Acórdão nº 488/08.1TBLSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução10 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 488/08.1TBLSD.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Lousada-1º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- Na acção da impugnação pauliana se o juiz, no dispositivo da sentença, julga a acção procedente e decreta as consequências plasmadas no artigo 616.º, nº 1 do C.Civil que não correspondem formalmente ao pedido formulado, ainda assim não se pode dizer que tenha havido condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, pois que, o decidido pelo tribunal não se afastou do efeito prático-jurídico que está subjacente à instauração daquela acção.

II- A prova testemunhal relacionada com convenção contrária ao conteúdo da escritura pública é de ter como admissível quando complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito que constitua um suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respectiva complementação, ou seja, demonstrar não ser verdadeira a afirmação produzida perante o documentador.

III- Na impugnação pauliana provada a compra e venda de um imóvel pelo seu valor real, diferente do declarado na respectiva escritura, com isso fica verificado o requisito da existência do crédito, cabendo ao terceiro adquirente do acto impugnado a prova do pagamento desse valor com vista à improcedência da acção.

IV- Sendo impugnado negócio oneroso posterior ao crédito prejudicado, o preenchimento do requisito da má fé basta-se com a negligência consciente.

I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… instaurou a presente acção declarativa comum com processo ordinário contra C… e mulher D… e E…, Ld.ª, pedindo seja declarado que a alienação onerosa que tem por objecto o prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção, com a área de 1.140 m2, sito no …, da freguesia …, do concelho de Lousada, à data omisso na matriz mas, actualmente inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.° 1006 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.° 00727/19900319, não produza efeitos relativamente à autora, que age por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu falecido marido F…, podendo esta exercer em plenitude os seus direitos na execução já instaurada sobre a fracção em causa, nomeadamente através de penhora, para recuperação do seu referido crédito.

Alegou, para tanto e em síntese, que: Em 15 de Junho de 2000, por escritura publica de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Lousada a autora e o seu falecido marido venderam à 2.ª Ré o identificado prédio urbano, tendo declarado que o preço da venda era de Esc. 500.00$00.

Para pagamento do preço real relativo à referida venda, de € 34.117,78, a 2.ª Ré, através dos seus sócios gerentes G…, H… e I…, os quais emitiram três documentos particulares, cada um deles denominado “confissão de dívida” com a mesma data da outorga da referida escritura, declarou-se devedora do preço correspondente à aquisição.

Sucede que, até à presente data, a 2.ª Ré não pagou tal quantia, nem à autora, nem ao seu falecido marido, nem aos seus herdeiros legais.

Entretanto, teve a autora conhecimento que em 03.01.2007, em data posterior ao óbito do marido da Autora, o 1.º Réu marido outorgou com a sociedade 2.ª Ré, contrato-promessa de compra e venda do referido prédio urbano, outorgando aquele como promitente-comprador e esta como promitente-vendedora declarando prometer vender o referido prédio ao 1.° Réu, que declarou prometer comprar esse prédio à 2.ª Ré, pelo preço de € 67.500,00.

Posteriormente, o 1.º Réu C… instaurou contra a Ré sociedade uma acção declarativa de condenação-execução específica-no 1.° Juízo deste Tribunal, proc. n.º 1726/07.3TBLSD, tendo aquela, através dos seus sócios, vindo confessar o pedido e solicitar ao Tribunal que ordenasse a transferência da propriedade do prédio em causa nos autos para o aqui 1.° Réu.

Tal acção não foi contestada pela Ré e foi proferida sentença por este Tribunal decretando-a e transferindo a propriedade do referido prédio para o 1.° Réu.

A aludida transmissão foi efectuada dolosamente e com o propósito de se esvaziar o património da 2.ª Ré sociedade, e com a consciência de que a autora e os demais herdeiros legítimos do seu falecido marido ficariam sem qualquer hipótese de obter a satisfação integral do seu crédito, sendo do pleno conhecimento de todos os Réus, ao outorgarem o dito contrato-promessa, a existência do crédito da Autora e do seu marido, pelo que se revela evidente a má-fé da transmissão operada.

*Regularmente citados, apenas os réus C… e mulher D… apresentaram contestação (fls. 162 e segs.), defendendo-se por excepção e impugnando os factos alegados na PI.

Excepcionaram, suscitando a ilegitimidade da autora para a propositura da presente acção. Por outro lado, invocaram que a autora e o seu falecido marido demandaram a ré sociedade e os demais sócios daquela numa acção de inquérito judicial que corre termos no 2.º Juízo deste Tribunal sob o n.º 506/06.8TBLSD e num arrolamento que constitui o apenso B) daquele processo, sendo que no âmbito daquela acção o falecido marido da autora identificava como bens da sociedade, além do sobredito prédio, todos os materiais e equipamentos que se encontravam nesse prédio que servia também como estaleiro, um veículo automóvel, da marca Toyota …, matrícula ..-..-SS, uma grua e uma betoneira.

Tais equipamentos e máquinas correspondem aos que pelo Serviço de Finanças de Lousada foram penhorados no âmbito de um processo de execução fiscal e foram descritos num anúncio publicado no J… de 16/03/2008, sob o n° 289, tendo então sido avaliados, com referência a 06/03/2008, em € 37.716,00, sendo que o seu valor real é bem superior. Portanto, à data do negócio entre o contestante e a ré sociedade, esta tinha bens penhoráveis de valor superior ao crédito que a autora reclama.

Por outro lado, o negócio em causa foi feito pelo seu valor real, pois o prédio carece de licenças válidas e de projecto aprovado e o mercado imobiliário encontra-se em profunda crise, e os pagamentos foram feitos pelo contestante à ré sociedade em cheques nominativos, sem qualquer intenção ou consciência de prejudicar alguém.

Acresce que a autora e o seu falecido marido venderam esse prédio à ré sociedade pelo preço real de Esc. 2.500.000$00 e não por € 34.117,78, pois à data da venda o falecido marido da autora era também sócio da ré, nada devendo a ré sociedade à autora, nem à herança do seu falecido marido, beneficiando aquela de documento autêntico do qual resulta ter pago a totalidade do preço.

Concluem, pugnando pela improcedência da acção.

*A autora respondeu à matéria das excepções deduzidas pelos réus contestantes, mediante réplica apresentada a fls. 210 e segs., concluindo como na PI.

*Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a invocada excepção da ilegitimidade, e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e da base instrutória.

*Instruída a causa, procedeu-se à realização de audiência e discussão e julgamento da causa e fixada a matéria de facto nos termos que dos autos consta foi, a final, proferida decisão que julgou a acção procedente por provada e, em consequência:

  1. Determinou a restituição do prédio descrito em d) dos Factos Provados, transmitido da ré E…, Ld.ª ao réu C…, na medida exigida pela satisfação do crédito da autora B…; b) Reconheceu à autora B… a possibilidade de executar o referido prédio no património do réu adquirente C…, com exclusão de outros credores; e c) Reconheceu ainda à autora B… a possibilidade de praticar, relativamente a esse prédio, os actos de conservação patrimonial autorizados por lei.

    *Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1. A sentença padece de nulidade, por o Tribunal ter condenado em objecto diverso do pedido, como se expos supra em I, mostrando-se violado assim o artigo 668º, nº 1 al. e) do CPC revogado, correspondente ao actual artigo 615º, nº 1 al. e) do NCPC, nulidade esta que se requer que seja declarada com as legais consequências.

    1. No que respeita à matéria de facto, entendem os recorrentes que o Tribunal julgou erradamente os pontos u), ac) ae) e aj) da mesma, (por referencia aos dados como provados na sentença), bem como os artigos 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 37 dos não provados, constantes da b.i. e da resposta à matéria de facto.

    2. De facto, conforme se encontra melhor indicado em II supra, entendem que as perícias de fls. 798 e ss e 821 e ss, as facturas (fls.1035 e ss ou 1333 e ss), os depoimentos de parte dos sócios gerentes da sociedade Ré-H… e G… -, o depoimento de parte da A., e o depoimento das testemunhas K…, L… e M…, devidamente transcritos também em II supra, e no local próprio devidamente referenciados de acordo com as actas respectivas, conjugados e articulados com as respostas restritivas dadas a variados quesitos, como resulta da resposta à matéria de facto, com os quesitos dados como não provados e bem assim com a matéria da contestação também indicada em II supra, não impugnada e que deve ser considerada assente como lá se defendeu,- 35, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 57 e 58 da contestação - adicionada da confirmação que nos dão os factos provados sob as alíneas g), i), af), ah) e ai), levariam necessariamente a resposta diferente.

    3. Os não provados devem ser dados como provados; 5. No que concerne à al. ae) dos provados, a resposta não podia ser de provado quanto à consciência de que a alienação do imóvel se dava “em prejuízo da satisfação do crédito” de que a A. se arrogava.

    4. No que respeita à al. u), como se defendeu supra em II, não podia ter-se dado como provado que 34.117,78€ fosse o preço real; que esse preço fosse pelo menos de tal valor; que tivessem emitido as declarações na qualidade de sócios gerentes; e que F… fosse...

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