Acórdão nº 123/12.3TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução13 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I. O arguido A...

, entretanto já melhor identificado, submetido a julgamento junto do Tribunal a quo, sob a aludida forma de processo comum singular, isto porquanto alegadamente incurso, segundo oportuna acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática de factos que o instituiriam na autoria material, de um crime descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo art.º 355.º do Código Penal, findo o contraditório, acabou condenado como agente do assacado crime, na pena de 4 (quatro) meses de prisão que, nos termos do disposto nos art.ºs 43.º, n.º 1, 47.º e 71.º todos do mesmo Código Penal, se substituiu por idêntico número de dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

1.2. Porque irresignado com tal veredicto, recorre para este Tribunal, extraindo da motivação através da qual minutou o dissídio, a seguinte ordem de conclusões: 1. Os únicos elementos de prova existentes nos autos (certidão de fls. 2/4 e documento de fls. 73/4) mostravam-se insuficientes para a comprovação do elemento objectivo do ilícito apontado ao recorrente.

  1. À míngua do preenchimento do tipo objectivo do ilícito, é evidente que não se pode afirmar o dolo ou, se afirmado, como parece resultar dos pontos 6 e 7 da matéria provada, o mesmo é irrelevante.

  2. É indiferente, que, “na caracterização do tipo subjectivo”, o tribunal tivesse considerado provado que o arguido sabia que estava a subtrair ao poder público o veículo penhorado de que era fiel depositário, pois que o dolo afirmado nos pontos 6.º e 7.º dos factos provados não decorre dos factos objectivos provados pelo que, desconhecendo-se o destino dado ao veículo não se pode afirmar que o arguido tivesse agido com intenção de o subtrair ao poder público.

  3. A convicção do tribunal recorrido não se encontra sustentada em nenhum tipo de prova de carácter testemunhal nem tão pouco a documental carreada para o processo e produzida em audiência de julgamento é suficiente para dar como assentes os factos constantes de 1.º a 7.º do elenco dos factos provados.

  4. O tribunal a quo cometeu os erros de julgamento previstos não só no art.º 127.º, do Código de Processo Penal, como também nas als. a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º, do mesmo diploma adjectivo, normas que assim resultam violadas pela peça sob censura.

  5. É elemento típico do crime de descaminho, p.p.p. art.º 355.º, do Código Penal, a destruição, o dano, a inutilização do bem confiado à guarda do agente, sendo que dos autos nada disto resultou, mas apenas (apesar de o arguido entender que nem isso pode ser dado como provado) que o mesmo não procedeu à entrega do bem penhorado, nem informou da sua localização.

  6. A conduta do arguido em levar o veículo para parte incerta, não significa, nem equivale, a afirmar-se que “houve destruição, danificação, inutilização ou subtracção” daquele bem, sendo a prova de qualquer dessas modalidades da acção indispensável para se considerar preenchido o tipo objectivo do crime aqui em análise pois que da constatação da simples não entrega ou da falta de apresentação não se pode deduzir que tenha havido descaminho.

  7. Em todo o caso, verifica-se manifesto erro de julgamento, quanto aos factos dados como provados nos pontos 6 e 7 uma vez que o dolo não se podia inferir nem deduzir dos demais factos concretos dados como provados.

  8. Entre outros, a decisão recorrida violou o disposto seguintes art.ºs: 32.º, da Constituição da Republica Portuguesa; 127.º e 410.º, n.º 2, als. a) e c), ambos do Código de Processo Penal, e 355.º, este do Código Penal.

Terminou pedindo que no provimento do recurso se revogue a decisão recorrida, absolvendo-se o arguido da prática do crime imputado.

1.3. Notificado nos termos e para os efeitos do art.º 413.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, contra-alegou o Ministério Público, sufragando o improvimento do recurso.

1.4. Proferido despacho admitindo o recurso, e cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para esta 2.ª instância.

1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do mesmo diploma adjectivo, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer concordante com a posição já assumida na 1.ª instância pelo Ministério Público, ou seja, tendente à manutenção do sentenciado.

1.6. O arguido, acatado o estatuído pelo art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não respondeu.

1.7. Aquando do exame preliminar a que se reporta o n.º 6 do mesmo inciso, além de se consignar que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária da impugnação, exarou-se que também nenhuma outra obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir com a recolha de vistos – o que se verificou – e submissão dos autos a conferência.

Cabe, então, ponderar e decidir.

* II.

Fundamentação de facto.

2.1. A sentença recorrida considerou como provada a seguinte factualidade: 1. No dia 16 de Fevereiro de 2006, na Rua (...), Viseu, no âmbito do processo n.º 820-A/2002, do 3.º Juízo do Tribunal de Águeda, em que era executado o arguido, foi penhorado o veículo automóvel de matrícula XO-98-57; 2. Na data da referida penhora o dito automóvel foi entregue ao arguido, na qualidade de fiel depositário, o qual foi devidamente notificado e ficou ciente de que devia proceder à sua entrega quando tal lhe fosse exigido, não podendo utilizar ou alienar tal bem (fosse por venda ou doação ou qualquer outro título), sob pena de incorrer em procedimento criminal; 3. Acresce que, pelo menos desde 19 de Maio de 2011, foi o arguido contactado para efectuar a entrega do bem penhorado ou colocá-lo à disposição do encarregado de venda, não tendo o mesmo entregue ou mesmo fornecido a localização do aludido automóvel; 4. Aquando da penhora foi o arguido notificado de que deveria conservar e apresentar os bens quando para tal fosse notificado, sob pena de não o fazendo, incorrer na prática de um crime; 5. Não obstante, o arguido não procedeu à entrega do bem penhorado ou informou da sua localização, sendo certo que o levou para parte incerta impedindo assim que o estado o possa vender; 6. O arguido estava ciente de que, ao retirar (ou ao permitir que retirassem) do local onde se encontrava à data da penhora, o referido bem, este ficava subtraído ao poder que o Estado exercia sobre o mesmo. Sabia ainda que o bem supra referido se encontrava legalmente penhorado, e que, deste modo, frustrava as finalidades da penhora realizada; 7. O arguido sabia ainda que, actuando da forma descrita praticava actos proibidos por lei, agindo livre, voluntária e conscientemente; 8. O arguido encontra-se desempregado desde há cerca de um ano; 9. Não aufere quaisquer rendimentos; 10. Vive em casa própria com a esposa e dois filhos; 11. A esposa trabalha numa empresa de limpezas e aufere a quantia mensal de € 430,00; 12. O arguido tem o 11.º ano de escolaridade; 13. O arguido não tem antecedentes criminais.

2.2. Por seu turno e relativamente a factos não provados, consignou que: Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.

2.3. Por fim, é como segue o teor da motivação probatória inserta na mesma decisão: A convicção do Tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, nomeadamente, no teor da certidão de fls. 2-14 e documento de fls. 73/74 quanto aos factos vertidos em 2.1.1. a 2.1.7., de onde resulta que o arguido foi pessoalmente notificado das obrigações inerentes à nomeação como fiel depositário do veículo e, ainda assim, não procedeu à sua entrega ao encarregado de venda, impedindo, consequentemente, as finalidades da penhora, mormente a venda do veículo e satisfação do credor.

Quanto aos factos atinentes à situação social e económica do arguido, teve-se em consideração as declarações do arguido.

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido relevou o C.R.C. junto aos autos a fls. 68.

* III.

Fundamentação de Direito.

3.1. O objecto de um recurso penal define-se através das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, mas isto sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso [art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal].

Na realidade, de harmonia com o disposto neste n.º 1, e conforme jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ – Acs de 13.05.1998; de 25.06.1998 e de 03.02.1999, in, respectivamente, BMJ’s 477/263; 478/242 e 477/271], o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios e as nulidades da sentença previstos/as no art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, inclusive quando o recurso se encontre cingido à matéria de direito [Acórdão do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995].

No mesmo sentido expende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, 2.ª edição, 2000, escrevendo a fls. 335: “Daí que, se o recorrente não retoma nas...

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