Acórdão nº 18/10.5TATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Março de 2014
Magistrado Responsável | MARIA PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 26 de Março de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum singular 18/10.5TATND do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, após realização da audiência de julgamento com documentação da prova oral, em 1 de Julho de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Face ao exposto julgo provada e procedente toda a acusação pública formulada contra os arguidos e, em consequência, condeno os arguidos pelo crime de falsificação de documento autêntico previsto e punido artigo 256º, nº 1 al. b) agravado pelo nº 3, nas seguintes penas: A) Os arguidos A...
e B...
, a cada um, numa pena de 180 dias de multa á taxa diária de €6,00, o que perfaz um total de €1.080,00 e que corresponde a uma pena de prisão subsidiária de 120 dias; B) Os arguidos C...
, e D...
, numa pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00 o que perfaz um valor de €600,00 e que corresponde a uma pena de prisão subsidiária de 90 dias.
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Mais condeno os arguidos ao pagamento da taxa de justiça que fixo em 2 UC para cada um (artigo 513º do Código de Processo Penal).
Inconformados com a decisão, dela recorreram os arguidos A... e B..., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Por sentença proferida em 01/07/2013 os arguidos foram condenados por um crime de falsificação de documento autêntico previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, al. b), agravado pelo n.º 3, cada um, a uma pena de 180 dias de multa à taxa diária de €6,00, o que perfaz um total de €:1.080,00 e que corresponde a uma pena de prisão subsidiária de 120 dias.
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Salvo o devido respeito, os arguidos não podem concordar com tal decisão, dela recorrendo 3. Da douta sentença do Tribunal a quo se recorrerá no tocante ao preenchimento do tipo legal de crime de falsificação de documento (art. 256º/1/d e da agravação do crime, nos termos do n.º 3 do art. 256.º do CP.
Do preenchimento do tipo legal de crime de falsificação de documento.
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O tipo legal de falsificação de documento visa proteger o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
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Não é toda a segurança do tráfico jurídico que se pretende proteger mas apenas a relacionada com os documentos, atentas as suas duas funções: "função de perpetuação que todo os documentos têm de em relação a uma declaração humana" e a "função de garantia, pois cada autor do documento tem a garantia de que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal como ele num certo momento e local as expôs.
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O crime de falsificação de documentos é um crime de perigo abstrato.
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O art. 255, al. a) do C.P define o conceito de documento como sendo “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente relevante e que permite reconhecer a generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.” 8. É a lei civil que elenca as modalidades de documentos escritos - cfr. Artigo 363.º do Código Civil 9. A lei civil reserva aos documentos autênticos uma força probatória plena.
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A noção de documento em direito civil diverge da noção de documento em processo penal. Enquanto para o direito civil, documento é o objeto em que se incorpora uma declaração, para o direito penal, “o documento, para efeitos do crime de falsificação, é a declaração e não o objeto em que ela se incorpora”.
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O objeto do crime de falsificação é o documento enquanto meio de prova de facto juridicamente relevante, que será “um facto que, por si só ou ligado a outros dá origem a relações jurídicas, as extingue ou as altera”.
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No caso sub judice, vem o recorrente A... declarar que havia adquirido por doação verbal, feita em 1987, dois prédios na freguesia de x(...), concelho de Tondela, e que por terem decorrido mais de 20 anos sendo a sua posse ser plena, de boa fé, pública e pacífica, os havia adquirido por usucapião (arts. 1287.° e 1258.° a 1262.° do CC). Tais declarações foram posteriormente confirmadas pelos co-arguidos. (cfr. Pontos. 2 a 9 dos Factos Provados).
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O tribunal a quo errou ao fazer a subsunção dos factos provados nas normas de direito aplicáveis ao caso.
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Pois, se por um lado o Tribunal dá como provado que o recorrente A... adquiriu o prédio por compra que fez, em data que não conseguiu apurar, aos titulares inscritos, e que apenas fez a escritura de justificação por a vendedora se encontrar em parte incerta no Brasil, e assim conseguir obter um título para proceder ao registo dos prédios 15. Por outro lado, entende que a intenção do recorrente era manter em erro os proprietários dos prédios vizinhos, para que eles não pudessem exercer os direitos que a lei civil substantiva lhes reconhece.
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A intenção por parte do agente de “causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”, constituem os elementos subjetivos do tipo de ilícito.
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No tipo subjetivo do crime de falsificação de documento pressupõe um dolo específico, traduzido na intenção do agente causar prejuízo a outra pessoa ou de obter para si um benefício específico.
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Mas estes dolo específico não altera o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação (da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental).
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Ora, salvo o devido respeito, no caso sub judice as declarações prestadas, nomeadamente quanto à posse por mais de vinte anos - em nada põem em causa o bem jurídico protegido pela norma incriminadora.
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E o mesmo se diga quanto à declaração de que a transmissão dos prédios havia sido feita por doação.
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Entende o M. Juiz a quo que tal declaração foi proferida com intenção de prejudicar terceiros, nomeadamente, os proprietários dos prédios vizinhos, não lhes permitindo exercer os direitos que a lei civil lhes reconhece. Sucede, porém, que o Tribunal a quo não logrou provar que houvesse qualquer direito de preferência que tivesse ficado coartado com tal declaração; pelo contrário, foi dito pela testemunha/assistente C...que o procurador dos anteriores proprietários lhes comunicou que pretendia vender os terrenos, tendo-o vendido ao arguido Augusto e esposa, tendo referido o preço do mesmo. E mesmo que houvesse tal direito, sempre o titular do direito poderia lançar mão de uma ação judicial civil para impugnar a escritura e seguidamente fazer valer o seu direito.
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O Código Penal de 1995 não incluiu na falsificação de documentos a chamada falsidade, falsificação indireta ou falsa documentação indireta.
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A declaração inverídica feita pelo recorrente ao notário e inserida na escritura pública não é suscetível de integrar a prática de um crime de falsificação de documento do artigo 256.º do C.P, o documento não exibe qualquer aspecto suscetível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado nem alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exato (regular) que contém uma declaração inverídica.
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Nestes termos, devem os arguidos ser absolvidos do Crime de Falsificação de documentos (art. 256.º/1/d).
Da agravação do crime, nos termos do n.º 3 do art. 256.º do CP 25. O Tribunal a quo condenou os aqui arguidos por um crime de falsificação agravada, p.p. pelo n.º 3 do artigo 256.° do CP, pelo facto de as declarações terem sido prestadas perante notário.
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A pena é agravada em função do tipo de documento.
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Quando se trata de documentos autênticos ou com força igual a pena e agravada em função da especial credibilidade no tráfico jurídico destes documentos.
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"documento" para efeitos de moldura penal é o escrito ou qualquer objeto material que incorpora a declaração." 29. No caso sub judice, não existe qualquer alteração do “objecto material que incorpora ação”; isto é o documento que serve de suporte à declaração não foi por qualquer modo alterado, não foi maculado por parte dos arguidos, quer ao nível físico, quer ao nível da declaração propriamente dita que o documento comporta.
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Nestes termos, devem os recorrentes ser absolvidos do crime de falsificação de documentos agravado.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada sentença, proferindo-se acórdão que absolva os arguidos dos crimes por que foram condenados.
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! O recurso foi objecto de despacho de admissão.
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: I - Os recorrentes/arguidos ao proferirem as declarações constantes da escritura de justificação notarial, sabiam que as mesmas não correspondiam à verdade e que causavam prejuízo a outrem, fizeram constar na referida escritura fato juridicamente relevante.
II - Os recorrentes/arguidos sabiam que ao omitirem a não correspondência à verdade dessas declarações abalavam a confiança e credibilidade na autenticidade e genuinidade do documento autêntico e atentavam contra a fé pública que merecem as escrituras de justificação notarial.
III - Sabiam, também, que ao proferirem tais declarações pretendiam iludir os proprietários dos prédios confinantes para que estes não pudessem exercer o direito legal de preferência na aquisição dos prédios em causa.
IV - Os fatos dados como provados, determinam a condenação dos recorrentes/arguidos na prática do crime de falsificação de documento.
V - Pelo que acima se expõe, não se verifica que a sentença tenha violado qualquer disposição legal.
VI - Em face dos motivos que ficaram enunciados, entendemos que o recurso interposto pelos recorrentes/arguidos não deverá merecer provimento, devendo manter-se o teor da sentença nos moldes em que a...
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