Acórdão nº 8076/12.1T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução22 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 27.4.2012 A, intentou na Comarca da Grande Lisboa-Noreste a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B A A. alegou, em síntese, pertencer a um grupo de sociedades que se dedica ao comércio automóvel, sendo essas sociedades concessionárias de várias marcas. A A. foi constituída em 2000 na sequência de desafio que a R. dirigiu aos seus sócios com vista à concretização de relações contratuais, designadamente na região de ..., no âmbito comercial e também no após venda. Tendo em vista a comercialização de veículos de marca ... e respetiva assistência oficinal, a A. fez um vultuoso investimento, concretizado de acordo com as especificações da R. e com a sua aprovação prévia e com base num balanço previsional de cinco anos, sendo certo que o ponto de amortização do investimento seria apenas atingido ao fim de sete anos de operação. Na sequência desse investimento a A. e a R. celebraram um contrato intitulado de concessão, com data de 14.11.2000, que, segundo foi dito à A. pela R., seria um mero enquadramento daquilo a que haviam de obedecer as relações entre as partes no seu sentido mais amplo. O contrato foi celebrado com duração ilimitada, podendo qualquer das partes denunciá-lo com um pré-aviso de 2 anos, o que constituía, segundo era dito pelos representantes da R., um mero proforma, pois estava em contradição com a exigência de se apresentar um plano previsional a 5 anos e com o facto de o investimento que era realizado não poder, em caso algum, ser recuperado antes desse prazo de 5 anos. Porém, por cartas de 16 e 23 de setembro de 2002 a R. denunciou o contrato de concessão, com um pré-aviso de 1 ano, argumentando com a saída de um novo regulamento da comissão europeia, propondo manter em vigor a exploração da oficina por parte da A., com base na celebração de um novo contrato de serviço pós venda. Pese embora os prejuízos que tal situação lhe causava, a A. acabou por não reagir judicialmente contra a R., face a promessas que esta lhe fez na área da venda de veículos ... (que a A. discrimina) e porque, face aos financiamentos bancários que tinha em curso, a A. não podia parar a sua atividade, sob pena de causar a sua insolvência e, por arrastamento, a das restantes empresas do seu grupo. Assim as relações comerciais entre a A. e a R. continuaram a processar-se, mantendo a A. em funcionamento a oficina autorizada pela R. para o serviço pós venda. A A. prestou com rigor a atividade a que se obrigara, sem reparos por parte da R., até que em fevereiro de 2011 primeiro e em março de 2011 depois, a R. procurou impor à A. determinadas regras no que respeitava à oficina. Então a A. percebeu que a R. queria encontrar um pretexto para pôr fim às relações com a A., por entender, certamente, que o decurso do tempo já limitara a possibilidade de a A. ser devidamente indemnizada pelos danos que a atuação da R. lhe causara, e também por ter tomado conhecimento que a A. reativara o stand de vendas que mantinha em ..., a fim de aí explorar uma concessão com a marca .... Sucedeu-se correspondência entre a A. e a R., na qual a A. pela primeira vez colocou à R. a exigência de ser ressarcida dos prejuízos que ao longo dos anos a R. lhe causara, exigência a que a R. não respondeu, tendo a relação contratual entre a A. e a R. cessado no fim de agosto de 2011. Face ao comportamento da R. a A. tem direito a ser ressarcida pelo atraso na recuperação do seu investimento, no valor mínimo de € 350 000,00, a ser reembolsada de despesas a que a R. a obrigou e que foram pura perda, no valor total de € 184 972,00, a receber indemnização de clientela, angariada quer através da concessão, quer através da assistência em oficina e venda de peças, no valor de € 323 610,14, e a receber montante, em valor a liquidar em execução de sentença, correspondente ao benefício de que a A. se viu privada e que auferiria pela concessão ..., em ..., no decurso dos 10 anos que mediaram entre 2001 e 2010. Tudo, segundo a A., ao abrigo da boa fé que deve presidir nos preliminares e na conclusão dos contratos (art.º 227.º do Código Civil), na boa fé que deve presidir no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos (art.º 762.º n.º 2 do CC) e tendo em consideração o Dec.-Lei n.º 178/86, de 3.7.

A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 868 582,14 e ainda no que viesse a liquidar-se em execução de sentença, conforme supra exposto.

A R. contestou, arguindo a ineptidão da petição inicial, a incompetência do tribunal quanto ao território, a caducidade dos direitos de indemnização de clientela e por responsabilidade pré-contratual, questionando o valor da causa, que computou em € 858 582,14. Por impugnação, a R. defendeu a licitude da denúncia do aludido contrato de concessão, impugnou os prejuízos invocados pela A. e a angariação de clientela por ela alegada e defendeu também a justa causa para a resolução dos contratos de oficina autorizada que havia celebrado com a A.. A R. defendeu ainda que a A. litigava com má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização à R..

Concluiu em conformidade.

A A. replicou, pugnando pela improcedência das exceções arguidas e admitindo ter havido erro no cálculo do valor da causa, que requereu fosse retificado para € 858 582,14. Impugnou a invocada litigância de má fé.

Em 04.10.2012 foi proferido despacho convidando a A. a liquidar o pedido de indemnização que, na sua petição, formulara em termos ilíquidos.

A A.

acedeu a tal convite, liquidando o aludido pedido em € 250 000,00.

A R. respondeu, defendendo a improcedência desse pedido.

Em 17.01.2013 o sr. juiz da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste julgou-se incompetente quanto ao território para julgar a presente causa e ordenou a remessa do processo à distribuição na Comarca de Lisboa.

Distribuído o processo à 6.ª Vara Cível de Lisboa, em … realizou-se audiência preliminar, em que se fixou o valor da ação no montante indicado pela R., considerou-se apta a petição inicial, relegou-se para final a apreciação das exceções de caducidade e procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e da matéria de facto controvertida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e em … foi proferida sentença em que se julgou a ação totalmente improcedente, por não provada e consequentemente absolveu-se a R. do pedido.

A A. apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões: (…) A R. contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões (…) Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO Há que avaliar, neste recurso, o relacionamento que existiu entre as partes no período a que se reportam estes autos e se do mesmo emerge o direito às prestações reclamadas pela A..

As partes não impugnaram a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo. Assim, haverá que levar em consideração os seguintes FACTOS PROVADOS Factos desde logo dados como assentes, ao abrigo do artº 508.º A alínea e) e 511.º do anterior CPC: 1. A A. pertence a um grupo de sociedades que há muitos anos se dedica ao comércio automóvel, e que são concessionárias de várias marcas. Esse grupo de sociedades começou por girar inicialmente ligado à sociedade ..., depois à … e …, e em anos mais recentes, passou tudo a ser integrado no âmbito da holding …, …, SA.

  1. Com data de 14 de Novembro de 2000, A. e ré subscreveram um documento particular cuja cópia consta de fls. 83 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, denominado “Contrato de Concessão”, constituindo o objecto de tal contrato os veículos novos fabricados pela “..., AG”, sob as marcas ...-..., identificados no contrato, concedendo a ré à A. o direito de distribuição de tais produtos no território identificado na cl. 3ª, como sendo todos os concelhos do distrito de ..., o contrato reportou os seus efeitos a 14 de Novembro de 2000, e estabeleceu-se, além do mais, que “(…) poderá ser denunciado, por qualquer dos outorgantes, por meio de carta registada expedida com a antecedência de, pelo menos, 2 anos” – cfr. cl. 14ª.

  2. A Autora passou a proceder, em Novembro de 2000, à comercialização de veículos da marca ..., tendo vendido em termos de unidades novas 7 ainda em 2000.

  3. A Ré, por cartas de 16 e de 23 de Setembro de 2002, decidiu denunciar unilateralmente o contrato de concessão supra aludido e celebrado com a A. – nos termos constantes da carta de fls. 84 e 85 cujo teor se reproduz.

  4. Todo o pessoal da A. havia frequentado os cursos de formação da Ré para os veículos que comercializava, sem custo para a Autora.

  5. Por documento particular junto a fls. 146 a 175, as partes subscreveram o contrato denominado “Contrato de oficina autorizada”, celebrado a 25 de Setembro de 2002, e cuja cópia se encontra junta a fls. 146 a 175 e que se dá por integralmente reproduzido, relativo, nomeadamente a serviços de pós-venda dos veículos “..., AG”, sob a marca ...-..., e ainda venda e distribuição de peças para esses mesmos veículos.

  6. Em Fevereiro de 2011 primeiro e em 15 de Março de 2011 depois, a Ré escreveu à A. procurando impor determinadas regras no que respeitava à oficina, nos termos constantes de fls. 105 a 117 dos autos cujo teor se reproduz.

  7. A rede de assistência da Ré seria sempre mais completa com a existência de uma oficina qualificada para veículos ... em ..., o que sempre valoriza a marca.

  8. Em carta que dirigiu à Ré, em 9 de Junho de 2011, a A. pela primeira vez tenha vindo colocar a exigência de ser ressarcida alegando inúmeros prejuízos que ao longo dos anos a Ré lhe causara, nos termos constantes de fls. 118 a 122 cujo teor se reproduz.

  9. A A. candidatou-se à concessão da ré em ..., sendo que essa pretensão veio a frustrar-se, não sendo concedida a concessão de ... à A..

  10. A. A. enviou à ré uma carta datada de 11 de Novembro de 2008, junta a fls. 98 a 99 e cujo teor se reproduz.

    Resultou da instrução/discussão a prova dos seguintes factos: 12. A A. foi...

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