Acórdão nº 187/11.7GBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2013
Magistrado Responsável | BR |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
* I.
Relatório.
1.1. No decurso da audiência aprazada nos autos supra epigrafados, a M.ma Juiz que à mesma presidia proferiu despacho cujo (parcial) teor passamos a reproduzir: «O arguido vem acusado da prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1, 1, do Código Penal, dois crimes de perturbação da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 190.º, n.º 2, do Código Penal, e um crime de ameaça na forma agravada, previsto e punido, pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Atento o disposto nos artigos 188.º e 198.º do Código Penal, os crimes de injúria e de perturbação da vida privada revestem, respectivamente, natureza particular e semipública.
Por seu turno, é nosso entendimento que o artigo 155.º do Código Penal estabelece apenas uma agravação dos tipos legais ínsitos nos artigos 153.º e 154.º do mesmo diploma, não prevendo, portanto, uma incriminação autónoma. Acresce que nos referidos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), está em causa a tutela dos mesmos bens jurídicos. Assim sendo, consideramos que o crime em apreço mantém a natureza semipública (cfr. o artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal).
Do exposto resulta que os crimes por que o arguido vem acusado admitem desistência de queixa. Assim, por serem legalmente admissíveis, tempestivas e apresentadas por quem tem legitimidade para o efeito e dada a não oposição do arguido, homologo as desistências, extinguindo-se o procedimento criminal (artigos 113.º, n.º 1, 116.º, n.º 2, do Código Penal, 48.º, 49.º, 51.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).» 1.2. O Ministério Público, porquanto inconformado com o segmento de tal despacho que determinou a extinção do procedimento criminal respeitante ao indiciado crime de ameaça na forma agravada, interpôs o presente recurso extraindo da motivação correspondente esta ordem de conclusões: A. Ao contrário do que sucedia antes da reforma penal de 2007, o crime de ameaças agravado é de natureza pública, assim se reforçando a protecção jurídica conferida pela lei aos bens jurídicos lesados por uma conduta dotada de um especial acréscimo de ilicitude.
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A técnica legislativa utilizada não deixa dúvidas quanto à alteração da sua natureza jurídica, prevendo-se apenas para o crime base do art.º 153.º, n.º 1, do Código Penal, a necessidade de apresentação de queixa para legitimar processualmente a intervenção do Ministério Público.
C: Nada se fazendo constar a esse título do art.º 155.º, que abrange o tipo agravado de ameaças e de coacção, impõe-se concluir que em causa nesta norma estão crimes públicos.
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O mesmo sucede com outros tipos legais de crime, como por exemplo o furto e o dano [cfr. art.ºs 203.º e 204.º, para o furto; 212.º e 213.º, para o dano], relativamente aos quais não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à natureza pública dos crimes qualificados.
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Sendo este crime de natureza pública a desistência de queixa apresentada nos autos pelo ofendido, nesta parte, é irrelevante e, portanto, inoperante.
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Subsequentemente, não poderia a mesma ter sido homologada e em consequência declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido por este crime.
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Decidindo pela forma em que o fez, a M.ma Juiz a quo fez incorrecta interpretação da lei, violando o disposto nos art.ºs 48.º, do Código de Processo Penal; 116.º, 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), estes todos do Código Penal.
Terminou pedindo a revogação do questionado segmento do despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgando ineficaz a desistência da queixa apresentada pelo ofendido, consequentemente determine que os autos prossigam seus termos com a realização da audiência de julgamento atinente ao respectivo objecto processual.
1.3. Notificados os demais sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nenhum deles respondeu. 1.4. Proferido despacho admitindo o recurso interposto, cumpridas as formalidades devidas, remeteram-se os autos para esta instância.
1.5. Aqui, com vista nos termos do art.º 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente ao seu provimento, e, corolário, à revogação do aludido excerto do despacho recorrido.
1.6. No âmbito do subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não respondeu.
1.7. Aquando do exame preliminar dos autos, ut n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir, com a recolha de vistos (o que se verificou) e submissão a conferência.
Cabe agora ponderar e decidir.
* II.
Fundamentação.
2.1. Como se mostra por demais consabido, o âmbito do recurso é delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 335, bem como a jurisprudência uniforme do STJ - cfr. Ac. de 28 de Abril de 1999, in CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência aí citada -], mas isto sem prejuízo todavia das de conhecimento oficioso.
In casu, e porquanto se não vislumbra emergir fundamento conducente a tal intervenção oficiosa, atentando às conclusões mencionadas, o thema decidendum reconduz-se a aquilatar da natureza pública (versão do recorrente) ou semi-pública (versão assumida pelo despacho recorrido) do crime de ameaça previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e, consequentemente, do destino a dar ao despacho prolatado.
2.2. Com data de 26 de Junho passado, no âmbito do recurso n.º 207/10.2 GAPMS.C1, do Tribunal Judicial de Porto de Mós [1.º Juízo], prolatámos acórdão ajuizando de questão idêntica à ora elencada. Nenhum elemento distinto sobrevém, quer nos autos ora em análise, quanto nos normativos convocáveis, donde que, por economia processual, passemos a remeter para o que então e aí escrevemos, mormente: «2.2. Como Adjunto, assinámos aresto decidindo da problemática ora ajuizada, concretamente no processo deste Tribunal n.º 550/09.3 GCAVR.C1, acessível em www.dgsi.pt. Porque nele se rebate já o entendimento que a M.ma Juiz a quo colige em seu favor – Pedro Daniel dos Anjos Frias, in Revista Julgar n.º 10, págs. 39 a 57 –, permitimo-nos elencar o então consignado pelo seu respectivo Ex.mo Desembargador Relator, Dr. Jorge Dias: «O objecto do recurso do Ministério Público incide sobre a questão de saber se é ou não admissível a homologação da desistência de queixa, quando o arguido está acusado de crime de ameaça agravado p. e p. nos arts. 153 n.º 1 e 155 n.º 1-a) do Código Penal, cometido em 7/10/2009.
Importa, pois, determinar se o crime de ameaça agravado imputado ao arguido é de natureza pública ou...
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