arguida (cfr. fls. 340 a 344) dos autos.

Contudo, compulsados os autos, verifica-se que a arguida e. a sua defensora não foi notificada da acusação particular deduzida.

Ora, nos termos dos artigos 1 13.° n.° 9, 283.° n.° 5, 277.° n.° 3 e 284.° n.° 2 do C.P.P., a notificação respeitante à acusação particular deve ser obrigatoriamente efectuada aos arguidos e, aos seus defensores oficiosos.

O acto de notificação da acusação ao arguido e seu defensor não tem apenas como único objectivo, facultar ao mesmo a possibilidade de requerer a abertura da fase facultativa da instrução, visando, igualmente, dar-lhe a conhecer que o Ministério Público e o assistente consideraram existirem indícios suficientes de que praticou um crime e que, por essa razão, será julgado.

Por esse motivo, o artigo 277.° n.° 3 do C.P.P., aplicável por força do disposto nos artigos 283.° n.° 5 e 284.° n.°s 1 e 2 do C.P.P., impõe que a acusação particular seja também comunicada ao arguido, bem como ao seu defensor.

Na verdade, a remessa dos autos para julgamento, sem a notificação da acusação particular ao arguido, apenas é admitida quando os procedimentos para a sua notificação se tenham revelado ineficazes (cfr. artigo 285.° n.° 3 do C.P.P.).

Contudo, tal não é o caso dos autos.

Efectivamente, a notificação à referida arguida e sua defensora, da acusação particular foi omitida, não tendo sido efectuada qualquer diligência nesse sentido.

Ora, a omissão em apreço integra uma irregularidade processual, nos termos do artigo 123.° n.° 1 do C.P.P., irregularidade essa do conhecimento oficioso, uma vez que tal irregularidade coarcta os direitos de defesa da arguida constitucionalmente consagrados, diminuindo as suas garantias.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20/02/2008, in jurisprudencia.vlex.pt: "A falta de notificação da acusação ao arguido constitui irregularidade que pode ser conhecida oficiosamente pelo juiz no despacho a que se refere o art. 311 ° do Código de Processo Penal.".

Na verdade, "(...) a falta de notificação da acusação implica a impossibilidade do mais elementar direito dos arguidos, o de defesa, com consagração constitucional." (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 18/09/2006, in jurisprudencia.vlex.pt).

Nestes termos e, ao abrigo das normas supra citadas, bem como do disposto no artigo 123.° n.° 2 do C.P.P., julga-se verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação particular à arguida e, em consequência, determina-se a remessa dos autos ao Ministério Público, a fim de que aí se proceda à reparação da aludida irregularidade, dando-se baixa da distribuição efectuada.

…”.

* Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[4] o interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 368/373, com as seguintes conclusões: “… 1. O objecto do recurso é o despacho que julgou verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação particular à arguida e que determinou, em consequência, a remessa dos autos ao Ministério Público a fim de a reparar.

  1. Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra Maria João dos Santos Marques da Silva, imputando-lhe a autoria, em concurso efectivo, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3), e de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, todos do Código Penal.

  2. Após ter sido notificado da acusação pública, e nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal, veio o assistente aderir à mesma, limitando-se a deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, não obstante se ler na peça processual que vem “deduzir acusação particular e formular pedido de indemnização civil”.

  3. Nem para outra coisa, aliás, tinha legitimidade, já que os autos não versam sobre qualquer crime particular.

  4. Nesta sequência foram os autos remetidos à distribuição, tendo a Meritíssima Juiz considerado que a falta de notificação da acusação deduzida pelo assistente afectou as garantias de defesa da arguida e que tal omissão integra uma irregularidade processual nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

  5. Afigura-se-nos, no entanto, que inexiste qualquer irregularidade, já que além da acusação deduzida pelo assistente nem sequer ter de ser notificada à arguida, por se tratar de uma acusação de mera adesão e insusceptível de fundamentar um requerimento de abertura de instrução, em nada foram afectados os seus direitos de defesa.

  6. Com efeito, a acusação pública, regularmente notificada, fixou o objecto do processo, permitindo, assim, que a arguida exerça, em pleno, a sua defesa.

  7. Ainda que seja outro o entendimento, o regime das irregularidades previstas no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é o de que dependem de arguição pelo próprio interessado no prazo de 3 dias.

  8. Não obstante, uma vez que a Meritíssima Juiz decidiu reparar oficiosamente tal irregularidade, devia ter determinado que os respectivos serviços diligenciassem nesse sentido, e não ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público para esse efeito, porquanto carece de poder para determinar ao Ministério Público a realização de qualquer acto.

  9. A devolução dos autos ao Ministério Público, tal como foi feita, é inconstitucional, por violação dos princípios do acusatório, independência e autonomia da magistratura do Ministério Público em relação à magistratura Judicial, razão pelo qual o despacho recorrido violou o disposto nos artigos...

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