Acórdão nº 651/11.8TATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 651/11.8TATNV, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas foram as arguidas A...

e B...

, melhor identificadas nos autos, submetidas a julgamento, acusadas e pronunciadas pela prática em co-autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 02.07.2013, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: «Assim e pelo exposto, o Tribunal decide, julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente, 1) CONDENAR a arguida A...

    pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de 8 euros (oito euros), o que perfaz o total de 1.120 euros (mil cento e vinte euros).

    2) CONDENAR a arguida B...

    pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de 10 euros (dez euros), o que perfaz o total de 1.000 euros (mil euros).

    (…) Decide-se ainda declarar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil D..., e CONDENAR, solidariamente, as demandadas civis e arguidas, A...e B..., no pagamento àquela, como indemnização pelos danos patrimoniais que ficou demonstrado terem sido por ela sofridos em consequência da prática por aquelas do crime de falsificação de documento, e que se traduzem:

    1. Da quantia de 24.856,07 euros a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela demandante D..., correspondente ao valor do seu crédito sobre a referida sociedade “ C..., B... & A...”.

    2. Do valor dos juros de mora que se vencerem, calculados sobre o montante referido na alínea a), desde a notificação das demandantes B... e A... para a presente acção, à taxa legal que vigorar para os juros civis, e que se encontra actualmente fixada em 4%.

      Por outro lado, decide-se ABSOLVER as demandadas civis A... e B... da restante parte do pedido de indemnização deduzido pela demandante civil D...

      pelos restantes juros de mora reclamados neste pedido de indemnização civil, designadamente os que se teriam vencido antes da notificação das demandadas no requerimento onde foi formulado o pedido de indemnização civil.

      (…)» 3. Inconformadas recorrem as arguidas, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

    3. Foi em estado de assombro que as ora arguidas tomaram conhecimento do teor de douta sentença, que de forma absolutamente impiedosa as condenou pelo crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º n.º 1 alínea d) do Código Penal, e em subsequente multa no valor de 1120,00€ relativamente à arguida A..., e 1000,00€ à arguida B....

    4. O Tribunal não podia, com o devido respeito, condenar as arguidas com tamanha impetuosidade face, primeiramente, à inexistência do tipo legal de crime em causa, ou, caso assim não seja douto entendimento superior, face à absoluta ausência dos elementos subjetivos tendentes à confirmação da prática deste tipo legal de crime.

    5. No seguimento da produção de prova ocorrida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal entendeu que a mesma se enquadrava no tipo legal de crime de falsificação de documento p.p. no artigo 256.º do CPP.

    6. Ocorre contudo que, é notório, na perspectiva das Recorrentes, que face à prova dada como provada, e que infra se coloca em crise, a mesma não é apta seguramente à constatação seguramente à constatação de estarmos perante o crime de falsificação de documento p.p. no artigo 256º do CPP.

    7. A verdade é que, o bem jurídico tutelado pelo crime de Falsificação de Documento, é a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.

    8. O que se pretende no tipo legal de crime em causa, é a proteção do “documento” em si, e nem sequer a fé pública ou a confiança pública que deles emane, mas sim a força probatória do documento, a segurança, e a credibilidade dos meios de prova documentais no tráfico jurídico-probatório.

    9. A doutrina e a jurisprudência dominantes têm considerado que a previsão do artigo 256º do CPP engloba tanto a falsidade material (quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente – o documento não é genuíno), como a falsidade intelectual (quando o documento é genuíno mas não traduz a verdade por haver desconformidade entre a declaração e o que dele consta).

    10. Nesses casos, pode efetivamente defender-se estarmos perante a prática de crime de falsificação de documento p.p. no artigo 256.º do CPP.

    11. Sendo que, in casu, não ocorreu nenhuma destas situações, dado que se deu como provado que as arguidas declararam com o fito de dissolver a sociedade, que esta não possuía passivo a liquidar, tendo sido efetivamente tal declaração, que ficou plasmada no aludido documento.

    12. Em caso semelhante ao dos autos, pode ler-se em sumário do AC. de 14-04-2010, proferido pelo TRP: k) “A declaração inverídica perante o notário, no ato da celebração da escritura pública da dissolução da sociedade, segundo a qual não tinha qualquer passivo a liquidar não é suscetível de constituir o crime de falsificação de documento do artigo 256º do C.P”.

    13. Face à sua absoluta pertinência e atualidade, pela reprodução de sumário de Acórdão proferido a 19-06-2013, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, num caso análogo ao dos presentes autos: 1 - A declaração inverídica perante notário no ato de celebração de escritura pública de dissolução da sociedade, segundo a qual esta não tinha passivo a liquidar, não é suscetível de constituir o crime de falsificação de documento; 2 - Na falsificação intelectual ou ideológica é incorporada, no documento, uma declaração distinta da declaração que foi prestada, e por isso falsa. A alteração surgirá aquando da formação do documento, fazendo-se constar nele uma declaração que não foi produzida ou que é diferente da que é realizada; 3 - Ora, a arguida declarou na ata da assembleia-geral que deliberou pela dissolução da sociedade que esta não tinha qualquer passivo a liquidar. E foi isso, e apenas isso mesmo que declarou perante o oficial público e este incorporou na escritura outorgada. Logo, o documento em si não apresenta qualquer mácula: reproduz fielmente o ato; 4 - Por outro lado, a mesma assembleia e a ata que narra a deliberação tomada tinha por objetivo a dissolução da sociedade, e não é a circunstância de conter uma declaração inverídica sobre a existência de um débito que abala ou anula essa sua finalidade. O elemento alterado não tem alcance suficiente para causar dano ou pôr em perigo a segurança jurídica probatória que o documento, pela sua natureza e características, está destinado a projetar. A ata não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar; não é meio de prova suscetível de ser usado para excecionar eventuais débitos.

    14. Ocorre ainda vício na fundamentação da sentença – que se invoca 410º n.º 2 a) e b) do C.P. Penal, pois que da prova produzida não se provaram fatos suscetíveis de revelar o elemento o elemento subjetivo do tipo legal de crime – falsificação de documento – em concreto a intenção de causar prejuízo a outra pessoa, ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.

    15. Ao provar-se, mercê de prova documental (fls. 442 a 496) e testemunhal, que foram pagos créditos após a dissolução da presente sociedade, como pode defender-se, sem cair em contradição insanável que a dissolução da presente teve como fito principal a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, ou obter para si ou para outra pessoa, benefício ilegítimo? o) Resultando também provado em 15, 15, 17 e 18 da matéria provada que as arguidas nunca se furtaram a negociações tendentes ao pagamento à sociedade demandante a D..., não pode defender-se pela verificação do elemento subjetivo deste tipo legal de crime.

    16. Por último, e caso não colha nenhuma das argumentações supra, não se entende, como é que, face à prova testemunhal, totalmente unânime no que concerne ao alegado alheamento da arguida B... relativamente ao funcionamento da presente sociedade, o Tribunal considera que tal evidência não resultou provada.

    17. Espanta tal constatação pelo Tribunal a quo, porquanto manifestamente oposta aos depoimentos ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento, incluindo as testemunhas da demandante.

    18. Pelo que face ao total alheamento do funcionamento da sociedade, deve a ora arguida, ser absolvida por inexistência dos elementos suscetíveis de revelar os elementos subjetivos do tipo legal de crime em apreço.

    19. Por último, face à prova documental junta aos autos, não podia o Tribunal ter mencionado na prova provada a 19) “(…) em data não concretamente apurada, mas situada entre o último trimestre de 2009 e o início de 2010, vendeu o estabelecimento comercial que pertencia àquela sociedade”, na medida em o documento junto a fls, atesta que o referido negócio ocorreu objetivamente em data anterior à das declarações alegadamente concretizadoras do tipo legal de crime de falsificação de documento.

      Termos em que face ao exposto, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.as deve: Conceder-se provimento ao presente; Revogar a sentença ora em crise, absolvendo as arguidas do crime que lhes vem imputado.

  2. Por despacho exarado a fls. 738 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

  3. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: 1.º Não violou o Tribunal “a quo” qualquer disposição legal ao condenar as arguidas pela prática do crime de...

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