Acórdão nº 156/06.9TASAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | BELMIRO ANDRADE |
Data da Resolução | 23 de Outubro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
Nos autos, após audiência pública de discussão e julgamento, por sentença proferida em 20.01.2011, transitada em julgado, foi decidido: - condenar os arguidos A...
, B...
e C..
., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107°, nº 1 do RGIT nas penas, respectivamente, de: - 150 de multa à razão diária de € 6.00; - 120 de multa, à razão diária de € 7,00; e - 220 dias de multa à taxa diária de € 5.00; - condenar a arguida “D...
, Lda.”, pela prática do mesmo crime de abuso de confiança contra a contra a segurança social previsto e punido pelo artigo 107º, nº1 do RGIT, na pena de 400 dias de multa 3 taxa diária de € 5.00. num lotai de € .2.000.00.
* Tendo a sentença transitado em julgado, os autos prosseguiram os seus termos com vista ao cumprimento das sanções.
Não tendo a arguida sociedade procedido ao pagamento da multa, o Ministério Público veio promover que os arguidos A..., B...e C..., fossem declarados civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa em que foi condenada a sociedade arguida.
* Foi então proferido despacho judicial (fls. 1261-1264) no qual foi decidido: “(…) Constatando-se que os arguidos A..., B...e C... foram condenados como co-autores materiais do crime pelo qual a sociedade arguida também foi condenada, consideram-se preenchidos os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 8° nº 7 do RGIT no que se refere à responsabilidade solidária pelo valor correspondente à multa aplicada.
Pelo exposto, decide-se declarar, ao abrigo do disposto no artigo 8º, n.º7 do RGIT, os arguidos A..., B...e C..., solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa a que a sociedade arguida “ D..., Lda.”, foi condenada nos presentes autos, no valor de €: 2.000,00 (dois mil euros). Notifique os arguidos para procederem ao pagamento”.
* Recorrem do aludido despacho os arguidos C... (fls. 1296 – 1310) e B...(fls. 1313-1317).
* O recorrente C... formula as seguintes CONCLUSÕES (reprodução por sacanner, salvo a parte relativa à reprodução dos termos do processo): (…) 4. Antes de mais, a responsabilidade sancionatória decorrente dessa disposição esta interdita por implicar uma dupla valoração do mesmo facto para efeitos penais, a acrescer ao facto de esta segunda sanção violar os princípios da culpa, não se adequando à natureza e gravidade da infração quando praticada pelo agente a título individual.
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O objecto deste recurso assenta na transmissão de uma responsabilidade penal que era, originariamente, imputável à sociedade ou pessoa colectiva, e a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo.
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A verdade é que a decisão recorrida viola os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência do arguido, consagrados no n.º 3 e do artigo 30.º e no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República.
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A decisão recorrida é, ainda, inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
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O fundamento onde basicamente se alicerça este juízo de inconstitucionalidade é a violação da regra da intransmissibilidade da responsabilidade penal, consagrada no artigo 30.º, n.º 3, da CRP.
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O recorrente, gerente, só pode ser responsabilizado por facto próprio (como não pode deixar de ser, tratando-se de uma responsabilidade subjectiva), não coincidente com o facto gerador da sanção pecuniária.
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Dados os distintos fundamentos e fins dos dois sistemas de responsabilidade, é problemático ver no não pagamento da multa um prejuízo patrimonial configurável como um dano de natureza civil, indemnizável ao abrigo da correspondente responsabilidade.
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Se o fim da multa não era a obtenção de uma receita (mas a imposição de um sacrifício económico, com fins repressivos e preventivos), dificilmente se pode considerar que o não pagamento (ainda que associado a outros factores) gera um dano enquadrável, como um dos seus pressupostos, na responsabilidade civil.
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Não há, assim, a automática transposição, sem mais, para a esfera de um sujeito, da responsabilidade inicialmente gerada na esfera de um outro, por força de factores exclusivamente atinentes à esfera jurídica deste último.
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O chamamento do gerente ou administrador à responsabilidade não se dá por força dos mesmos factores de imputação que conduziram à responsabilidade da pessoa colectiva, meramente redireccionados, por um mecanismo de transmissão, para a esfera debitória daquele sujeito.
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Dá-se porque esse sujeito «incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da multa em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva» (Acórdão n.2 150/2009).
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Daí que esteja assegurada a conexão da sanção com a prática de actos ou omissões por aqueles que a sofrem, mesmo que se admita, na esteira do que acima defendemos, uma comunhão de natureza das duas responsabilidades, o que implica atribuir natureza sancionatória também à que recai sobre os administradores.
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Além disso, quando carregado com o sentido valorativo adveniente do princípio da pessoalidade das penas que o informa, o conceito de transmissão não abrange situações deste tipo.
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Em face do exposto, a questão de constitucionalidade que nos ocupa pode ser formulada, em último termo, como sendo a de decidir da admissibilidade constitucional de um regime sancionatório em que a medida da multa não depende da avaliação, em concreto, do grau de culpa do responsável e das circunstâncias específicas que rodearam a sua actuação.
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Há que ponderar, antes de mais, que, neste caso, a total insensibilidade a factores pessoais, na determinação da medida da sanção, não resulta apenas da irrelevância de elementos de responsabilização reportados à culpa, em concreto, do responsável.
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Na verdade, pessoas colectivas e pessoas físicas são entes morfologicamente bem distintos, com estrutura e grandeza de património tipicamente diferenciáveis.
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Em resultado, a incidência patrimonial subjectiva, o "grau de sacrifício" que uma mesma multa comporta, não são idênticos, quando aplicadas a uma pessoa colectiva ou a um sujeito individual.
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Aliás, o que o legislador, de forma praticamente constante e por um imperativo de justa medida, leva em conta, fixando valores mais elevados para os limites mínimo e máximo das sanções a aplicar a entes colectivos.
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Tal como vem fixada no artigo 8º do RGIT, a responsabilidade subsidiária subverte esse critério diferenciador, ao pôr a cargo do administrador o pagamento de uma multa ou multa fixadas dentro de uma moldura estabelecida por reporte a uma categoria de sujeitos de natureza distinta - a pessoa colectiva responsável pela infracção tributária que deu motivo à sanção.
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Aliás, no caso concreto, a pena de multa aplicada ao recorrente, ab inicio, foi, por tudo isto, substancialmente diferente.
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O recorrente foi condenado a pagar uma multa de 1.100,00 €. Ao invés, 25. A sociedade foi condenada a pagar uma multa de 2.000,00 € 26. Quer isto dizer que, inexplicavelmente, a diferenciação havida, aquando da condenação, agora, por motivo nenhum, é desconsiderada.
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Porque determinadas dentro de uma moldura ajustada à natureza própria da personalidade colectiva do devedor primário, a multa, quando passam a incidir, em igual medida, sobre a pessoa individual chamada, a título subsidiário, à responsabilidade, revelam-se, à partida, desproporcionadamente agravadas.
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E, ao parificar, quanto ao objecto, situações de responsabilidade que, pelo menos do ponto de vista da natureza do sujeito responsável, são estruturalmente desiguais, a solução gera desconformidades com o que o princípio da igualdade exigiria.
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Para além desta inadequação que contamina, in radice, todo o processo sancionatório da conduta culposa dos administradores, não pode ignorar-se que esta, pela heterogeneidade de comportamentos potencialmente englobados, não é susceptível de recondução a um tipo de ilícito e a um grau de culpa tendencialmente uniformes.
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O não atendimento mínimo de limites sancionatórios decorrentes do princípio da culpa abre a porta a que os princípios da igualdade e da proporcionalidade resultem também insatisfeitos, e de forma agravada, dado o desajustamento da própria moldura aplicável, prevista para infracções cometidas por pessoas colectivas.
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Em si mesma, mas, sobretudo, pela sua potencial projecção na ofensa a valores constitucionais de vigência incontroversamente geral, como os da igualdade e da proporcionalidade, uma tal denegação de qualquer eficácia delimitativa à culpa do agente do facto responsabilizador apresenta-se como constitucionalmente desconforme a norma aplicada pelo Tribunal “a quo", 32. Conclui-se, pois, pela inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, por violação dos princípios atrás identificados, nomeadamente, os princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
Termos em que se requer a revogação da decisão impugnada, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, com a aplicação da norma do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
* Por sua vez a recorrente B...formula as seguintes CONCLUSÕES: 1. Conforme resulta do art. 8º, n.º1 do RGIT, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas são apenas subsidiariamente responsáveis, no âmbito do processo-crime, pelas multas aplicadas à sociedade. 2. Do teor conjugado dos art. 8° do RGIT e 24° da Lei Geral Tributária, extrai-se que a responsabilidade subsidiária tributária reveste natureza civil, pois que como tal é sempre tratada e que esta surge numa situação em que: - O obrigado na relação tributária ao cumprimento do imposto não o fez; - Foi contra ele...
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