Acórdão nº 438/12.0IDLSB-B.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelANA FILIPA LOURENÇO
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACÓRDÃO EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO O presente recurso tem por objecto o despacho que indeferiu a questão incidental de suspensão do processo, suscitada pelo ora Recorrente em sede de requerimento de abertura de instrução.

Uma vez que o despacho sob censura (datado de 24.01.2013) se encontra manuscrito, passamos de seguida a proceder e “ipsis verbis”, á sua transcrição (vide folhas 31 e 31v. destes autos): “Da análise de documentação agora junta pelo arguido C..., resulta que o mesmo apresentou uma providência cautelar de arresto junto do Tribunal Tributário de Lisboa.

Nos termos do disposto 47º, nº 1, do RGIT, o processo penal Tributário suspende-se quando esteja a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição á execução.

Ora, no caso concreto, apenas se encontra comprovado nos autos a interposição de uma providência cautelar de arresto que não é a mesma coisa que impugnação ou oposição á execução.

Nesta conformidade, a providência cautelar de arresto não tem a virtualidade de suspender o processo penal pelo que os autos deverão prosseguir, designando-se o próximo dia 7 de Fevereiro de 2013, pelas 10h 30m para a realização das diligências já anteriormente agendadas”.

Inconformado com tal decisão, interpôs o arguido ora recorrente, L..., devidamente identificado nos autos, em 25 de Março de 2013, o presente recurso.

Este foi admitido, sendo que a Mª Juiz “a quo“, e ao que parece e pelos elementos constantes nestes autos, não sustentou nem reparou o despacho recorrido nos termos do disposto no artº 414º nº 4 do CPP/ irregularidade processual já sanada /artº 123 do CPP, limitando-se a receber o recurso e a fixar os seus efeitos.

Despacho esse que posteriormente foi objecto de reclamação quanto aos seus efeitos, sendo que, através de despacho proferido pelo Sr. Vice -Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa foi revogado o despacho anterior tendo-se ordenado a sua substituição por outro que ordenou a subida imediata do recurso, o que foi cumprido.

Foi proferida decisão instrutória, tendo sido pronunciados “I...A, sociedade imobiliária, Ldª”, o recorrente e A... bem como C... pela prática dos mesmos factos constantes da acusação de folhas 389 a 393, a qual se deu por inteiramente reproduzida e que consubstancia a prática pelos mesmos de um crime de fraude fiscal, p.p. pelo artº 103º, nº 1, al. b) do RGIT aprovado pela lei 15/2001, de 5 de Junho, e a sociedade arguida, nos termos do disposto no artº 7º nº 1, do mesmo diploma.

Do presente recurso extraiu o recorrente L... das suas motivações as seguintes conclusões: I. O artigo 47.º, n.º 1 do RGIT prevê que “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do CPPT, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.” II. A essência do presente recurso reside no facto de se aceitar que se discute a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, ainda que através de meio processual que não esteja previsto na letra do artigo 47º do RGIT.

III. Conforme decorre do despacho de fls. 950, considerou o Tribunal a quo que o simples facto de não se discutir a situação tributária em oposição à execução ou em impugnação afasta per si a possibilidade de suspensão do processo penal.

IV. Porém a factispecie do artigo 47º não é os meios processuais nele previstos, mas sim a discussão da situação tributária! V. “Não exige a lei que o procedimento que condiciona a suspensão seja intentado pelo arguido, o que releva sim é que no processo fiscal, gracioso ou contencioso, intentado se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos praticados. (Ac. STJ de 17.01.2002, proc. n.º 4118/01.5, referido no “Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, 2008, Ares Editora, 3ª edição, pág. 405, em anotação ao art. 47º) VI. A pedra de toque da norma do RGIT, que desencadeia a suspensão do processo, é, assim, a circunstância de que a mesma situação jurídica tributária, de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, se encontra a ser discutida, em simultâneo, em sede de processo tributário e em sede de processo penal, VII. Com efeito não será possível imaginar que num Estado de Direito um tribunal penal condene o contribuinte por um crime de fraude fiscal e, posteriormente, o tribunal tributário venha a decidir que não existe qualquer irregularidade tributária.

VIII. Como tal e por respeito ao princípio de separação de jurisdições, constante do n.º 3 do artigo 212.º da CRP, deve a situação jurídica tributária ser primeiro apreciada pelo tribunal tributário, para depois prosseguirem os efeitos penais que eventualmente possam estar associados.

IX. Neste pressuposto, para a boa aplicação do artigo 47.º do RGIT relevante será que o Arguido esteja a reagir contra um procedimento tributário aberto pela Autoridade Tributária contra ele, ou seja, que haja, de facto, uma discussão em relação à qualificação da situação jurídica tributária em apreço, independentemente do meio processual.

X. O que efectivamente ocorre na Oposição ao Arresto onde o Arguido discute a definição da situação de gerência de facto que lhe é atribuída para efeitos de imputação de responsabilidade tributária.

XI. E nessa Oposição ao Arresto o Arguido demonstra que não poderia ter exercido a gerência de facto e que, portanto, a imputação da responsabilidade tributária que a Administração Tributária pretende não se poderá verificar – o que, afasta, assim, a imputabilidade penal que se pretende no processo crime por falta de objecto! XII. Em suma, e por tudo isto, por via da aplicação do artigo 47.º do RGIT, conjugado com os artigos 2.º, 13.º, 32.º, n.º 1 e 212.º, n.º3 da CRP, o processo penal deverá ser suspenso até que a discussão da situação jurídica tributária esteja concluída e esta fique definitivamente definida.

XIII. De outra forma, a aplicação literal do artigo 47.º do RGIT, na interpretação de que não deve ser aplicado nos casos de providências cautelares de arresto interpostas pela Autoridade Tributária, viola o artigo 32.º da CRP! XIV. Pois, o artigo 32.º da Lei Fundamental consagra as garantias do processo criminal, indicando que o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa (n.º 1), devendo o Arguido se presumir inocente e ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (n.º 2).

XV. Ora, no caso concreto, estamos perante uma situação em que se discute, em primeiro lugar, se ao Arguido deve ser imputada a responsabilidade tributária, e, em segundo lugar, se o Arguido praticou ou não um determinado facto tipificado como crime, in casu, fraude fiscal.

XVI. Ou seja, permitir que o processo penal prossiga a sua marcha até final, expondo o Arguido a um julgamento, sem que, no entanto, haja efectiva certeza se o mesmo cometeu algum crime, por faltar a necessária avaliação judicial do mesmo em sede de Tribunal competente, XVII. Será legitimar um ataque as garantias de defesa do Arguido, ignorando-se a sua presunção de defesa e o principio in dúbio pro réu.

XVIII. Assim, a única interpretação razoável e capaz de salvaguardar a conformidade do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT com o artigo 32.º, n.º1 e 2 da Constituição, será de que o mesmo é aplicável não só a situações em que o Arguido tenha apresentado impugnação judicial ou oposição à execução mas, igualmente, nos demais meios processuais utilizados pela Autoridade Tributária em que o Arguido, em sede de Tribunal Tributário, se tenha oposto à qualificação dos factos da mesma situação jurídica tributária que serve de base ao procedimento penal.

XIX. Mas, a aplicação...

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