Acórdão nº 93/08.2GASJP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 93/08.2 GASJP.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 93/08.2 GASJP, corre termos pelo Tribunal Judicial de S. João da Pesqueira, B… e C… foram submetidos a julgamento em tribunal singular, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputou, respectivamente, a prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado e, em autoria material, de um crime de auxílio material.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 02.07.2013 (a fls. 156 e segs.) e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se:

  1. Condenar o arguido B… pela prática, em co-autoria material, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203.º, nº 1; 204.º, nº 2 al. e), com referência ao art.º 202.º als. d) e e), todos do C. Penal na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.

  2. Suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de 2 (dois) anos e 4 (meses); c) Absolver o arguido C… da prática de um crime de auxílio material, previsto e punido pelo art.º 232º, nº 1 do Código Penal.

  3. Condenar o arguido B… nas custas do processo, que se fixam em 2UC, nos termos dos artigos 513.º nºs 1e 3 e 514.º nº1, todos do C.P.P. e do art.º 8.º, nº5 e da TABELA III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008 de 26 de Fevereiro”.

Inconformado, almejando a sua absolvição, o arguido B… interpôs recurso da sentença para este Tribunal da Relação com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): 1. O d. Tribunal recorrido procedeu a uma errada valoração da matéria do facto tida por assente nos pontos 1. a 6. dos factos provados.

  1. O Tribunal recorrido deu por provados esses factos com base essencialmente na convicção extraída do auto de reconstituição de fls. 17 a 20, constando da própria sentença uma referência clara à “ausência de prova directa” e a menção ao “carácter decisivo para a motivação probatória da já anunciada reconstituição dos factos”. 3. O d. Tribunal a quo andou mal ao dar aqueles factos por provados precisamente por ter andado mal ao considerar válido e valorável o auto de reconstituição.

  2. Não fosse a valoração que o Tribunal recorrido fez do auto de reconstituição e esses supra mencionados factos teriam necessariamente de ser dados por não provados já que mais nenhuma prova foi produzida no sentido da positividade dos mesmos.

  3. Consta do auto de constituição de arguido que a mesma ocorreu às 17:00 horas do dia 26 de Novembro de 2008, ao passo que consta do auto de reconstituição que esta teve início às 15:00 horas e terminou às 16:00 horas desse mesmo dia, ou seja, antes da constituição de arguido.

  4. Atenta essa factualidade o arguido veio arguir no decurso da audiência de discussão e julgamento a proibição de valoração do auto de reconstituição visto que as declarações do arguido aí prestadas teriam sido produzidas sem que previamente se respeitassem as formalidades previstas no artigo 58.° do CPP, mormente sem que o mesmo tivesse previamente sido constituído arguido e informado dos seus direitos e deveres.

  5. De fls. 8 dos autos consta que “(...) o Averiguando, em conversa informal com o B1…, o mesmo disse que tinha sido ele e um seu colega de nome F… mais conhecido por F1…, que tinham assaltado o referido Restaurante.” 8. Se no decurso desta inquirição informal o órgão de polícia criminal teve conhecimento de que o declarante estaria envolvido nos factos objecto deste processo deveria, nos termos do artigo 59.°, n.º 1 do CPP, ter de imediato suspendido a mesma e procedido conforme consta no n.º 2 do artigo 58.° do CPP, ou seja, deveria ter procedido à constituição de arguido e à indicação e, se necessário, explicação dos seus direitos e deveres processuais.

  6. E que o arguido deve ser constituído como tal e informado dos seus direitos e deveres, mormente do direito de constituição de defensor, para que a partir desse momento possa adoptar a posição processual que entenda mais adequada à defesa dos seus direitos e interesses e veja assegurado o exercício dos seus direitos e deveres processuais (artigo 60.° do CPP).

  7. Fundamenta o douto Tribunal recorrido que: considerando as declarações da testemunha D… nada nos autos impõe a conclusão de que o arguido só foi devidamente informado dos seus direitos e deveres após aquela diligência, não obstante se consignar hora subsequente à realização daquele auto, correspondente à da formalização documental do auto; o próprio artigo 58.°, n.º 2 do CPP permite que a constituição de arguido se faça verbalmente; 11. O d. Tribunal recorrido, diante da prova produzida não poderia ter decidido no sentido acabado de enunciar.

  8. A testemunha E…, militar da GNR, ao serviço do NIC de Moimenta da Beira, refere ao minuto 12.50 do seu depoimento que não tem a certeza se a constituição de arguido ocorreu antes ou depois da reconstituição, repetindo ao minuto 00.10 da segunda gravação do seu depoimento que não sabe nem consegue precisar se a constituição de arguido se fez antes ou depois da reconstituição.

  9. A testemunha D…, militar da GNR, ao serviço do NIC de Moimenta da Beira, refere ao minuto 01.40 do seu depoimento que pensa não ter existido qualquer engano na indicação da hora no auto de constituição de arguido, acrescentando ao minuto 02.10 que o que fazem é olhar para o relógio e colocarem a hora que vêem no relógio. Refere ainda ao minuto 03.20 que primeiro foi feito o auto de reconstituição e depois o auto de constituição de arguido, que a reconstituição se iniciou às 15:00 horas e que depois terão ido para o posto (...). Acresce que ao minuto 04.00 do depoimento desta testemunha a mesma refere a instância do Sr. Juiz que o auto de interrogatório de arguido foi às “cinco” e a constituição de arguido foi “um bocadinho” antes. Refere novamente a testemunha, ao minuto 04.40 que a reconstituição foi antes. Ao minuto 05.04 declara a testemunha que só quando fazem o interrogatório é que comunicam ao arguido os direitos e que a reconstituição terá sido antes até porque foi em Novembro, altura em que lá para as 5/6 horas já é de noite e nota-se pelas fotografias juntas ao auto de reconstituição que é de dia. Questionado pelo Sr. Juiz acerca da possibilidade de a constituição de arguido ter operado por forma verbal a testemunha refere frontalmente, ao minuto 08.10, que não se recorda de tal ter acontecido.

  10. Atentas as declarações das testemunhas acabadas de mencionar não compreende o recorrente como pode o Tribunal recorrido considerar cumpridas as formalidades atinentes à constituição de arguido.

  11. É a testemunha D…, em cujo depoimento se alicerçou a convicção do Tribunal, quem refere expressamente e reafirma que a constituição de arguido apenas ocorreu após a elaboração do auto de reconstituição.

  12. Sendo a que testemunha E… refere tão só não se recordar do que aconteceu.

  13. Não competia ao arguido demonstrar que não gozava da qualidade de arguido aquando da reconstituição já que tal resulta evidente da análise conjugada do auto de constituição e interrogatório de arguido com o auto de reconstituição. Era ao MP, salvo melhor entendimento, que, pretendendo utilizar tal meio de prova, cabia demonstrar fundadamente que a constituição de arguido ocorreu antes da diligência de reconstituição e portanto de forma diversa da plasmada nos autos.

  14. E nem se diga que 0 depoimento da testemunha D… foi hesitante face ao tempo decorrido e à falta de imediata recuperação cognitiva das circunstâncias de prova.

  15. Na verdade o mesmo sempre disse que a reconstituição foi efectuada antes da constituição de arguido e apenas começou a hesitar em tal versão dos factos após as perguntas formulados pelo MP que, com o devido respeito, consideramos sugestivas.

  16. Mas nunca o mesmo afirmou cabalmente que a constituição de arguido tenha ocorrido verbalmente ou antes da hora constante do respectivo auto.

  17. Embora o artigo 58.º do CPP permita que a constituição de arguido se faça verbalmente, ainda que o respectivo auto se faça posteriormente, a verdade é que nenhuma das mencionadas testemunhas referiu que assim tenha acontecido, ou seja, que tenha procedido verbalmente a constituição de arguido antes da reconstituição e tenha depois, às 17h00, formalizado o respectivo auto.

  18. Consta do auto de constituição de arguido elaborado às 17H00 (fls. 10): “Iniciando o presente acto, foi comunicado ao (à) denunciado(a) que a partir deste momento, se deve considerar arguido(a) em processo penal (...), tendo-lhe sido explicados os direitos e deveres que lhe assistem”.

  19. Ora além de nenhuma testemunha ter mencionado que a constituição de arguido ocorreu de forma verbal consta do auto redigido às 17H00 que foi no início daquele acto que foi comunicado ao denunciado que se deveria considerar arguido em processo penal, nesse momento lhe tendo sido explicados os direitos e deveres que lhe assistem.

  20. A própria redacção do auto contraria o entendimento plasmado pelo d. Tribunal recorrido na medida em que dela não consta nem que tenha havido constituição do arguido por comunicação verbal nem explicitação direitos e deveres antes da elaboração do auto — é do próprio auto que consta que tal ocorreu “iniciando-se o presente acto”, leia-se às 17h00.

  21. Não merece acolhimento aquela ideia segundo a qual a constituição de arguido poderia ter sido efectuada verbalmente e só após reduzida a auto, seja porque se assim fosse tal modus operandi deveria constar do auto (cfr. al. c) do n.° 3 do artigo 99 do CCP quando exige a descrição especificada das operações praticadas), seja porque consta do próprio auto, redigido às 17H00 desse dia, que é a partir desse momento que o arguido detém essa qualidade processual, tendo sido nesse momento que lhe foram lidos e...

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