Acórdão nº 1730/12.0TBVRL-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução12 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 1730/12.0TBVLR-B.P1 Tribunal Judicial de Vila Real 3º Juízo Relatora: Judite Pires 1ª Adjunta: Des. Teresa Santos 2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. B…, S.A., com sede na …, …, ..º andar, Lisboa, intentou contra a sociedade C…, Lda., com sede na Rua …, nº .., sala .., em Vila Real, Providência Cautelar Especificada para Entrega Judicial de Imóvel Objecto de Locação Financeira, ao abrigo do disposto no art. 21º do D.L. nº 149/95, de 24/06 (redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 30/2008, de 25/02).

Para tanto, alega, em síntese, que celebrou com a requerida um contrato de locação financeira imobiliário, tendo por objecto uma parcela de terreno para construção, que identifica, e que entregou àquela.

Adianta que a Requerida apenas pagou 38 das 180 prestações contratadas, deixando de pagar as vencidas de 22/06/2011 a 22/04/2012 e, bem assim, as prestações que se venceram, na sua totalidade, posteriormente.

Mais alega que o termo do contrato foi comunicado à Requerida, por carta registada, com aviso de recepção, e que esta, contrariamente ao acordado, não procedeu à devolução do dito imóvel, nem mesmo à regularização das rendas vencidas e não pagas.

Termina, sustentando nestes factos o respectivo pedido de decretamento judicial da entrega do supra aludido imóvel, objecto do contrato em litígio.

Após ser liminarmente admitido o procedimento cautelar instaurado, determinou-se a citação da requerida, a qual, após decidido o recurso de impugnação do apoio judiciário que havia formulado, deduziu oposição.

Nela alega, primeiramente, a inexistência e desconhecimento de qualquer declaração resolutiva do contrato por parte da Requerente, invocando de seguida a nulidade do contrato por falta de forma prevista na lei.

Pugnando, por fim, pela improcedência da providência requerida.

Realizou-se a audiência, com inquirição das testemunhas arroladas.

Após, foi proferida decisão que, julgando procedente a pretensão do requerente, decretou a providência cautelar por ele requerida, ordenando a entrega imediata à mesma do imóvel identificado nos autos, objecto do contrato de locação imobiliária celebrado com a requerida.

  1. Por não se conformar com tal decisão, dela veio a Requerida interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1ª Conclusão: São cinco os fundamentos da presente apelação, a saber: (1) Impugnação da matéria fáctica; (2) Não verificação dos pressupostos ou requisitos da providência ou requisitos da providência cautelar a que se reporta o presente procedimento; (3) Abuso de direito por parte do requerente e enriquecimento sem causa deste; (4) Nulidade da sentença apelada; (5) Nulidade do contrato correspondente ao documento número 2 junto com o requerimento inicial.

    1. Conclusão: Em sede de impugnação (1º fundamento do presente recurso), dir-se-á que existem factos relevantes para a decisão d causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que foram alegados pela requerida na oposição, constituindo defesa por excepção, devendo, por não terem sido, como não foram, impugnados pelo requerente, constar, nos termos dos artigos 487º-2, 490º, 502º e 505º, todos do CPC, da factualidade vertida na sentença apelada, o que não sucede. Tais factos são os constantes do anterior ponto II-2-A, neles se incluindo, frise-se, os factos constitutivos dos, pela requerida invocados, abuso de direito por parte do requerente, e enriquecimento sem causa deste, a que se faz referência no ponto II-2-C.

    2. Conclusão: Em relação ao 2º fundamento deste recurso, diremos que não se verificam os pressupostos exigidos pelo artigo 21.º-1 e 4º, do Decreto-Lei nº 149/95, para ser admissível a providência cautelar, que o requerente, através do presente procedimento cautelar, pretende obter, pressupostos estes consistentes em estarmos em presença de um contrato de locação financeira, e de tal contrato ter sido previamente resolvido, ou ter cessado pelo decurso do tempo. E isto, porque, e quanto à resolução do contrato, o documento número 3, junto ao requerimento inicial, não é uma declaração resolutiva, que tenha produzido os seus efeitos no dia 01 de Junho de 2012, como resulta, com toda a clareza, do documento junto pela requerida na audiência de discussão e julgamento, datado de 26 de Junho de 2012, e que refere haver então ainda mora da requerida, o que é incompatível com um contrato já resolvido. E também porque a comunicação correspondente a tal documento número 3, junto com o requerimento inicial, não está dirigida, ao contrário do que impõe o artigo 261º-1, do CSC, a pelo menos um gerente da requerida, a cujo conhecimento, nem sequer mesmo à respectiva esfera do poder, tal comunicação nunca chegou, pois que não é de nenhum gerente, nem de nenhum empregado da requerida, a assinatura aposta no aviso de recepção respectivo, ao contrário do que determina o artigo 231º-1 e 3, do CPC. Todos estes factos foram alegados pela requerida na oposição, como matéria de excepção, e não foram impugnados pelo requerente, devendo pois considerar-se provados por acordo (artigos 487º-2, 490º, 502º e 505º, todos do CPC).

      Por outro lado, o contrato celebrado, em 29 de Abril de 2009, entre o requerente e a requerida, não é um contrato de locação financeira imobiliária, por não consagrar, ou permitir, a possibilidade, que é uma característica nuclear dos contratos de locação financeira, do locatário financeiro, ou seja, a requerida, poder optar, no final do contrato, por adquirir o bem financeiramente locado, não se aplicando pois a tal contrato a providência cautelar prevista no artigo 21º, do Decreto-Lei n.º 149/95, que é própria dos contratos de locação financeira. E isto porque tal opção é, se não juridicamente, pelo menos em termos práticos, económicos e de realidade, afastada, pelo facto de, nos termos de tal contrato, no final do mesmo, ou seja, 180 meses após o respectivo início, a requerida já ter pago pelo menos 72.000,00 euros, do preço da compra do imóvel em causa, significativa importância esta que se então, isto é, no final do contrato, ela inexoravelmente perderia, o que lhe retira, na prática, totalmente a liberdade de poder optar por comprar, ou não, o imóvel em questão, sendo praticamente obrigada a comprá-lo.

    3. Conclusão: Em relação ao 3º fundamento deste recurso, é manifesto que, ainda que o requerente tivesse, em abstracto, o direito de utilizar esta providência cautelar, que, face ao atrás exposto, não tem, a utilização dela, na situação concreta em análise, sempre traduziria um abuso de direito e um enriquecimento sem causa por parte do requerente, pois que a respectiva procedência conduziria a que o B…, S.A. ficasse com o imóvel em questão, e se enriquecesse, sem qualquer causa, com uma parte significativa do preço do mesmo imóvel, com referência a uma venda ele, que, afinal, não fez.

    4. Conclusão: No que tange ao 4º fundamento, dir-se-á que a sentença sob recurso é nula, por não ter apreciado, nem decidido, como não apreciou, nem decidiu, o abuso de direito e o enriquecimento sem causa, a que se reporta a 4ª conclusão anterior, e que foram ambos invocados pela requerida na oposição (artigos 660º- 2, 668º-1-d), 676º-1, 678º-1 e 679º, todos do CPC).

    5. Conclusão: Quanto ao 5º fundamento deste recurso, ele consiste em o contrato correspondente ao documento número 2 junto com o requerimento inicial ser nulo, por força do disposto no artigo 294º, do CC, pois que tal contrato viola a disposição legal de carácter imperativo, no caso o número 2, do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 149/95, em virtude de a assinatura do locador financeiro, em tal contrato aposta, não se mostrar, como não se mostra, reconhecida por notário, nem por entidade equiparada.

      Nulidade esta que a requerida, não obstante ter cumprido, como cumpriu, o contrato durante 38 meses, a contar do seu início, sem lhe assacar qualquer vício, podia invocar, como invocou, pois não se verificam os pressupostos dos quais a doutrina e a jurisprudência fazem depender que tal invocação, posto que algo tardia, constitua um abuso de direito, o qual, se tivesse ocorrido, que não ocorreu, poderia levar realmente à impossibilidade dessa invocação por parte da requerida.

    6. Conclusão: Motivos pelos quais, e muito embora sem que isso constitua qualquer demérito para o mui Ilustre Senhor Juiz que a proferiu, deverá ser revogada a aliás douta sentença recorrida, por ter violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente os artigos 294º, 334º e 808º, os três do CC; o artigo 261º-1 do CSC; os artigos 231º-1, 487º-2, 490º, 502º, 505º, 660º-2, 668º-1-d), 676º-1, 678º-1 e 679º, todos do CPC e o artigo 21º-1 e 4, do Decreto-Lei nº 149/95, revogação esta que se peticiona a V. Ex.ªs (…)”.

      Não foram apresentadas contra-alegações.

      Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

      II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

      1. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - Se a sentença recorrida padece de nulidade; - Se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto; - Natureza do contrato celebrado entre as partes; - Nulidade do contrato; - Se ocorre abuso de direito e enriquecimento sem causa em relação à requerente.

      - Se se mostram ou não preenchidos os pressupostos da providência cautelar especificada requerida e decretada na sentença sob recurso.

      III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Pelo tribunal recorrido foram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT