Acórdão nº 44/03.0IDGRD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SILVA
Data da Resolução12 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. O Ministério Público (de futuro, Mº Pº) deduziu acusação contra A...

, imputando-lhe a prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido (de futuro, p. p.) pelo art. 104º nº 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (de futuro, RGIT) e, à data da prática dos factos, pelo art. 23º nº 1 e nº 2 al. c) e nº 4 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (de futuro, RJIFNA).

O arguido requereu a abertura de instrução, no seguimento da qual veio a ser pronunciado nos mesmos termos da acusação.

No decurso da audiência de julgamento, a M.mª Juíza, considerando “a não verificação de um dos elementos do ilícito criminal de fraude qualificada”, decidiu “declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido A...”.

Em sede de recurso interposto pelo Mº Pº, veio tal despacho a ser revogado.

Realizada nova audiência de julgamento, foi proferida sentença, absolvendo o arguido da prática do crime que lhe era imputada.

  1. Inconformado, recorre o Mº Pº, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1. O art. 103.º, n.º 1 do RGIT (Fraude), na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, prescreve que: “1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipiticadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devem constar dos livros de contabilidade ou de escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável: b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; 2. Por sua vez, o art. 104.° do RGIT (Fraude qualificada), na parte que ora nos interessa, dispõe que: “1. Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias verificar a para efeitos de fiscalização tributária, (..) g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.

3. Para que o crime de fraude fiscal se considere consumado não se exige que o agente represente, com exatidão, o montante da vantagem ou benefício patrimonial indevido. Será bastante a representação genérica da consequência da diminuição da receita fiscal e do benefício indevido correspectivo que visa alcançar.

4. Este crime é classificado doutrinalmente “...como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de as condutas ilegítimas tipificadas visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena” - vide in Regime Geral das Infracções Tributárias, pág. 313, de Tolda Pinto e Reis Bravo.

5. Assim sendo, uma vez que o crime de fraude fiscal se consuma ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial venha a ocorrer efetivamente, como, aliás, resulta da redação do preceito, “(..) que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação (...)”: então o limite quantitativo estabelecido no art. 103.º do RGIT, não é um elemento do tipo, mas uma condição objetiva de punibilidade, um elemento externo ao crime que cumpre uma função de seleção das condutas penalmente puníveis.

6. E, como tal, a punição da fraude fiscal qualificada não depende da vantagem patrimonial ilegítima ser de valor igual ou superior ao limite quantitativo previsto no art. 103.º, n.º 2 do RGIT.

7. Por outro, conforme se alcança da mera leitura da norma do art. 103.º, n.º 2 do RGIT “os factos previstos nos números anteriores não são puníveis, se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15000€”. Daqui decorre que os factos não puníveis são apenas os previstos nos “números anteriores”, não existindo nenhuma razão literal ou outra, para suspeitar que o legislador quis também abranger os factos previstos nos artigos seguintes.

8. Com efeito, na norma que pune o crime de fraude fiscal qualificada não existe nenhum número idêntico ao n.º 2 do art. 103.º, nem é feita qualquer remissão em qualquer dos seus números ou alíneas para o referido preceito legal, pelo que o valor da vantagem patrimonial não releva para efeitos de despenalização.

9. Refira-se, ainda, que se considera que o limite de € 15.000,00, mencionado no n.º 2 do art. 103.º do RGIT, abaixo do qual os factos integradores do crime de fraude fiscal não são atualmente puníveis, não é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104.º do mesmo diploma legal, designadamente quando o agente utiliza faturas falsas ou documentos equivalentes na execução do crime, como é o caso dos presentes autos.

10. Na verdade, tratando a fraude qualificada de um crime agravado, em relação àquele outro simples, porque ocorreu com uma conduta especialmente censurável, daí a sua qualificação, o disposto no citado art. 104.º não se submete a uma qualificação meramente de valor nem é aceitável entender-se que o legislador pretendeu deixar totalmente impune o crime de fraude fiscal qualificada nos casos em que não ultrapasse aquele limite, quando se trata de comportamentos bem mais censuráveis do que aqueles que vêm tipificados no n.º 1 do art. 103.º do RGIT.

11. Face ao exposto, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 103.º e 104.º do RGIT.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que dê acolhimento ao teor das conclusões supra, condenando os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada. Assim se fazendo JUSTIÇA!» 3. O arguido respondeu, sem apresentar conclusões mas pugnando pela improcedência do recurso.

Já neste Tribunal da Relação, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, por adesão à argumentação expendida em 1ª instância.

Cumprido o art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal (de futuro, CPP), o arguido nada disse.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS [[1]] Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença: «O arguido A..., a quem corresponde o Número de Identificação Fiscal (...), com sede na Avenida (...), Seia, encontra-se registado em Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), pela atividade de “Construção Civil - CAE 45211”, enquadrado no regime normal mensal de IVA, no Serviço de Finanças de Seia.

B....

, com sede na Rua (...), Oliveira do Hospital, possui o Número de Identificação Fiscal (...) e encontra-se registado em sede de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), pelo exercício da “Construção Civil - CAE 45211”.

Por sua vez, C...

, com sede em (...), Oliveira do Hospital, a quem corresponde o Número de identificação Fiscal (...), encontrava-se registado, à data dos factos, Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA).

O arguido exerceu com normalidade a sua atividade de construção civil, pelo menos nos anos de 1999 e 2000, sem que em algum momento tenha declarado cessada a sua actividade.

O arguido era, pelo menos no supra citado período temporal, responsável, entre outras coisas, pela organização da contabilidade referente àquela atividade por eles desenvolvida e pela retenção e posterior colocação dos impostos supra referidos à disposição da Fazenda Nacional, nos termos legais.

Pelo menos no ano de 2000, o arguido, A..., tendo em vista obter para si uma vantagem material indevida, solicitou a B... e C..., que lhe emitissem faturas representativas da prestação de serviços e de fornecimento de bens e do pagamento por si dos preços correspetivos, sem que tais bens e serviços tivessem sido por si adquiridos, nem os respetivos preços pagos, sendo certo que tais serviços também não foram por aqueles prestados nem os seus preços foram pagos.

Pretendia o arguido A... imputar aos custos da sua atividade o valor líquido dessas faturas e alterar os valores correspondentes aos custos da sua atividade empresarial inseridos nas declarações periódicas de rendimentos dos exercícios fiscais, pelo menos do ano de 2000, diminuindo, deste modo, o valor do lucro tributável e, consequentemente, o montante do imposto a entregar nos Cofres do Estado e, bem assim, a deduzir / subtrair o montante de imposto de IVA liquidado nas faturas emitidas por B... e C..., ficticiamente por si suportado, ao montante de imposto de IVA por si liquidado nas vendas e prestação de serviços, de modo a reduzir o montante de IVA a entregar ao Estado, bem como a obter uma dedução indevida de custos em sede de IRS.

Assim, em cumprimento daquela estratégia, o arguido, A... solicitou a B... e C..., que lhe emitissem faturas donde constasse a realização por estes de serviços em seu beneficio, e o montante de preço devido.

B... e C... aceitaram emitir faturas nessas condições, embora soubessem que as mesmas se destinavam aos fins acima descritos, tendo, de acordo com aquele desiderato, C... emitido as seguintes: factura n.º 16 de 12.10.2000 de C..., no valor global de Esc...

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