Acórdão nº 863/13.0TYLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 09.5.2013 “A”, na qualidade de liquidatário único da “B” - Mútua de Seguros dos Armadores de Pesca de Arrasto, em liquidação, requereu no Tribunal do Comércio de Lisboa a convocação da assembleia geral de sócios da dita mútua, nos termos do art.º 1486.º do CPC (de 1961, que será tido em consideração caso nada seja dito em contrário; corresponde-lhe, no CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, o art.º 1057.º).

O requerente alegou, em síntese, que a “B” é uma sociedade mútua de seguros, constituída em 1941, que foi dissolvida e entrou em liquidação conforme deliberação dos sócios de 02.9.2009, que não tem outros órgãos em funcionamento, a que é aplicável o regime jurídico das sociedades comerciais, mais precisamente o das sociedades anónimas, prevenindo o art.º 377.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais que a convocação das assembleias gerais dos acionistas pode ser feita pelo tribunal. Pretende-se que a assembleia delibere sobre o relatório e as contas de liquidação da “B” referentes ao período terminado no dia 31 de dezembro de 2012, apresentados pelo liquidatário.

O requerente terminou pedindo que fosse ordenada a convocação da assembleia geral dos sócios da “B”, conforme os artigos 1486.º, n.º 1, do CPC e 377.º do CSC, mediante publicação do aviso convocatório que apresentou e em termos que indicou, com a designação de um notário para exercer as funções de presidente da assembleia geral.

Distribuídos os autos ao 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, em 23.5.2013 foi proferido despacho em que se julgou o tribunal do comércio incompetente em razão da matéria para conhecer da demanda e consequentemente absolveu-se os requeridos da instância.

O requerente apelou desta decisão, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões: (…).

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO A única questão objeto do recurso é se o tribunal do comércio tem competência, em razão da matéria, para tramitar o processo de convocação de assembleia de sócios previsto no art.º 1486.º do CPC de 1961 (art.º 1057.º do CPC de 2013), respeitante à “B” - Mútua de Seguros dos Armadores de Pesca de Arrasto (em liquidação).

Matéria de facto No que concerne à matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado, sob o n.º 1, que “encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 4ª Secção, com o n.º ..., a cooperativa com a denominação "“B” - MÚTUA DE SEGUROS DOS ARMADORES DE PESCA DE ARRASTO - EM LIQUIDAÇÃO"”.

Ora, a qualificação da ““B”” como cooperativa é, nestes autos, questão controvertida, que integra matéria de direito, pelo que em consequência se alterará, nesta parte, o alinhamento de factos dados como provados na decisão recorrida, mantendo-se a parte restante.

Assim, considera-se como provada a seguinte Matéria de facto 1. A ““B”” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 4.ª Secção, com o n.º ..., com a denominação "“B” - MÚTUA DE SEGUROS DOS ARMADORES DE PESCA DE ARRASTO - EM LIQUIDAÇÃO" e a indicação de que tem a natureza jurídica de “cooperativa”.

  1. Consta do mencionado registo que a referência ao capital 7.481.970,00€ tem sede na AV.ª ... ..., 0000 000 LISBOA e tem por objeto Exercício da indústria de seguros em todo o território português e no estrangeiro, nas modalidades em que estiver autorizada, com vista, primordialmente, à cobertura de riscos e à conservação do património, profissional ou particular, dos seus sócios, mas também das demais entidades estatutariamente autorizadas, podendo ainda interessar-se por quaisquer negócios ou operações que se relacionem ou possam vir a relacionar com a indústria de seguros, privilegiando as demais actividades, directa ou indirectamente, ligadas ao sector das pescas e ao mar, incluindo as de índole comercial, turística ou de recreio, bem assim como as pessoas, singulares ou colectivas, que com aquelas actividades mantenham ligações, profissionais ou não, e os seus familiares. O exercício exclusivo da actividade seguradora compreende também a prática de actos que lhe são complementares, nomeadamente no que respeita a venda de salvados, reedificação de prédios sinistrados e aplicação das respectivas reservas de capitais.

  2. Extrai-se do "acto constitutivo” que: "Organização" Artigo Primeiro: O Grémio dos pescadores da pesca de Arrasto, organismo corporativo constituído obrigatoriamente por todas as entidades singulares e coletivas exercendo a industria da pesca de arrasto, nos precisos termos do Decreto número vinte e nove mil setecentos e cinquenta e cinco, de dezassete de Julho de mil novecentos e trinta e nove, que o instituiu, cria, para os efeitos do número sexto e parágrafo único do artigo quarto, e número sexto do artigo dezassete do mesmo decreto, uma sociedade Mútua de Seguros, a que dá o nome de Mutua dos Armadores da Pesca de Arrasto.

(…) Capítulo III– dos Sócios Artigo nono – os sócios da Mútua, Agremiados do Grémio, ficam para todos os efeitos sujeitos à disciplina corporativa e penalidades previstas no Decreto número vinte e nove mil setecentos e cinquenta e cinco.

Artigo Décimo – Os sócios da Mútua, relativamente à obrigatoriedade, derivante da Lei, de na mesma efectuarem a cobertura dos seguros relativos ao exercício da industria, reconhecerão e aceitarão as decisões da direcção do Grémio sobre os riscos contra os quais se devem segurar, quantitativos e normas.

O Direito O exercício da função jurisdicional é repartido por diversos órgãos jurisdicionais, atendendo a diversos critérios entre os quais avulta o da matéria a que respeitam as respetivas causas.

Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e art.º 18.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.1; ao caso não é aplicável a LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28.8, uma vez que o âmbito de aplicação desta Lei cinge-se quase na íntegra às comarcas piloto referidas no mapa II anexo à Lei – artigos 171.º e 187.º da Lei n.º 52/2008 - e a Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto -, que substitui estes diplomas, aguarda a necessária regulamentação – cfr. os seus artigos 187.º e 188.º; cfr. também o art.º 66.º do Código de Processo Civil de 1961, art.º 64.º do CPC de 2013).

A instituição de diversos tribunais e a demarcação da respetiva competência de acordo com a natureza da relação substancial pleiteada visa a fruição das vantagens inerentes à especialização, que são a maior celeridade e a maior adequação das decisões aí proferidas, por força da particular experiência e preparação dos respetivos magistrados e, quiçá, dos seus funcionários.

Assim, a Constituição da República Portuguesa prevê que “na primeira instância pode haver (…) tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas” (art.º 211.º n.º 2) e que “os tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem funcionar em secções especializadas” (n.º 4 do art.º 211.º). Tal possibilidade é reafirmada, como princípio geral, na LOFTJ, no art.º 64.º (cfr. igualmente o art.º 67.º do C.P.C. de 1961, art.º 65.º do CPC de 2013) e explicitada nos artigos 78.º e seguintes, através da enunciação dos tribunais judiciais de competência especializada que poderão existir e da definição da respetiva área de competência. Os litígios que não couberem no âmbito da competência de nenhum dos tribunais de competência especializada previstos e instalados serão julgados pelo respetivo tribunal de competência residual, o tribunal de competência genérica (art.º 77.º, n.º 1, alínea a) da LOFTJ), em regra o tribunal de comarca (art.º...

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