Acórdão nº 65/12.2GAPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCACILDA SENA
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO No processo supra identificado, foi submetido a julgamento, A... , completamente identificado nos autos, e condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção, previsto e punido pelo artº 154º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por igual período de multa, a que equivalem 180 (cento e oitenta) dias de multa, á taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o total de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros); Foi ainda o mesmo arguido condenado, agora, como demandado civil, a pagar à demandante C...

a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos com o crime.

* Inconformado com o assim decidido, veio o arguido recorrer, extraindo da respectiva motivação as seguintes Conclusões: I – O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de coação p.p. pelo art. 154º do C.P., por entender existir: a) Erro na análise da prova produzida em Julgamento, quer b) Contradição entre a fundamentação e/decisão, quer quanto c) Erro na aplicação do direito.

II – Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultam da prova produzida em Audiência de Julgamento violou, ainda, o disposto no artº 355º nº1 do CPP.

III – O Tribunal a quo ao dar como provados os factos, na versão que consta da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do CPP.

IV – O Tribunal a quo baseou a sua convicção apenas no depoimento dos ofendidos (demandante civil) não se fazendo qualquer outra prova e desconsiderando por completo o depoimento do arguido e da sua testemunha de defesa, e, que também esta tinha conhecimento directo dos factos em litigio.

V - Tais depoimentos são parciais e intencionais, porquanto os queixosos são partes directamente interessadas na condenação do arguido, até pelo facto de estarem a dever prestações ao arguido, o que reforça a parcialidade da prova.

VI - Sem prescindir do supra alegado e admitindo, por mera hipótese académica, como provados os fados em que assentou a sentença objecto de recurso, constatamos, claramente, que o recorrente não praticou o crime de coação, p. e p., pelo artº 154º do C.P., porquanto da prova produzida e nomeadamente dos dizeres do dito papel e que constam dos autos, conclui-se que dos mesmos apenas constam factos e não juízos de valor.

VII - Acresce também o facto que se comprova através de cópia dos escritos realizados pelo arguido e que constam dos autos nomeadamente, fls. 9, o qual se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais e transcrevemos parcialmente na parte mais relevante: “…como credores não temos a intenção de ofender ninguém, muito menos qualquer tipo de coação”.

VIII - Daí que, o motivo ou propósito da colocação dos ditos papeis pelo arguido destinou-se a realizar um interesse legitimo o cumprimento do contrato de compra e venda da viatura e o respectivo pagamento, das prestações que os ofendidos, posteriormente vêm cumprindo.

IX - Os pressupostos do crime de coação simples ou agravada é a perda de liberdade de determinação, o constrangimento, em consequência de violências ilegítimas, físicas ou morais, levando o sujeito a praticar um acto que não deseja, afectando a livre determinação do individuo,.

X - Porém, resulta do nº 3 alínea a) do artº 154º que o facto não é punível “se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável, XI - Deverá ter-se em conta todo o circunstancialismo concreto porquanto o arguido ao afixar os ditos papeis apenas tinha o objectivo de receber o que os ofendidos efectivamente lhe deviam e, tal como resulta do próprio teor dos mesmos não era sua intenção ofender e muito menos exercer qualquer tipo de coação sobre os ofendidos.

XII – Pelo exposto, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou, nem aplicou, correctamente o artº 154º do C.P.

XIII – Por outro lado e tendo ficado demonstrado que os ofendidos efectivamente deviam as prestações ao arguido, nunca reclamaram por escrito ou judicialmente de qualquer deficiência do veículo automóvel que adquiriram ao arguido, reconhecendo inclusivamente que a avaria da dita viatura tinha sido provocada pelo ofendido B..., resulta que o comportamento do recorrente, assentou em motivação não censurável, pelo que, estamos perante uma situação de falta de culpa, nos termos do artº 17º nº1 do C.P.

XIV – Além do mais, e tal como resulta das declarações do arguido (minutos 10:16:31 a 10:26:55 e 11:32:31 a 11:33:21) da testemunha B... (minutos 10:27:27 a !0:46:29) bem como das várias certidões no âmbito de outros processos judiciais juntas pelo arguido e que constam dos presentes autos o arguido não tinha consciência da ilicitude (artº 17º nº1 do C.P.)-. Este erro sobre a ilicitude tanto pode ser directo com indirecto, ou seja: tanto pode consistir na ignorância de que a acção praticada (artº 154º nº1) é ilícita, como pode consistir na errónea convicção de que o fim visado pela coação praticada (artº 154º nº3) exclui a ilicitude desta.

XV – Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime a que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pedido Cível.

XVI – Aliás, como resulta da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não ficou provado que o tribunal erradamente deu como provados mormente os nºs 10,11,12,13,14,15,16,17,18 e 19, na verdade o Tribunal a quo considerou apenas os depoimentos dos ofendidos e demandante civil não tendo sido produzida qualquer outra prova e, baseada em juízos de valor subjectivos, condena o arguido na quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos morais, quantia essa que a verificar-se a prática do crime, o que só por mera hipótese académica se admite, terá de ser substancialmente reduzida.

XVII – Em suma, não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a substituição por outra que absolva o arguido do crime e do pedido cível em que foi condenado.

* O recurso foi recebido.

* A Demandante civil, C..., respondeu ao recurso defendendo a bondade e o acerto da decisão recorrida.

Respondeu também o Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, respondeu ao recurso defendendo que a sentença não merece qualquer censura quer do ponto de vista da matéria de facto, quer da aplicação desta ao direito.

* Já nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta do Ministério Público em primeira instância, e detendo-se mais em pormenor, na subsunção dos factos ao direito, emitiu Parecer, no sentido do improvimento.

* Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir * I – FUNDAMENTAÇÃO Da audiência de discussão e julgamento resultaram os seguintes Factos provados: 1) No dia 18/10/2011 o arguido A... vendeu aos ofendidos B...

e esposa, C..., um veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula (...)AJ, pelo valor de € 4.512,00 (quatro mil quinhentos e doze euros), preço que, nos termos acordados e deduzida a quantia entregue como princípio de pagamento, deveria ser liquidado em 18 (dezoito) prestações iguais mensais e sucessivas de € 242,00 (duzentos e quarenta e dois euros).

2) Mercê de problemas mecânicos que o AJ apresentara em Março de 2012, atempadamente denunciados ao arguido pelos ofendidos, estes resolveram não liquidar a prestação que entretanto se vencera em 10 de Abril, até que efectuasse as necessárias reparações no automóvel, o que também lhe comunicaram.

3) Desagradado com tal situação, em momento não concretamente apurado, mas seguramente entre as 22h00m de 10/04/2012 e as 07h00m do dia subsequente, afixou no portão da residência dos ofendidos sita na Rua (...), bem assim, num veículo automóvel estacionado no respectivo logradouro, três panfletos, cujo teor consta de fls. 9, o qual aqui damos por reproduzido para os devidos efeitos legais e transcrevemos parcialmente na parte mais relevante: “Dívida de B...e C.... (…) Dívida toda vencida por incumprimento sem qualquer justificação (...). Nota 1: Esperamos não se tornar necessário afixar estes editais noutros locais que os devedores frequentam, nomeadamente, junto à residência de familiares no lugar do (...) à porta de locais de trabalho e outros que vocês pensam que não conheço… Atenção: apenas aguardamos hoje uma resposta concreta sobre esta dívida, antes de expor estes editais nos locais acima referidos, mais nas caixas de correios dos vossos vizinhos, durante o tempo que forem devedores (…)” 4) Os ofendidos mal tomaram...

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