Acórdão nº 1420/11.0T3AVR-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelVÍTOR MORGADO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 1420/11.0T3AVR-C.P1 Origem: 2º Juízo de Instrução Criminal do Porto Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Com base nos factos descritos no despacho do Ministério Público, de fls. 6466 e seguintes do processo principal – que fundamentou a apresentação em juízo, para 1º interrogatório, de 22 arguidos detidos – foi julgada fortemente indiciada a prática pelos mesmos arguidos, em execução continuada e em comunhão de esforços, de um crime de corrupção passiva, previsto pelo artigo 373°, nº 1, do Código Penal e aí declarado punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Em síntese e segundo tal despacho, tais factos traduzem-se em “um esquema montado pelos arguidos – uns como examinadores de condução automóvel e outros como instrutores e empresários de escolas de condução – na concessão de carta de condução a quem, por algum modo, não a podia obter ou não a conseguia obter, a troco de quantia monetária, que repartiam.

Na sequência desse 1º interrogatório, foram aplicadas diversas medidas de coação, designadamente: a suspensão do exercício de funções/profissões quanto a 12 arguidos, a obrigação de permanência na habitação a 3 arguidos e a prisão preventiva de 5 arguidos, incluindo do arguido B…, enquanto examinador de condução automóvel.

Posteriormente, por ter sido ordenada a apreensão de um veículo pertencente ao referido arguido B…, veio este requerer (folhas 8044 e segs.) o levantamento da apreensão de tal veículo automóvel, alegando que o mesmo foi adquirido com o crédito proveniente do seu trabalho e em data anterior a qualquer ilícito que lhe é imputado.

Entretanto, o Ministério Público requereu a declaração de excecional complexidade do processo.

Por despacho de 14/8/2013, o Ex.mo Juiz de Instrução indeferiu o levantamento da apreensão do veículo e decretou a excecional complexidade do processo.

*Foi por discordar do decidido nesse despacho de 14/8/2013, que o arguido B… veio interpor os presentes dois recursos.

No primeiro desses recursos, o mencionado arguido resume o conteúdo das suas alegações através das seguintes conclusões:

  1. O veículo automóvel apreendido ao arguido não tem qualquer relação com o objeto de investigação.

  2. O douto despacho de fls. 8069 a 8071, na parte em que se pronunciou quanto ao pedido de revogação da medida que decretou a apreensão do veículo automóvel, marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-IX-.., é nulo, por falta da fundamentação prevista no art. 97º, nº 5, do Código de Processo Penal, que, por isso, foi violado.

  3. A apreensão do veículo automóvel, de marca BMW, não revela grande interesse para a prova, nos termos do art. 178.° do Código de Processo Penal, porque a prova a produzir, já foi toda recolhida.

  4. Não existe qualquer ligação funcional ou instrumental entre o automóvel do arguido e o crime de corrupção passiva que está a ser investigado nos presentes autos, "uma vez que entre a utilização o automóvel e a alegada prática do crime não se verifica uma relação de causalidade adequada", consabido que sem a utilização do veículo a infração teria sido praticada na mesma "com efeito, o arguido sempre ter-se-ia deslocado a Mirandela utilizando outro meio de transporte, E) Conforme resulta dos autos, o veículo de marca BMW, aquando do início das investigações, já se encontrava na posse do arguido, ora recorrente, pelo que não foi adquirido com o dinheiro proveniente, de qualquer ilícito.

  5. O automóvel, não é assim um meio indispensável para a alegada prática do crime de corrupção que está a ser investigado nos presentes autos.

  6. Nos termos do artigo 186º do Código de Processo Penal, os bens apreendidos devem ser restituídos logo que se mostrar desnecessária a apreensão.

  7. A interpretar desta forma tão "extensiva" os segmentos legais do artigo 178º do Código de Processo Penal e art. 109.° do Código Penal, sempre se violaria, como viola, o art. 18º da CRP, por crassa desproporcionalidade e desnecessidade da medida limitadora de direitos fundamentais, inconstitucionalidade que para todos os efeitos se deixa desde já invocada.

  8. No caso em apreço, o veículo apreendido não tem qualquer relação com o objeto do processo, a sua posse foi devidamente justificada, não há qualquer indício de ter uma proveniência ilícita e a manutenção da apreensão está a causar graves prejuízos para o arguido e seu agregado familiar.

Termina o arguido B… este seu recurso requerendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine o imediato levantamento da apreensão do veículo automóvel de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-IX-.., e a sua restituição imediata ao recorrente.

*No 2º recurso que interpôs, o mesmo arguido condensou as suas motivações formulando as seguintes conclusões: 1. O despacho recorrido não tem mérito, deverá ser revogado porque contrário à lei (veja-se em idêntico sentido o Ac. do VTRP de 28-07-2010, 1ª Secção, proferido nos autos nº 974/09.6JAPRT-A.P1).

  1. Não se pode ter por fundamentada de facto a declaração de direito da excecional complexidade do processo, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 215° do Código de Processo Penal, visto que o presente procedimento criminal, nem de longe nem de perto, se aproxima das características de excecional complexidade objeto de apreciação nos acórdãos citados no item 5 do texto das motivações e para os quais se remete, que mais não é que um expediente artificial e gravoso para a vida dos arguidos, Por isso, 3. A pretensa fundamentação aduzida para a referida declaração nem atinge a virtualidade de vir a ser considerada como tal 4. O arguido considera que a existência de 50 arguidos, 5 em prisão preventiva, não é suficiente para considerar que estamos perante um processo com uma complexidade acima do comum.

  2. Porque não basta aferir o número de arguidos para um processo ser declarado de excecional complexidade.

  3. Cremos que não pode falar-se de um processo com excecional complexidade, pois este não pode ser intitulado de processo “monstruoso”.

  4. Não sendo os autos excecionalmente complexos, como não são, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, deferindo a pretensão do recorrente, ordene a imediata restituição deste à liberdade, logo que se mostrem cumpridos seis meses de prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação.

    *Respondeu o Ministério Público aos recursos interpostos, sustentando que nenhum deles merece provimento.

    Idêntica posição tomou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no breve parecer apresentado nesta 2ª instância (em que remete para as contra-alegações da resposta).

    *Cumpre decidir.

    *II – FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

    Depois de proceder à transcrição das peças processuais que revelam interesse para a decisão da causa, passar-se-á à decisão dos recursos, adiantando-se que as principais questões a decidir são as de saber se: ● o despacho que indeferiu o levantamento da apreensão do veículo é nulo; ● não existe fundamento para manter tal apreensão; ● o processo não é excecionalmente complexo, para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.

    * A)- O despacho sobre medidas de coação após 1º interrogatório (transcrição) «Face às declarações dos arguidos constantes a fls. 4627 e ss. do vol. 15°, e as constantes no vol. 21°, como da testemunha a fls. 6058 do vol. 21°, como das Mº Pº, designadamente escutas telefónicas, no despacho que introduziu os factos a juízo de fls. 6466 e ss. e por esses mesmos factos de que tudo foi dado a conhecer aos arguidos, ficando a fazer parte integrante deste despacho dando-se por reproduzido nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 6 e 7 do artigo 194° do Código de Processo Penal, indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos, em execução continuada e em comunhão de esforços, de um (1) crime de corrupção passiva, previsto e punido pelos artigos 28°, nº1 e 373°, nº 1 do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos.

    Importam sucintamente os factos num esquema montado pelos arguidos, uns como examinadores, e outros como instrutores e empresários de escolas de condução, na concessão de carta de condução a quem, por algum modo, não a podia obter ou não a conseguia obter, a troco de quantia monetária que repartiam.

    Era assim este esquema conseguido pelos arguidos face à atividade profissional que os mesmos exerciam.

    O modo de execução dos factos, revela, assim, uma personalidade fria e organizada dos arguidos, sendo que poderiam e deveriam prever as consequências da sua conduta, nomeadamente quanto ao impacto da mesma no seio da comunidade, sendo que, atentas as funções dos arguidos C…, D…, B…, E…, G…, H… e I…, como examinadores, e por sua vez, por toda a ação envolvente por parte do arguido F… toma na prática do mesmo como instrutor e profícuo angariador, fazem impor como única medida proporcional, necessária e adequada a privativa da liberdade.

    [ ] Isso impõem questões de ordem de prevenção geral e especial.

    A prevenção geral de integração assenta na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto [a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada]. Tutela não num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada e do estabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime – Ac. Rel. Porto, de 06-03-2013, proc. 425/12.9 PDPRT, Relator: Dr. Francisco Marcolino.

    Na verdade, como muito bem refere o Mº Pº na sua promoção, "os arguidos para tirar a carta de condução e para poderem circular nas estradas de forma...

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