Acórdão nº 368/11.3GBLSA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução18 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho de 4 de Março de 2013, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, deferindo o requerimento apresentado pelo arguido A…, em 22 de Janeiro de 2013, decidiu autorizar o pagamento da multa, em que este fora condenado, em 4 (quatro) prestações mensais iguais e sucessivas, devendo as mesmas mostrarem-se pagas até ao dia vinte de cada mês, e a primeira prestação ser paga no próximo mês de Abril.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: A. O prazo para requerer o pagamento da multa criminal em prestações, conforme previsto no art.º 47.º, n.º 3, do Código Penal, é o prazo para pagamento voluntário de tal pena, estabelecido no n.º 2 do art.º 489.º, do Código de Processo Penal.

  1. O que decorre da conjugação desses normativos com o n.º 3 deste mesmo inciso legal, e está igualmente conforme com o regime previsto no art.º 491.º, n.ºs 1 e 2, ainda do Código de Processo Penal, para efeitos de instauração de execução para cobrança coerciva da pena de multa.

  2. Em matéria de prazos, dita genericamente o art.107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sua prática extemporânea apenas pode ter lugar nos termos aí mencionados, invocando-se justo impedimento.

  3. Nada na lei nos indica que o prazo em questão está sujeito a um regime diferente, pelo que deve ter-se como peremptório e, portanto, salvo tal alegação e prova, preclusivo.

  4. Tal entendimento em nada colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade: a) porque a própria aplicação de uma pena desta natureza já teve esse objectivo em consideração; b) porque o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão); c) porque mesmo depois da conversão o condenado pode obviar ao cumprimento da prisão pagamento no todo ou em parte a multa em que foi condenado (cfr. art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal) e d) porque a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa nos termos do art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

  5. Ou seja, em todo o regime relativo à execução da pena de multa a prisão subsidiária é, efectivamente, a solução de último recurso, a que o arguido só se sujeita por manifestamente não querer cumprir a pena ou por inércia em fazer chegar aos autos alternativas para a sua execução.

  6. Mantendo-se o arguido assistido de defensor, a quem foi dado conhecimento da liquidação e da notificação àquele para pagamento, está plenamente assegurado o conhecimento dos prazos, procedimentos de execução e consequência do seu incumprimento, em nada ficando afectados os seus direitos de defesa.

  7. Admitir que o arguido não está sujeito ao mencionado prazo de 15 dias é admitir que poderá a todo o tempo ver um requerimento dessa natureza ser deferido (ressalvados os limites temporais contemplados no próprio art.º 47.º, n.º 3), ficando na sua disponibilidade a escolha do melhor momento para cumprir uma pena, o que manifestamente contende com o carácter sancionatório da mesma.

  1. Como assim, ao deferir o requerimento do arguido formulado depois de decorrido o prazo de pagamento voluntário da pena de multa, sem que tivesse sido feita qualquer alegação e prova de justo impedimento, a M.ma Juiz a quo fez incorrecta interpretação da lei, violando o disposto nos citados art.ºs 47.º, n.º 3; 107.º, n.º 2; 489.º, n.ºs 2 e 3, e, 491.º, n.ºs 1 e 2.

O arguido não respondeu ao recurso.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Fls. 257: Dispõe o artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa (...) em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.

Face ao estado dos autos, importa aquilatar da tempestividade do pedido deduzido pelo arguido de pagamento da multa em prestações, ao abrigo do preceituado pelo n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal.

A favor da extemporaneidade de tal pedido, invocar-se-á o consignado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 489.º do Código de Processo Penal, de cuja interpretação literal e conjugada se extrai que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações é o do pagamento voluntário, ou seja, quinze dias a contar da notificação para o efeito.

Porém, a rigidez de tal solução colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e, bem assim, com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio e derradeira via.

Somos, então, de opinião que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações não deverá ser havido como peremptório, nem preclusivo do direito de formular tal pedido, só assim se logrando cumprir o imperativo político-criminal de obviar aos efeitos negativos das reacções penais detentivas.

Aqui chegados, cabe mencionar que o pagamento fraccionado da pena de multa pressupõe a impossibilidade absoluta ou relativa de o arguido, em virtude da sua comprovada incapacidade económica e financeira, proceder ao cumprimento integral da sanção pecuniária.

Assim, tendo em conta os factos provados na sentença sobre a situação pessoal e financeira do arguido, decide-se autorizar o pagamento da multa a que foi condenado em 4 (quatro) prestações mensais iguais e sucessivas, devendo as mesmas mostrarem-se pagas até ao dia vinte de cada mês.

A primeira prestação será paga no próximo mês de Abril.

O não pagamento de uma prestação importa o vencimento das demais prestações, conforme estipulado pelo n.º 5 do citado artigo 47.º do Código Penal, e o não pagamento integral da multa poderá determinar a sua conversão em prisão subsidiária.

Notifique.» * * O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte: - se a M.ma Juiz a quo violou o disposto no art. 47.º, n.º 3, do C.P. e os artigos 107.º, n.º 2, 489.º, n.ºs 2 e 3, e 491.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P., ao deferir o requerimento do arguido para pagamento da multa em prestações, formulado depois de decorrido o prazo de pagamento voluntário da pena de multa, sem que tivesse alegado e provado o justo impedimento.

- Passemos ao conhecimento da questão.

O arguido A... foi condenado por sentença de 12 de Julho de 2012, pela prática de um crime de violação de domicílio, p. p. pelo art.190.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja, na multa de € 360,00.

A sentença foi depositada na Secretaria Judicial ainda em 12 de Julho de 2012.

A Secretaria Judicial procedeu à liquidação da multa, fixando como terminus para o pagamento voluntário da mesma, o dia 4 de Janeiro de 2013, facto dado a conhecer ao arguido, através de notificação postal endereçada em 3 de Dezembro de 2012 para a morada que indicara no TIR (todavia devolvida com a menção de que “não atendeu”) e por notificação endereçada, na mesma data, para a sua defensora oficiosa.

Por requerimento, que deu entrada nos autos em 22 de Janeiro de 2012, o arguido A... requereu ao Tribunal a quo autorização para pagar a multa em que foi condenado, em quatro prestações mensais e sucessivas.

A Ex.ma Juíza, deferiu este requerimento, fundamentando a sua decisão na «..

opinião que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações não deverá ser havido como peremptório, nem preclusivo do direito de formular tal pedido, só assim se logrando cumprir o imperativo político-criminal de obviar aos efeitos negativos das reacções penais detentivas.» O Ministério Público não se conforma com o despacho recorrido, alegando para este efeito, e em síntese, o seguinte: Da conjugação do art.º 47.º, n.º 3, do Código Penal, com o n.º 2 do art.º 489.º, do Código de Processo Penal, decorre que o pagamento da multa em prestações, previsto naquele preceito, tem de ser requerido até ao termo do prazo previsto nesta última norma, isto é, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação para o pagamento da multa. Em matéria de prazos, dita genericamente o art.107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sua prática extemporânea apenas pode ter lugar nos termos aí mencionados, invocando-se justo impedimento.

Nada na lei nos indica que o prazo em questão está sujeito a um regime diferente, pelo que deve ter-se como peremptório e, portanto, salvo tal alegação e prova, preclusivo.

Tal entendimento em nada colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade: a) porque a própria aplicação de uma pena desta natureza já teve esse objectivo em consideração; b) porque o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão); c) porque mesmo depois da conversão o condenado pode obviar ao cumprimento da prisão pagamento no todo ou em parte a multa em que foi...

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