Acórdão nº 4949/10.4TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 4949/10.4TBVFR.P1 [Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e mulher C…, residentes em …, Santa Maria da Feira, demandaram D… e mulher E…, residentes em …, …, Santa Maria da Feira, pedindo a condenação dos réus a reconhecerem a resolução do contrato promessa de compra e venda, sendo restituído aos autores o imóvel, devoluto de pessoas e bens e no mesmo estado de conservação em que foi entregue aos réus, bem como a declarar o direito dos autores de fazer sua a quantia entregue a título de sinal, no montante de €1.130 e, por fim, o montante com que os réus enriqueceram e os réus empobreceram, que se calcula numa renda mensal de €250, desde a data da tradição do imóvel (12.1.2006) até ao presente, perfazendo a quantia de €10.500 e as restantes que se vencerem até à entrega efectiva do imóvel.

Alegaram para o efeito que em 12.1.2006 celebraram com os réus um contrato-promessa tendo por objecto o prédio sito no em …, inscrito na matriz sob os n.os 1392 e 2199 e pertencente aos autores, que prometeram vendê-lo pelo preço de €50.000. Na data do contrato, os réus entregaram aos autores da quantia €1.130, a título de sinal e princípio de pagamento, tendo fixado a partir dessa data a sua residência no prédio. Sucede que o prédio não tem licença de habitabilidade, facto que era conhecido de todas as partes. Para obter essa licença e poder celebrar a escritura, é necessário demolir uns anexos existentes no prédio, o que os réus não permitem. Os réus permanecem na habitação sem pagar qualquer contrapartida.

Os réus contestaram por impugnação e excepção e deduziram reconvenção.

Invocaram a nulidade do contrato por não conter a assinatura do réu marido ou o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes e não existir exibição da licença de utilização do prédio. Alegaram, ainda, que a autora logo disponibilizou o prédio para ser habitado pela ré e sua família, entregando-lhe as chaves. Os réus desconheciam que o prédio não tinha licença de utilização. A ré mulher após a assinatura do contrato dirigiu-se ao banco para iniciar processo de empréstimo, tendo despendido a quantia de €250. O prédio prometido vender está implantado em área da RAN e da REN e no corredor non aedificandi da futura …. Nunca os réus foram interpelados para demolir construções, nem para a realização da escritura. Além do sinal, os réus entregaram aos autores a quantia de €400 para ajudar nas despesas. Os réus realizaram benfeitorias no prédio, pavimentaram o logradouro e construíram fossa séptica, no que despenderam €500. Compraram mobiliário adequado à habitação. Os réus nunca poderão adquirir o imóvel, por culpa exclusiva dos autores.

Concluem pedindo o reconhecimento da nulidade do contrato-promessa e a improcedência da acção, com a absolvição dos réus dos pedidos. Em reconvenção, pedem que o contrato seja declarado resolvido, por causa imputável aos autores, sendo os autores condenados a pagarem o sinal em dobro, a despesa de €250 pelo processo bancário, a quantia de €500 pelas benfeitorias e a quantia de € 400.

A acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção da seguinte forma: “julgo parcialmente procedente a acção (…) julgo verificada a excepção de nulidade invocada pelos réus (…) e julgo improcedente a reconvenção (…) e, consequentemente, decido: a) declarar nulo o contrato-promessa (…); b) condenar os autores, em consequência da apontada nulidade, a pagar aos réus a quantia de €1.130 (…); c) condenar os réus a restituírem aos autores o prédio (…) no estado em que lhes foi entregue (…); d) condenar os réus a pagar aos autores a quantia de €7.843,55 (…), bem como … a quantia correspondente a €150 (…) por cada mês, contados desde o dia 22.10.2010, até efectiva entrega do prédio (…) aos autores; e) absolver os réus e os reconvindos/autores do pedido quanto ao mais peticionado (…) por acção ou reconvenção.” Do assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1º(…) 2º - Da factualidade assente não resultaram provados quaisquer factos pretensamente geradores da mora ou incumprimento por parte dos apelantes, sendo certo que foram os apelados que se colocaram na situação de não quererem cumprir o mesmo; 3º(…). 4º(…). 5º(…). 6º(…). 7º - Os apelados manifestaram e cumpriram a intenção de resolver o contrato-promessa em causa conforme resulta do teor da Notificação Judicial Avulsa, sem quaisquer razões justificativas à luz do actual ordenamento jurídico; 8º(…). 9º - O sentido da declaração emitida pelos apelados, expressa na Notificação Judicial Avulsa supra referida, inculca à saciedade que aqueles resolveram o contrato com as consequências expressas no teor da tal notificação, ou seja a perda do sinal.

  1. - Os Apelados e apelantes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico sendo que para a celebração da escritura pública não é necessário qualquer licença de utilização, sendo assim a exigência contida no artº 410º, 3, do CC aqui inaplicável.

  2. - Apesar de o Tribunal “a quo” ter dado como provado que do objecto do contrato fazia igualmente parte o prédio urbano referido nem D) dos Factos Assentes (ut 13 do elenco dos factos provados) a verdade é que o prédio, no seu conjunto, tem a natureza de prédio misto.

  3. - Embora a lei civil não conheça a figura do prédio misto e esta seja uma qualificação fiscal, não se poderá negar que o prédio misto – necessariamente composto de uma parte rústica e uma parte urbana – traduz uma só realidade económica e constitui um só prédio e, como tal, a sua natureza jurídico-civil (rústica ou urbana), do todo e não dos respectivos componentes, há-de ser encontrada com recurso aos critérios estabelecidos na lei civil (artº 204º,2, do CC) 13º - Não sendo o prédio misto um tertium genus, a sua qualificação como prédio rústico ou urbano terá de ser efectuada casuisticamente.

  4. - Atentas as respectivas áreas, afigura-se por demais evidente que, sopesando a sua utilidade económica, o mesmo reveste a natureza rústica, sendo a parte habitacional meramente secundária.

  5. - Daí que, a questão da nulidade do contrato-promessa não se possa colocar.

  6. - Por outro lado, a exigência contida no nº 3 do artº 410º do CC constitui medida de protecção da boa-fé do promitente-comprador, podendo a sua omissão ser sanada mediante prova da sua desnecessidade.

  7. - A norma imperativa do nº 3 do artº 410, quer na redacção primitiva, quer na actual, visou, principalmente, a protecção do promitente-comprador, como parte sociologicamente mais fraca do tipo de negócio regulado.

  8. - A omissão dos requisitos prescritos no nº 3 do artº 410º do CC conduz a uma invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do Tribunal e apenas invocável pelos contraentes, mas, quanto ao promitente vendedor, apenas no caso de a falta ser imputável ao promitente-comprador, tratando-se de uma nulidade atípica, passível de sanação ou convalidação pela superveniente legalização da construção ou na ulterior apresentação da licença.

  9. - Sendo assim, a nulidade invocável pelos aqui apelantes (mal, diga-se) não poderá reverter em benefício dos apelados.

  10. - Na verdade, os apelantes, para quem se operou a traditio do objecto do contrato-promessa, ocupam o imóvel mediante autorização expressa dos apelados.

  11. - Não tendo o contrato definitivo sido outorgado por razões imputáveis aos apelados, não podem os apelantes ser penalizados, constituindo manifesto abuso de direito a exigência dos montantes impetrados e fixados na douta sentença condenatória, por alegado enriquecimento sem causa.

  12. (…). 23º (…). 24º (…). 25º(…). 26º - Pretender agora exigir um montante pecuniário pela ocupação do imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa é agir com clamoroso Abuso de Direito, tanto mais que os apelados, agindo dolosamente, tentaram legalizar os anexos construídos, afirmando “ (...) existe para o local operação de loteamento com alvará nº …/8, quando o alvará de loteamento nº …/84 é referente à freguesia de … e os anexos situam-se na freguesia de …; 27º - Incumbindo aos tribunais controlar tais imoralidades e abusos.

  13. - Tanto mais que os recorridos, estulticiamente, como se referiu, tentaram legalizar os anexos citando para o efeito o Alvará de Loteamento aprovado referente à freguesia de …, quando os mesmos estão construídos em solo pertencente à freguesia de ….

  14. - O enriquecimento sem causa tem como pressupostos: a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem e a ausência de causa justificativa para o mesmo.

  15. (…) 31º (…). 32º - Ora, os apelantes ocupam a prédio ao abrigo de contrato de comodato gratuito ou da traditio acordada no âmbito do mesmo contrato-promessa entre eles celebrado.

  16. - Há assim manifestamente uma causa justificativa para a ocupação do prédio.

  17. - Por força da nulidade do contrato promessa apenas após o trânsito em julgado da sentença que decretasse tal nulidade, poderia ser exigível aos apelantes uma contraprestação pela ocupação.

  18. - E nunca tal contraprestação poderia ser exigida desde a celebração do contrato promessa por inexistência de fundamento legal parta o efeito.

  19. – Tratando-se de um contrato sinalagmático, as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato. Artº 290º, do CC.

  20. - A existência de prazos diversos para o cumprimento das prestações só é impeditivo da invocação da excepção do não cumprimento por parte do contraente que deva cumprir em primeiro lugar, nada obstando que dela se prevaleça o outro.

  21. - De igual modo, e com interesse para os presentes autos, é admissível a...

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