Acórdão nº 75/12.0GBMIR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelAB
Data da Resolução18 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO § 1.º 1 – Na sequência de pertinente julgamento no âmbito processual (Processo Abreviado), pela sentença documentada na peça de fls. 59/78 foi o sujeito-arguido A… absolvido dum assacado crime de desobediência (p e p. pelo art.º 348.º do Código Penal) – consubstanciado em desacatamento de ordem de pessoal identificação que lhe fora transmitida por militares da Guarda Nacional Republicana (doravante também identificada por GNR).

2 – Fundou-se, para tanto, a competente julgadora, no seguinte essencial ajuizamento factual (positivo e negativo) e jurídico (com realces pelo ora relator): 2.1 – Juízo fáctico-comportamental: 2.1.1 – Positivado (tido por provado): «[…] 1. Em 22 de Julho de 2012, em altura não concretizada, mas por volta da 01h40m, o Arguido estacionou o veículo automóvel com a matrícula (...) RB, em cima do passeio, sito na Rua Raul Brandão, Praia de Mira, junto ao Bar “Mac Íris”.

  1. Cerca da 01h40m, o militar da GNR B...

    deslocou-se para junto dos dois automóveis que ali se encontravam estacionados, um dos quais o do Arguido, a fim de ordenar a sua retirada e de ordenar a respectiva participação pela contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 49º nº 1, al. f) e nº 3 do Código da Estrada.

  2. O Arguido dirigiu-se então àquele militar e questionou se iria ser autuado.

  3. Como o militar respondeu afirmativamente, o Arguido afirmou que então não iria retirar a viatura.

  4. O militar da GNR solicitou então a identificação do Arguido, o qual recusou, virando-lhe as costas e dirigindo-se para o interior do Bar “Mac Íris”.

  5. Nessa sequência, o militar da GNR transmitiu, ainda no exterior do Bar, que caso o Arguido não apresentasse a sua identificação poderia ser detido.

  6. Não obstante, o militar da GNR deslocou-se para o interior do bar e solicitou novamente a identificação do Arguido, ao que este respondeu que não iria facultar a sua identificação a quem quer que fosse.

  7. O militar da GNR, juntamente com o seu colega, o militar C…, transmitiu ao Arguido que caso não facultasse a identificação incorreria num crime de desobediência.

  8. O militar da GNR solicitou então ao Arguido que se deslocasse para o exterior do bar, onde lhe pediu novamente a identificação e lhe transmitiu que, caso não o fizesse, incorreria num crime de desobediência e seria detido.

  9. O Arguido negou mais uma vez fornecer a sua identificação, afirmando ainda “É com o vosso Major que resolvemos o problema”.

  10. O militar da GNR podia solicitar a identificação do Arguido face à contra-ordenação praticada por este, atento o disposto no artigo 49º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

    […]» 2.1.2 – Negativo (tido por não provado): «[…] Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, designadamente, não se provou:

    1. Que o Arguido quisesse, por essa forma, subtrair-se ao cumprimento de tal ordem de exibição de identificação, em total desrespeito pelo teor dessa mesma ordem.

    2. Que o Arguido quisesse agir com o propósito de desobedecer à ordem regular e repetidamente comunicada pelo militar da GNR, apesar de ter percebido o sentido e o alcance da mesma ordem, que sabia ser legítima e da advertência de que o seu não acatamento implicaria a prática de um crime de desobediência.

    3. Que o Arguido tivesse agido livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida penalmente.

    4. Que não obstante o militar da GNR estivesse legitimado a solicitar a identificação ao Arguido, nos termos do disposto no artigo 49º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o não acatamento dessa solicitação implicasse o desrespeito por uma ordem legítima, susceptível de ser cominada com a prática de um crime de desobediência.

      […]» 2.2 – Justificação decisório-absolutória: «[…] Constituem elementos do tipo objectivo do ilícito em causa a existência de uma ordem ou de um mandado legítimo, a emanação da mesma da parte de autoridade ou funcionário com competência para o efeito, a sua regular comunicação ao respectivo destinatário, e, naturalmente, a falta de obediência devida. Escusado será notar poder o agente faltar à obediência devida quer por acção (ou seja, o agente contraria a ordem), quer por omissão (ou seja, o agente não cumpre a ordem). Cumpre salientar, dado estarmos perante factualidade subsumível à alínea b) do preceito em apreço, contemplar tal alínea as situações em que “a norma de conduta penalmente relevante resulta de um acto de vontade da autoridade ou do funcionário, contemporâneo da actuação do agente” […]. Tal não significa, porém, discricionariedade na actuação da administração ou funcionário, já que, numa interpretação a contrario da lei, facilmente se conclui não ser devida obediência a ordens ou mandados ilegítimos, ainda que emanados da autoridade competente e regularmente comunicados. No que se reporta ao tipo subjectivo de ilícito, não exige a norma em apreço uma qualquer intenção específica por parte do agente na perpetração do ilícito, sendo certo que, as mais das vezes, o mesmo apenas procura escapar a uma situação – que culmina na referida ordem ou mandado – que contraria os seus próprios interesses. Assim, estamos perante um crime exclusivamente doloso, mas em que o dolo pressuposto é meramente genérico; […].

      * Aqui chegados, importa dizer o que segue.

      O crime previsto na alínea b) do artigo 348º existe apenas para os casos em que nenhuma norma jurídica prevê o comportamento desobediente, o que determina que nas alíneas do nº 1 do artigo 348º se prevêem dois tipos incriminadores distintos.

      O que não se pode, porém, é prescindir da cominação da punição por desobediência. Todavia, faltar à obediência devida não constitui, por si só, facto criminalmente ilícito. Decerto, a dignidade penal e a tutela que a norma confere a certa conduta exige que o dever de obediência que se incumpriu, se não tiver a sua fonte numa disposição legal que comine, no caso em cotejo, a sua punição, como desobediência, radica na cominação da punição da desobediência, feita por autoridade ou funcionário competentes para ditar a ordem. Nessa ordem de raciocínio, não entretece o pressuposto legal, por isso, a mera cominação de incorrer em procedimento criminal, pois, a alínea b) exige que a autoridade ou o funcionário cominem, no caso, a punição da desobediência.

      Sem embargo, a legalidade material e formal do acto, a competência da autoridade ou do agente que emite o comando, a ordem, não pode fazer descurar a dimensão negativa e positiva do princípio da legalidade aqui convocadas: o princípio da legalidade negativa da administração, com arrimo no princípio da prevalência da lei em todos os actos e o princípio da legalidade na sua vertente positiva, segundo o qual, o acto só pode ser autorizado ou ter na sua base a própria lei.

      Destarte, norma incriminadora publicitada no nº 1 do artigo 348º, na sua alínea b), preconiza uma norma legal deixada em aberto pelo legislador, pertencendo ao intérprete, ao aplicador do direito, integrar as condutas que nele cabem, à luz do princípio da legalidade penal e do princípio que aponta o direito penal como a ultima ratio. Não se actuando deste modo, corre-se o sério risco de tipificar, de modo discricionário, condutas...

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