Acórdão nº 304/11.4TBCNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 14 de Outubro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 304/11.7TBCNF-A.P1 Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Cinfães do Douro Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário I-O deferimento do pedido de destituição de funções de gerência, no âmbito do inquérito judicial, depende da verificação de justa causa, designadamente, da violação grave dos deveres a que o gerente está legal e estatutariamente sujeito ou da sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
II- Tal justa causa não se verifica quando existam meras irregularidades contabilísticas, cuja prática na empresa, foi sempre tida pelos seus sucessivos gerentes.
III- Cabe ao requerente a prova da factualidade integradora da justa causa da destituição das funções do gerente.
*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: O requerente B… intentou a presente acção com processo especial contra a requerida C… e contra a sociedade D…, Lda. pedindo que se proceda a inquérito judicial a esta sociedade.
Para o efeito alega que é sócio da sociedade requerida e que tem direito a que lhe seja prestada informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da mesma. Entende que existem irregularidades nessa gestão que foram praticadas pela requerida C… pois é ela quem tem gerido a sociedade em exclusivo. Adianta que tem fundadas suspeitas de que a requerida terá desviado, em proveito próprio ou de terceiros, activos que são pertença da sociedade.
Pretende então que: - se apure quais os saldos bancários existentes à data em que a segunda requerida assumiu funções de gerente no E… e F… e bem assim quais os saldos existentes actualmente - se os movimentos bancários têm ou não suporte documental que os justifiquem.
- se os movimentos a débito e a crédito foram efectuados pelas duas gerentes ou exclusivamente pela sócia e gerente C….
- se os cheques pré-datados que existiam em 19 de Novembro de 2004, emitidos a favor da sociedade, foram apresentados a pagamento, e se tiveram ou não boa cobrança.
- quais os clientes que emitiram os cheques pré-datados, e na eventualidade de resposta afirmativa, se há ou não registo dos mesmos, se são depositados em conta própria ou se, pelo contrário são “guardados” de outra forma.
-se os clientes devedores procederam ou não ao pagamento dos débitos listados e, na hipótese afirmativa, se esses valores deram entrada nas contas bancárias da sociedade ou ficaram no “Caixa”.
-apurar-se o valor das compras efectuadas entre 31.12.2004 e 31.12.2010.
-relativamente ao mesmo período de tempo, deverá apurar-se o valor global das vendas realizadas.
*Regularmente citada, a requerida C… apresentou contestação alegando em síntese que o inquérito judicial requerido carece de fundamento legal porquanto a sociedade sempre forneceu ao requerente as informações por ele solicitadas, estando os elementos contabilísticos disponíveis para consulta.
*Foi admitida a realização de inquérito judicial à sociedade e nessa sequência foi efectuada uma peritagem, elaborando-se depois o competente relatório.
*Notificado o relatório pericial, foi prescindida a inquirição das testemunhas arroladas tendo o requerente requerido a destituição da requerida C… do cargo de gerente da sociedade.
* Proferido saneador tabelar e fixada a matéria factual foi, a final, proferida decisão que julgou improcedente o pedido de destituição da requerida C… como gerente da sociedade D…, Lda apresentado pelo requerente B….
*Não se conformado com assim veio o requerido interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1ª.- A douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na matéria de facto e procedeu a um errado enquadramento jurídico dos factos e a uma consequente má interpretação e aplicação da Lei.
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- A decisão recorrida, ao ter dado como provada a factualidade constante das als. l) e s) dos factos provados, nos termos que dela constam, incorreu em erro de julgamento, pecando por manifesta deficiência.
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- O relatório pericial que serviu de base à decisão dos pontos impugnados referidos na conclusão anterior impunha que sobre os mesmos fosse proferida decisão diversa.
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- Atenta a resposta ao quesito g) do relatório pericial, a decisão constante da al. l) dos factos provados deveria ser a seguinte: “Não estão reflectidos na contabilidade os movimentos a débito das contas bancárias, não havendo assim nem contas bancárias nem suporte documental.”.
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- Do mesmo modo, a al. s) dos factos provados, atenta a resposta dos Senhores Peritos ao quesito J, deveria ser a seguinte: “Omissão – Sim. Existe omissão no registo contabilístico na sociedade relativa aos valores mencionados no quesito anterior, omissão gerada no momento da constituição de créditos em causa e fruto da prática contabilística utilizada desde sempre pela empresa e no valor de € 95.877,13 - € 1.605,11 = € 94.272,02 em clientes, para além de não haver certezas quanto ao valor do inventário de mercadorias registado a 31 de Dezembro.
Desvio – Não, dado que os valores entretanto recebidos foram depositados na conta bancária da empresa.” 6ª.- A gerente ora recorrida não procedeu à elaboração de inventário desde 2004 a 2010, não permitiu a reconciliação bancária e mantém a existência de uma contabilidade paralela na sociedade.
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- A inexistência de inventário permite à gerente manipular e falsear os resultados da sociedade, como bem entender, em seu proveito e sem possibilidade de qualquer controlo pelo sócio ora recorrente, em claro prejuízo deste e da sociedade.
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- Na verdade, a inexistência de inventário desencadeia ou permite desencadear um circuito comercial paralelo, isto é (e utilizando uma linguagem corrente e não técnica), vendas “por fora”, inventário “por fora”, lucros “por fora”, do qual resulta clara e gravemente prejudicada a sociedade e o sócio ora recorrente.
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- Por outro lado, a gerente, ao não permitir que seja realizada a reconciliação bancária, impede o sócio ora recorrente de saber se os fluxos financeiros correspondem aos fluxos económicos.
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- Do mesmo modo, ao ter uma contabilidade paralela – ou seja, a existência de um registo extra-contabilístico dos créditos dos clientes, sem reflexo na escrita da empresa – atenta a ilicitude e gravidade de...
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