Acórdão nº 24/12.5PEFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos arts. 121º a 123º do C. da Estrada Por sentença de 16 de Abril de 2013 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de seis meses de prisão.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

I – O digno Tribunal a quo apurou os seguintes factos, com maior relevo para a presente questão: Que «No dia 30 de Março de 2012, pelas 10H20 o arguido conduzia o veiculo ligeiro, modelo A 3 Golf, de cor cinzenta, de matrícula (...)AQ, na estrada Nacional 109, freguesia de Lavos, no sentido este/oeste, em direcção à localidade de Gala, Figueira da Foz».

II – Que o arguido não era titular de carta de condução que habilitasse a conduzir aquele veículo na via pública».

III – Que o arguido «agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de conduzir tal veículo na via pública, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei».

IV – Que o arguido é uma pessoa a quem se não se conhecem indicadores dignos de registo, mantendo uma postura reserva, mas a quem se conhecem hábitos de trabalho que lhe permitem satisfazer as necessidades do seu agregado familiar.

V – Qualquer que seja a decisão, relativamente à apreciação que vier a ser feita às questões infra alegadas, bastariam estes factos supra enunciados, para tirar ilações relativamente ao ilícito criminal preenchido pela conduta do recorrente.

VI – Imposta ao venerando Tribunal ad quem, atentar, in casu para com a sempre eterna e recorrente questão da eventual inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

VII – Recordando, se bem que seja possível descortinar um bem jurídico protegido por esta incriminação cuja determinação e precisão são constitucionalmente aceitáveis ao ponto de permitir esta restrição da liberdade – esse bem é, necessariamente, a segurança rodoviária –, aceitando-se ainda, de uma outra perspectiva, um grau razoável de antecipação de proteção de bens singulares – bens pessoais e o património –, a verdade é que falece a relação necessária entre a proteção ora referida e a incriminação em causa.

VIII – Os crimes de perigo abstrato, quando se apresentem como um «bem jurídico intermédio espiritualizado», ou de referente individual, admitem o fortalecimento da sua legitimidade democrática por poderem ser apreendidos como crimes de lesão desses bens intermédios.

IX – No entanto, a proibição de que aqui se trata devia estar remetida ao Direito de Mera ordenação Social porque o «substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal».

X – Desta forma o ilícito em causa aparece como meramente formal, sem a preexistência de um bem jurídico-penal que apresente o referente axiológico jurídico-constitucional que permita a sua validade.

XI – Não deve ser esta a técnica de fundamentação de bens jurídicos protegidos em Direito penal pois, independentemente do acolhimento de bens de natureza mais ou menos precisa, de tutela mais ou menos antecipada, não é possível punir criminalmente alguém com base em raciocínios formais, meras lógicas de títulos ou autorizações administrativas, que apenas se entendem segundo critérios de ordenação social.

XII – A inconstitucionalidade material é a consequência desta apreciação, por aferição com o art.º 18.°, n.º 2 da CRP que exige um fundamento de valor essencial para permitir restrições de direitos, liberdades e garantias.

XIII – Desta forma importará suscitar a questão da inconstitucionalidade do art.º 3.° n.º 1 e n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3/2 com fundamento na sua inconstitucionalidade, ao abrigo do art.° 207.° da Constituição.

XIV – A questão de constitucionalidade que importará averiguar no presente processo consiste em apurar se existe um fundamento de valor essencial para se proceder à incriminação da condução sem habilitação legal – prevista no art.º 3.° n.º 2. do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro – e, assim, tendo por parâmetro o n.º 2 do artigo 18,º da Constituição, proceder a uma constrição do direito do sujeito a julgamento criminal por aquele ilícito, sabido como é que, num Estado de direito democrático e social, o Direito Penal deverá ter um caráter fragmentário. cumprindo uma função de ultima ratio.

XV – Isto conduz a que é mister saber se o estatuído no art.º 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei em causa viola o princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

XVI – Do exposto resulta que se haverá de concluir que a norma em apreço poderá não apresentar aquele mínimo de ressonância ética que expressa os valores da coletividade, consequentemente não se mostrando, ao desenhar como ilícito criminal a conduta nela tipificada. como desproporcionada, excessiva de uma justa medida e. por isso, se afigurando como incompatível com a dignidade humana o sancionamento criminal que leva a efeito.

XVII – A tal solução, salvo melhor entendimento. se deveria chegar quando se confronta a situação em apreço com aquela a que se reportam os casos em que somente é sancionado com uma contraordenação.

Sem prescindir XVIII – A formulação de um juízo de prognose favorável, condição sine quo non para se poder suspender a execução de uma pena de prisão, deve decorrer das circunstâncias pessoais do arguido à data da comissão do ilícito (art. 50° do CP).

XIX – Reportando-se os antecedentes criminais do recorrente a factos ocorridos há mais de 10 anos, em relação à data dos factos em apreço nos autos, no entendimento deste não deveriam ter assumido a preponderância que assumiram para o juízo de prognose desfavorável que foi feito nos termos e para os efeitos do artigo 50° do CP.

XX – Assim sendo, somos de opinião que o quantum penal aplicado ao recorrente poderia e deveria ter sido suspenso na sua execução, ainda que essa suspensão fosse acompanhada de regime de prova (art. 53° e seg. do CP) e condicionando essa suspensão à condição de este em prazo a fixar juntar documento comprovativo aos autos de que concluiu com êxito o processo de aprendizagem que o habilitará a conduzir veículos.

XXI – In casu, também existiam as condições objectivas e subjectivas para que a pena aplicada fosse substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58° do CP).

XXII – Acreditamos que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reacção penal diversa, uma vez que se trata de alguém integrado familiar, social e profissionalmente e que o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorre da aplicação deste tipo de pena.

XXIII – Com a sentença proferida foi violado o disposto nos artigos 40°, 50° e 58º do CP.

Termos e fundamentos, conjuntamente com os mais com que mui doutamente suprirão, em que se requer que seja, por Vossas Excelências dado provimento ao presente recurso e consequentemente, sejam declarados nulos, por violação do disposto nos artigos 18° n° 2 da Constituição da República Portuguesa, o estatuído nos nºs 1 e 2 do artigo 3.° do DL 2/98 de 03-02, no que concerne à constitucionalidade do crime de condução sem habilitação legal, tudo com as legais consequências.

Sem prescindir deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se a douta sentença proferida, assim sendo feita acostumada JUSTIÇA.

(…)”.

* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que o crime pelo qual foi o recorrente condenado tutela o bem jurídico da segurança rodoviária, não padecendo de inconstitucionalidade, e que não é possível efectuar um juízo de prognose favorável ao recorrente, não devendo haver lugar à substituição da decretada pena de prisão, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pela constitucionalidade da incriminação e pela não substituição da pena de prisão, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A inconstitucionalidade material do crime p. e p. pelo art. art. 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, por violação do art. 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa; - A substituição da pena de prisão pela pena de suspensão da execução da prisão e assim não se entendendo, pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

* Para a resolução da última questão proposta importa ter presente o...

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