Acórdão nº 327/06.8TTGMR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução04 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Reg. N.º 1018 Proc. N.º 327/06.8TTGMR.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, frustrada a tentativa de conciliação, deduziu contra C… ação declarativa, emergente de acidente de trabalho, com processo especial[1], pedindo que se condene o R. a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia de € 3.566,43, com início em 2007-07-20, o subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.630,80, a indemnização por incapacidade temporária no valor de € 6.050,82, as despesas médicas e medicamentosas no valor de € 1.200, as despesas de transporte para tratamentos no valor de € 1.873,10 e as despesas de transporte ao Tribunal no valor de € 25, para além de juros de mora à taxa legal.

Alegou o A. que no dia 11 de fevereiro de 2006 sofreu um acidente quando trabalhava, subordinada e remuneradamente, para o R., do que lhe advieram lesões que o incapacitaram, temporária e permanentemente, para o trabalho, para além de ter originado despesas inerentes quer ao tratamento médico e medicamentoso dessas lesões quer às deslocações por causa desses tratamentos e destes autos, sendo certo que o R. não havia transferido a responsabilidade por tal reparação para qualquer seguradora.

Contestou o R., alegando não ter ocorrido qualquer acidente de trabalho, atenta a inexistência de vínculo laboral entre ele e o A. ou sequer a prestação de qualquer atividade em proveito daquele; porém, para a hipótese de se entender o contrário, alegou que o acidente ocorreu por culpa do A. sinistrado.

Foi proferido despacho saneador tabelar, consignada a matéria assente [MA] e elaborada base instrutória [BI], sem reclamações conhecidas.

Procedeu-se a exame médico singular, no apenso respetivo.

Realizado o julgamento com gravação da prova pessoal, pelo despacho de fls. 447 a 449 o Tribunal a quo respondeu à BI, sem reclamações conhecidas.

Proferida sentença, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente e absolveu o R. do pedido.

Inconformado com o assim decidido, veio o A., sinistrado, interpor recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. O Recorrente impugna a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido acerca da matéria de facto. No caso dos presentes autos verifica-se tal possibilidade, designadamente o fundamento da alínea a) do nº 1 do artigo 712º, pois que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e o Recorrente impugna através do presente recurso a decisão proferida sobre a decisão de facto.

  1. E impugna expressamente a decisão da matéria de facto proferida relativamente ao facto provado sobre o item 14.

  2. O fundamento do Tribunal para justificar a presença do Recorrente no estabelecimento do Recorrido (por volta de setembro de 2005, o réu permitiu que o autor ocupasse um espaço, no exterior da oficina daquele, com carros do autor e pessoas próximas, que o autor trouxe para ele próprio, quando e conforme queria, ir consertando, em mecânica e/ou chaparia e/ou retocando a pintura. E para o efeito pedia conselhos ao réu, ao pintor que trabalhava para este e ao mecânico com oficina no mesmo pavilhão, pedia-lhes o uso de instrumentos e produtos e pagava ao réu e ao mecânico materiais utilizados), 4. Para além de não ter correspondência com a prova produzida, conforme se demonstrou supra com a transcrição de vários depoimentos, resulta da experiência da vida que não é normal que as coisas assim aconteçam. E, atentas as circunstâncias particulares destes autos, mais é anormal que isso pudesse ter acontecido.

  3. A ser como se diz na sentença, no fundo, o que o Recorrente estava a fazer era concorrência ao Recorrido e com o consentimento e em espaço ou local a este pertencente. Ora, se é normal, pacifica e até saudável a existência de concorrência para a atividade económica, já não é normal, que ela resulte e seja levada a cabo nos moldes referidos.

  4. Mais, como é que o Recorrente poderia levar a cabo essas atividades, nos moldes definidos supra, ou seja: i) Sem qualquer estrutura (no espaço exterior da oficina !?!), ii) sem qualquer ferramenta (pedia emprestado ao Recorrido e ao mecânico!?!), iii) sem materiais (comprava-os ao Recorrido e ao mecânico!?!), iv) isoladamente e ainda por cima fazia de chapeiro e mecânico!?!, v) sem qualquer experiência nos dois ramos (recorrente trabalhou anteriormente na área têxtil - ...).

  5. O Recorrente fez prova de que trabalhava para o Recorrido, que estava sob as suas ordens e direção, tinha horário a cumprir e era remunerado por isso, e uma coisa pelo menos o Tribunal apurou que, pelo menos, desde setembro de 2005 (junho ou julho, nos dizeres do G...) até à data do acidente, o Recorrente esteve ou 'parou' na oficina do Réu.

  6. Porém e disso, não há dúvidas, o acidente não ocorreu no tal espaço físico a que se refere em 14 dos itens provados, pelo contrário, ocorreu no interior do estabelecimento do Réu e mais concretamente na estufa de pintar automóveis, quando o Recorrente estava a manusear uma máquina do Réu (cfr itens 1 e 2 dos factos provados).

  7. Sobre a relação laboral, que o tribunal recorrido considerou não existir, pelo menos as testemunhas D..., E... e F..., invocaram abundantes factos conducentes à existência de vínculo laboral, tudo conforme transcrições daquelas três testemunhas efetuadas supra.

  8. Mesmo que se aceitasse a posição do tribunal, o acontecido no interior da estufa do Recorrido, com a máquina deste, sempre deveria ser visto à luz do artigo 6° nº 1 al. b) da Lei 100/97.

  9. Foram violados os artigos 6º e 10º da lei 100/97 e artigo 6° do DL 143/99 e artigo 12º do código de trabalho de 2003.

    Inconformado com o assim decidido, veio também o FAT interpor recurso de apelação, pedindo que se anule a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. O Fundo de Acidentes de Trabalho foi notificado para proceder ao pagamento de uma indemnização provisória diária e despesas com tratamento ao sinistrado B…, nos termos do disposto no artigo 122º do Código do Processo de Trabalho.

  10. Liquidou o recorrente a esse título a quantia de 27.321,21€, no período compreendido entre 12-02-2006 e 28-11-2012.

  11. A sentença final proferida em 08-01-2013 entendeu que o acidente sofrido pelo sinistrado não é um acidente de trabalho reparável, pelo que absolveu o Réu do pedido.

  12. Contudo, a sentença não prevê a condenação do Autor na restituição, ao Fundo de Acidentes de Trabalho, das quantias por este adiantadas a título provisório.

  13. Dispõe o art. 122º, n.º 4 do CPT que, se a sentença final for condenatória, o juiz deverá condenar a entidade responsável no reembolso das importâncias adiantadas, nada referindo, contudo, quando a sentença for absolutória.

  14. Estamos perante um caso omisso, cuja reparação deverá ser preenchida com recurso à lei processual civil comum, nos termos do artº 1.º, nº 2 do CPT.

  15. E aqui previu o legislador o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória (artigos 403º a 405º do CPC), estabelecendo que na dependência de ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.

  16. Já no artigo 405º, n.º 2 do CPC estabeleceu o legislador que na decisão final, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido.

  17. Ora, entre o procedimento cautelar de fixação das pensões provisórias no âmbito dos acidentes de trabalho e o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória previsto nos artigos 403º a 405º do Código de Processo Civil, não pode deixar de se evidenciar uma clara similitude.

  18. Perante esta similitude das tutelas cautelares em causa e atendendo à aplicação subsidiária do processo civil em processo de trabalho, nada obsta à aplicação ao direito processual infortunístico da norma constante no artigo 405º, n.º 2 do CPC.

  19. Por se tratar de uma norma imperativa, de conhecimento oficioso, deveria o Meritíssimo Juiz ter dela apreciado e incluído na sentença proferida a obrigação de restituição do pagamento efetuado a título de reparação provisória do dano.

  20. Não o tendo feito, terá a sentença de se considerar nula por omissão de pronúncia (art.º 668º, d) do CPC), podendo contudo tal nulidade ser suprida (arts. 668º, nº 4) e a decisão alterada.

  21. Deverá, pois, a sentença recorrida ser considerada nula por omissão de pronúncia, suprida a nulidade e reformada a decisão, no sentido de o Autor B… ser condenado a restituir ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de 27.321,21€.

    O R. apresentou a sua contra-alegação ao recurso do A., que concluiu do seguinte modo: 1ª- Na mui douta Sentença recorrida foram ponderadas todas as circunstâncias a que o Tribunal a quo, de forma objetiva e subjetiva, deve lançar mão para proferir o juízo que a lei impõe; 2ª- A pretensão do apelante não é suportada por quaisquer razões de facto e, menos ainda, de direito, devendo, assim e em consequência, improceder as suas respetivas conclusões; 3ª- "O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova …"; "A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais"; 4ª- "A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares) é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal"; 5ª- "A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância”.

    6ª- De todo o acervo probatório constante...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT