Acórdão nº 158/07.8JAAVR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução21 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO Por acórdão de 22 de Novembro de 2013, proferido pelo tribunal colectivo da Vara de Competência Mista de Coimbra, foi a arguida A...

, com os demais sinais nos autos, condenada, em cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, na pena única de 7 sete anos de prisão, com desconto de nove meses de prisão pelo cumprimento de pena parcelar integrada no cúmulo.

Integraram o cúmulo jurídico efectuado as penas de prisão aplicadas nestes autos [processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR], no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR.

Não integrou o cúmulo jurídico efectuado, além de outras, a pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.

* Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

1. A recorrente nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Colectivo nº 418/09.3JACBR tinha sido condenada, antes, por crime idêntico em pena igual, mas por factos praticados, exclusivamente, em 9.6.2009, dia seguinte ao do último dia dos factos praticados no processo mais antigo.

2. Estamos assim perante conduta do agente em que o mesmo, após atingir o resultado consumado continuou a agredir o mesmo bem jurídico. Não se verifica um delito autónomo, mas um desdobramento de uma conduta negativa consumada.

3. Estamos perante um crime exaurido.

4. Mister se torna, pois, que a factualidade do dia 9 de Junho entre no cúmulo jurídico efectuado. É o mesmo crime.

5. Deve, porém, face aos critérios do artigo 77º do C.P., manter-se a pena já fixada no acórdão recorrido.

6. A decisão recorrida violou os artigos 10º, 26º e 77º, nº 1, todos do C.P.

7. Deve, pois, ser revogada nos termos reclamados.

(…)”.

* Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que a pena imposta no processo nº 418/09.3JACBR não se encontra numa relação de concurso com as demais, que a decisão recorrida fez reflectir na medida da pena única, pela sua benevolência, a relação entre a matéria de facto daquele processo e do processo nº 158/07.8JAAVR, a impossibilidade legal da realização de cúmulos por ‘arrastamento’, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, apesar de requerida a audiência, emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, alegando que a questão suscitada pela recorrente já foi decidida pela Relação mostrando-se, quanto a ela, esgotado o poder jurisdicional, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu a recorrente, alegando que tendo requerido a audiência, não haveria lugar a parecer mas, por mera cautela, disse que o argumento formal invocado não faz sentido face ao alegado nos nºs 14 a 16 do corpo da motivação, e serem inconstitucionais os arts. 77º e 78º do C. Penal, interpretados no sentido de que podem ser separadas as condutas referidas no nº 14 da motivação para efeitos de punição por crime de tráfico de estupefacientes, por violação dos arts. 13º, nº 1 e 32º, nº 1 da Constituição da República. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A de saber se a pena aplicada à recorrente no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR deve ou não integrar o cúmulo jurídico efectuado; - A de saber, sendo afirmativa a resposta dada à questão antecedente, se deve manter-se a pena única já fixada no acórdão recorrido, face aos critérios estabelecidos no art. 77º do C. Penal.

Há também que conhecer da inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão recorrido dos arts. 10º, 26º e 77º do C. Penal, no sentido de que, perante um crime exaurido como é o crime de tráfico de estupefacientes, é possível separar alguns dos factos que o integram e permitir múltiplas condenações, por violação dos arts. 13º e 32º da Constituição da República, arguida na audiência de julgamento pelo Ilustre Mandatário da recorrente.

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

  1. Nele foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    A arguida foi condenada nos seguintes processos: Processo Comum Coletivo n.º 158/07.8JAAVR: Data dos Factos: Novembro de 2007 a 8.6.2009 Data da Sentença: 20.07.2012 Data do Trânsito e Julgado da Sentença: 22.5.2013 Pena aplicada: Nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 3 (três meses) e na pena única de 7 (sete) anos de prisão Crimes: um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 em concurso real com um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A, n.º 1, 2 e 3 do Código Penal e um crime de condução de veículo motorizado p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1 No Acórdão consta como provado: “

  2. Do Crime de Tráfico de Estupefacientes: A arguida, desde pelo menos o final do mês de Setembro de 2007 que se dedicava à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente heroína, cocaína e canabis.

    A arguida A... adquiria os produtos estupefacientes em quantidade e por modo não concretamente apurado, os quais depois de preparados e sob a forma de pequenas doses revendia a indivíduos interessados na sua aquisição, em Coimbra, sobretudo no (...) e no (...).

    O preço das doses variava de acordo com o peso de produto nelas contido, mas, em regra, rondava os € 10,00/dose.

    E tanto o fazia directamente, quer nos apartamentos a que aí tinha livre acesso, quer na via pública, nas suas imediações; Como o fazia com o apoio e auxílio de pessoas que consigo colaboravam, geralmente consumidores, que recrutava para esse efeito e para angariarem clientes para os estupefacientes que comercializava.

    Estes indivíduos, face ao combinado, geralmente acompanhavam e encaminhavam os interessados até às referidas habitações, onde estes compravam as quantidades pretendidas.

    Como pagamento destes serviços, regra geral, a arguida A... entregava aos vendedores/angariadores doses de estupefacientes, para consumo próprio, uma vez serem normalmente consumidores regulares desse tipo de produtos.

    Nesta situação de vendedores/angariadores por conta da arguida A..., como contrapartida à colaboração que lhe prestavam na venda de produtos estupefacientes, dela recebendo doses de droga, nomeadamente heroína, cocaína e canabis, que depois consumiam, estão designadamente os seguintes arguidos: N..., conhecido pela alcunha de NN...; O..., conhecido pelo diminutivo de OO...; P..., conhecido pelo diminutivo de PP....

    Era, pois, desta prática delituosa, que a arguida A... retirava os proveitos económicos que auferia, tanto que não desempenhava qualquer actividade profissional lícita.

    Pelo menos desde o final do mês de Setembro de 2007 (designadamente os dias 27.9.2007, 28.9.2007, 17.10.2007, 26.10.2007, 14.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008) que a arguida A... utilizava o apartamento sito no (...), para efeitos de fraccionamento e posterior revenda de doses de heroína, cocaína e canabis.

    Em 18.4.2008, pelas 14h30m, durante a busca realizada ao apartamento onde a arguida A... na ocasião residia, sito no (...), Coimbra, ao ser alvo de revista, em poder da arguida, no interior de uma carteira, foi apreendida uma língua de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 1,898 g (cfr. fls. 395 a 397, do processo principal).

    Examinado esse produto no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelou ser canábis (resina), vulgo haxixe.

    Ainda em 18.4.2008, perlas 15h15m, foi efectuada busca ao referido apartamento que a arguida A... utilizava na actividade de tráfico de estupefacientes, sito no (...), Coimbra, onde se encontrava a E....

    Aí foram apreendidas duas barras de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 3,239 g (cfr. fls. 400, 401 e 403, do processo principal).

    Examinadas tais barras no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelaram ser canabis (resina).

    Toda a canabis apreendida era da arguida A... pertença e destinava-se a ser por si vendida, bem como pelos seus colaboradores – sendo-o ao tempo pelo menos o arguido N... ( NN...) – aos consumidores que os abordassem para tanto, em porções.

    Não obstante a operação policial de que foi alvo, que culminou com a apreensão da referida quantidade de haxixe, por a arguida A... não exercer qualquer actividade profissional, continuou a dedicar-se à comercialização de produtos estupefacientes.

    Porém, por a habitação do Bloco 9 já estar referenciada pelas autoridades, ainda antes das buscas de que foi alvo, começou a arguida A... a diligenciar por arranjar outro apartamento onde pudesse continuar a preparar os produtos estupefacientes, bem como a vendê-los aos consumidores, por si ou através dos seus colaboradores.

    Foi assim, imbuída deste espírito, que veio a fechar o negócio referente ao seguinte apartamento: (...), Coimbra. Ficou acordado com os compradores que o preço da compra e venda seria de € 13.000,00, a liquidar pela arguida em prestações mensais de valor variável, consoante as suas possibilidades, mas que não deveriam ser inferiores a € 500,00. Mais combinaram que só, a final, aquando do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT