Acórdão nº 1595/10.6TBAMT-A.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelLEONEL SERÔDIO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 1595/10.6TBAMT-A-P2 Relator – Leonel Serôdio (323) Adjuntos – Amaral Ferreira Ana Paula Lobo Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No processo de insolvência da sociedade B…, Lda. que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Amarante, sob o n.º 1595/10.6TBAMT vieram C… e marido D… requerer a qualificação da insolvência como culposa identificando como sujeito afectado pela qualificação o sócio-gerente da insolvente, E…, invocando como fundamentos os previstos no art.º 186.º nºs 2 al. a), h) e i), e n.º3, al. a) do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

O Sr. Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido de qualificar a insolvência como fortuita.

O Ministério Publico promoveu o prosseguimento do incidente.

Após arguição de nulidades da citação que se mostram sanadas, mas implicaram anulação do processado e atraso na tramitação o E… foi de novo citado e deduziu oposição, impugnando o alegado pelos credores e defende ter sido a insolvência fortuita.

O processo prosseguiu sem incidentes de relevo e a final foi proferida sentença que decidiu: “a) qualificar a insolvência de “B…, Ldª” como culposa; b) declarar afectado pela qualificação como culposa da insolvência o seu gerente, E…, e, consequentemente, c) determinar a inibição de E…, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 02 (dois) anos; d) determinar relativamente a E… a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.” O Requerido E… apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1. O Tribunal a quo não logrou encontrar suporte probatório para as considerações em que se estribou na pretensão da qualificação da Insolvência como culposa que, ao invés, deveria ter-se por fortuita por não se verificarem os requisitos legais daquela.

  1. Considerou o Mm.º Juiz do Tribunal a quo que não foram cumpridas as obrigações previstas nas alíneas h) (manutenção da contabilidade organizada) e i) (apresentação e colaboração ao Administrador de Insolvência até à elaboração do parecer) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.

  2. Mais entendeu o Tribunal recorrido que a devedora não ilidiu a presunção de conhecimento da situação de insolvência prevista pelo art.º 18.º n.º 3 do CIRE e, consequentemente, não afastou o previsto na al. a) do n.º 3 do art.º 186.º do Código.

  3. Não obstante, a douta sentença ora posta em crise deu como não verificado o nexo de causalidade entre a omissão do dever de apresentação à insolvência e o agravamento da situação de insolvência com prejuízo para os credores.

  4. Dos factos provados permite-se concluir que aqueles são manifestamente insuficientes para a qualificação da insolvência como culposa.

  5. Aliás, só os factos 2, 3, 14, 20, 23 a 31 da secção II.A. contendem ou são contemporâneos com a gerência de E…, sendo-lhe anterior toda a demais factualidade provada.

  6. E mais: nenhum dos 31 factos constantes de tal secção permitem sequer indiciar um mínimo de culpa na ocorrência da situação de insolvência.

  7. Já das 3 alíneas que integram a secção II.B. dos factos dados como provados na douta sentença em crise resulta que os factos enunciados como b) e c) apontam inequivocamente no sentido do carácter fortuito da insolvência! 9. E a alínea a) da mesma secção não dispõe de qualquer suporte probatório nos autos, sendo que se apresenta como uma dedução não justificada e puramente conclusiva, até porque nunca poderia resultar da prova documental carreada e a única testemunha atendida pelo Tribunal não depôs – nem o poderia fazer – sobre tal matéria.

  8. Acaso se tenha tratado de lapso do Tribunal a quo que nesta secção II.B. pretendia verter os factos tidos como não provados, impõe-se a sua rectificação em conformidade, o que se requer, sem deixar de se sublinhar que dos mesmos não se poderá extrair qualquer consequência com relevo na decisão da causa por, consabidamente, não resultar provado o seu contrário.

  9. Resulta claramente do disposto no n.º 1 do art.º 186 do CIRE, que para a Insolvência ser qualificada como culposa, é necessário que interceda em termos de causalidade (criando-a ou agravando-a) a actuação do devedor, que sempre terá que ser dolosa ou com culpa grave.

  10. No caso em apreço, temos que resulta claramente do parecer do Senhor Administrador que não foram apurados quaisquer factos susceptíveis de qualificar a Insolvência como culposa, nomeadamente por não se ter verificado nenhum incumprimento legalmente previsto e pelo facto de a falta de solvabilidade da sociedade advir de condições desfavoráveis no mercado em contexto de crise económico-financeira.

  11. Não ficou, assim, provada qualquer actuação do Recorrente que seja flagrantemente reprovável ou altamente censurável, apta a causar ou a agravar a situação de insolvência. Bem pelo contrário! 14. Concluindo-se pois, que da consulta feita à gerência nenhum elemento subjectivo se pode retirar no sentido de que a mesma foi dolosa.

  12. Daqui resulta que, não podendo considerar-se demonstrados os requisitos da insolvência culposa, a mesma deverá, necessariamente, qualificar-se como fortuita.

  13. Por outro lado, não era exigível – nem sequer possível – ao aqui apelante actuar de outra forma, pois que os factos em discussão neste incidente reportam-se a períodos anteriores à sua gerência.

  14. Com efeito, a conduta que os factos provados permitem imputar ao recorrente é tão só a de que não cumpriu o dever de colaboração com o AI e que, por motivos não apurados, apenas se conhece que a contabilidade se encontrava actualizada até Março/Abril de 2009, não tendo sido entregue ao AI.

  15. O incumprimento destes deveres apenas faz presumir, nos termos do art.º 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE, que o ora recorrente agiu com culpa grave em relação à situação de insolvência, sem que tal seja suficiente, no entanto, para sem mais se qualificar a insolvência como culposa.

  16. Haveria que ter ficado também demonstrado que esse incumprimento presumido de "gravemente culposo" foi causa da situação de insolvência, criando-a ou agravando-a, sendo que, a esse propósito, os factos provados nada dizem.

  17. Aliás, a douta sentença é absolutamente lapidar ao constar a falta de tal nexo causal! 21. Tudo visto, impõe-se concluir que a insolvência não pode ser qualificada como culposa, devendo ao invés ter-se por fortuita, em linha com o que foi doutamente decidido por esse Venerando Tribunal, entre muitos outros, nos Acórdãos de 20-10-2009 (P. 578/06.5TYVNG-A.P1) e 10-02-2011 (P. 1283/07.0TJPRT-AG.P1).

  18. A decisão recorrida fez errada interpretação dos art.ºs 185.º, 186.º, 188.º e 134.º do CIRE, na subsunção dos factos a estes normativos, normas que, entre outras, violou.

    A final pede que se revogue a sentença recorrida e que se qualifique a insolvência como fortuita.

    Os Credores não apresentaram contra-alegações.

    O MP contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

    Cumpre decidir Os factos julgados provados na 1ª instância foram os seguintes (transcrição): 1-A contabilidade da insolvente encontra-se efectuada até Março/Abril de 2009.

    2- O. AI solicitou à Gerência da insolvente os documentos contabilísticos.

  19. Não foram apreendidos, nem são conhecidos, quaisquer bens ou direitos susceptíveis de apreensão para a Massa Insolvente.

    4- A insolvente é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, legalmente constituída em 17/04/2002.

    5- A insolvente foi constituída com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), integralmente realizado, correspondendo uma quota de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a favor do sócio F…, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com G…; outra quota de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a favor desta G….

    6- O objecto social da sociedade insolvente é o comércio e reparação de automóveis, motos, motos de água e outros veículos motorizados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT