Acórdão nº 1752/12.0TBVNO-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução03 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… requereu ao Sr. Juiz de Direito do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, que se procedesse a inventário para partilha da herança aberta por óbito de D… e se designasse cabeça-de-casal.

Fundamentou esta pretensão no facto de D…, com última residência em …, ter falecido, no estado de divorciada, no dia 22 de Julho de 2012, deixando como herdeiros os filhos, M…, residente na Rua …, A…, F…, J…, T… e S…, de não lhe convir manter a indivisão dos bens deixados por aquela, tendo celebrado, no dia 1 de Agosto de 2012, na qualidade de filha mais velha, escritura de habilitação de herdeiros, com vista a legitimar-se para arrecadar e administrar a herança, desconhecendo a existência de qualquer disposição testamentária deixada pela falecida, de que só tomou conhecimento, quando o interessado A… lhe remeteu cópia da escritura de rectificação de herdeiros, contendo em anexo cópia de um testamento, de existir conflito dos herdeiros quanto à administração da herança, e, da sua parte, receio de extravio dos bens que a integram, podendo o cargo de cabeça-de-casal, sem prejuízo do disposto no artº 1339/1 ser deferido ao interessado A...

Por despacho de 18 de Dezembro de 2012, a Sra. Juiz de Direito nomeou, como cabeça-de-casal, a requerente do inventário, que, no dia 17 de Janeiro de 2013, declarou, em auto, na presença do seu Exmo. Mandatário, que a inventariada, que residia em …, faleceu, no estado de divorciada, no dia 22 de Junho de 2012, deixou testamento e como herdeiros os filhos, ...

O interessado A… impugnou a competência do cabeça-de-casal e requereu a sua nomeação, em substituição da requerente, para esse cargo.

Alegou, como fundamento da impugnação, que esse cargo deve ser desempenhado por si, dado que residia com a inventaria há mais de um ano.

Oferecida, pela cabeça-de-casal, a resposta, a Sra. Juiz de Direito, por despacho de 18 de Abril de 2013, epigrafado de “remoção do cabeça-de-casal”, depois de observar que do requerimento apresentado como resposta ao pedido de remoção não era compreensível se aceitava a matéria alegada pelo requerente da remoção ou se a impugnava, nem tão pouco, se aceitava ser substituída, ordenou a notificação dela para, em 10 dias, esclarecer as questões apontadas.

A cabeça-de-casal declarou, então, que mantinha o requerimento anterior, que é verdade que a inventariada residia há mais de um ano com o interessado A…, com a ressalva de que este mantinha a sua mãe numa situação que impossibilitava a cabeça-de-casal como outras pessoas de os visitarem ou mesmo com ela falarem, e que não aceita ser substituída.

Por despacho de 1 de Julho de 2013, a Sra. Juíza de Direito, depois de ponderar que a cabeça-de-casal reconheceu corresponder à verdade que a falecida vivia há mais de um ano, à data da morte, com o interessado, que estava assente que todos os herdeiros indicados têm o mesmo grau de parentesco com a inventaria e que A… vivia com esta há mais de um ano à data da morte, que o cargo de cabeça de casal deveria ser deferido a esse A…, deferiu o requerido e nomeou-o para o exercer as funções de cabeça-de-casal.

É esta decisão que a interessada M… impugna através do recurso ordinário de apelação, no qual pede a sua revogação e substituição por outra que a mantenha no cargo de cabeça-de-casal ou, se assim, se não entender que ordene a produção de prova no incidente.

A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta, o interessado A… concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso[1].

    Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte dispositiva da decisão que for desfavorável ao recorrente, âmbito que pode ainda ser restringido pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões da alegação (artºs 684 nº 2, 1ª parte, e nº 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação das partes, as questões concretas controversas que esta Relação deve resolver são as de saber se aquela decisão se encontra ferida com o vício na nulidade substancial e, em qualquer, caso se deve ser revogada e substituída por outra que reinvista a apelante no cabeçalato, ou menos, que ordene a produção das provas propostas pelas partes.

    Um dos fundamentos do recurso consiste na contradição entre a decisão que designou a recorrente como cabeça-de-casal e a decisão impugnada - que a substituiu, nesse cargo, pelo interessado A… – pelo que esta última decisão ofendeu o artº 675 do CPC. Este fundamento da impugnação, devidamente interpretado, resolve-se na alegação da violação, pela decisão recorrida, do caso julgado formado sobre a decisão que investiu a recorrente no cabeçalato.

    A resolução dos problemas apontados vincula, portanto, ao exame da causa de nulidade da decisão judicial representada pela falta de fundamentação e de pronúncia, das regras de nomeação e de substituição do cabeça-de-casal e da eficácia da composição do inventário, no tocante ao cabeçalato, do despacho que designa o cabeça-de-casal.

    3.2.

    Nulidade da decisão por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

    A falta de motivação ou fundamentação da decisão judicial verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 158 nº 1 do CPC de 1961 e 154 nº 1 do NCPC).

    Isto é assim dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.

    Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso[2].

    A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

    Portanto, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

    Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial[3]. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[4].

    A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

    Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.

    No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da...

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