Acórdão nº 39/12.3GDAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDA VENTURA
Data da Resolução10 de Julho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: 1.

Na Comarca do Baixo-Vouga, Tribunal Judicial de Anadia, juízo de instância criminal, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, por acórdão datado de 13 de Fevereiro de 2013, os arguidos: 7- A...

, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Cantanhede, nascido a 9/11/1987, solteiro, desempregado, titular do BI nº (...) , residente na (...) , Cantanhede; 8- B...

, filho de (...) e de (...) , natural de Angola, nascido a 4/01/1967, casado, comerciante de sucatas, titular do BI nº (...) , residente na (...) , Águeda; Foram condenados nos seguintes termos: F)-... A (...) pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 2, e), na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; G)-... B (...) pela prática, em autoria material, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão efectiva.

II)- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil apresentado por C...

, condenando os demandados/arguidos...

D...

, E...

e A (...) a lhe pagarem, solidariamente, a quantia global de € 2.035,00 (dois mil e trinta e cinco euros)...

do mesmo absolvendo os demandados F...

, e B (...) .

  1. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso da decisão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: O arguido B (...) : 1- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°. n°1 do Código Penal: 2. O Tribunal A quo deu como provado que o arguido B (...) quis aumentar o seu património, tendo admitido a possibilidade, perante as características dos artigos que comprou, o preço que pagou e o facto de conhecer o modo de vida dos arguidos, que os bens que lhes adquiriu tivessem proveniência ilícita, com o que se conformou (ponto 63 dos Factos Provados); 3. Também deu como provado que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal (ponto 64 dos Factos Provados); 4. Com excepção do recorrente, nenhum dos arguidos prestou declarações em audiência de julgamento 5. O Tribunal A quo não valorou as declarações prestadas pelo recorrente em audiência de julgamento: 6. As testemunhas H (...) cfr. CD minuto 10:56:19 ao minuto 11:02:14 -, I (...) — cfr. CD minuto 10:37:23 ao minuto 10:48:20 -. J (...) — cfr. CD minuto 14:56:01 ao minuto 1 5:01 :06 -. C (...) — cfr. CD minuto 15:01:20 ao minuto 15:10:39 - e L (...) — cfr. CD minuto 15:13:47 ao minuto 1 5:22:09 —, todas arroladas para prova dos lados da acusação respeitantes ao arguido, em momento algum da audiência de julgamento fa1aram sequer do arguido e muito menos dos artigos comprados, do preço pago e que o recorrente conhecia o modo de vida dos arguidos; 7. O Auto de Reconstituição, de fols 506 a 514 dos autos, não é possível concluir que o recorrente quis aumentar o seu património tendo admitido a possibilidade, perante as características dos artigos que comprou, o preço que pagou e o facto de conhecer o modo de vida dos arguidos, que os bens que lhes adquiriu tivessem proveniência ilícita, com o que se conformou, e que sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal (ponto 64 dos Factos Provados); 8. Ora, não tendo sido produzida qualquer prova que permitisse extrair os factos dados como provados nos pontos 63 e 64, não podia o Tribunal a quo dar tais factos como provados apenas com fundamento na circunstância de as declarações do arguido lhe não haverem merecido credibilidade; 9. Não tendo acreditado na versão do arguido — o que se compagina com o principio da livre convicção da prova —, teria o Tribunal a quo de fundamentar a sua convicção noutros meios de prova e na prova produzida em audiência de julgamento.

  2. Pelo que, na falta desta, sempre teria o arguido de ser absolvido.

  3. Assim, julgou o Tribunal a quo incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.

  4. Não obstante, e caso assim não se entenda, sempre se dirá que se o Tribunal a quo entendesse condenar o recorrente deveria tê-lo feito em obediência aos factos que considerou provados: 13. Ora, tendo o Tribunal a quo dado como provado que o “arguido B (...) quis aumentar o seu património, tendo admitido a possibilidade, perante as características dos artigos que comprou, o preço que pagou e o facto de conhecer o modo de vida dos arguidos, que os bens que lhes adquiriu tivessem proveniência ilícita, com o que se conformou”.

  5. Verifica-se que tal factualidade integra, não o n.º 1 do artigo 231° do C P. mas o nº 2 do referido normativo, 15. Já que ali se exige o dolo específico e aqui o dolo eventual.

  6. E sendo certo que o facto dado como provado em 63 dos Factos Provados consubstancia uma situação de dolo eventual: 17. Pelo que incorreu o Tribunal a quo em errada qualificação dos factos dados como provados: 18. Tendo em conta o que vai dito, caso não se entenda pela absolvição do recorrente, ou pelo enquadramento da conduta do recorrente no n°2 do artigo 231°. do C.P., o que determinará a aplicação de uma pena completamente distinta daquela que foi aplicada (pena de prisão até seis meses ou pena de multa até 120 dias), sempre se dirá que a pena aplicada ao recorrente se mostra bastante dura e desajustada à realidade da pessoa do recorrente e aos factos dos autos; 19. Já que, como consta do relatório social, de fols. dos autos, o recorrente é a única fonte de rendimentos para fazer face ás várias despesas do agregado familiar, que é composto por si, por dois filhos menores, pela esposa e por duas idosas (mãe e sogra), que se encontram acamadas e de quem a esposa do recorrente tem de cuidar, impedindo-a de ter emprego: 20. E que o recorrente se encontra inserido na comunidade, mostrando-se adequada a aplicação de uma medida de execução na comunidade, sujeita a plano de intervenção ou a imposição de injunções: 21. Ora, encontrando-se o recorrente inserido social e familiarmente, tendo nesse campo elevadas responsabilidades para com o seu agregado familiar. Fazer pender sobre o mesmo uma ameaça tão severa significa destruir todo o seu projecto de vida e, claro está, de todo o seu agregado familiar: 22. Pelo que as razões de prevenção especial e geral se bastariam com a pena de multa ou, em alternativa, com a suspensão da pena, sujeita a regime de prova: 23. Ao decidir como decidiu, cometeu o Tribunal a quo erro de julgamento e violou as disposições dos artigos 127° do Código de Processo Penal e 231°, n.º 1 e 2 e 40°, 50° e 71°, nº 2, todos do Código Penal.

    O arguido A (...) : a) O ora recorrente entende que o tribunal a quo não podia dar como provados os factos constantes nos pontos 43 a 54 e 62 a 64.

    Porquanto, b) Os meios de prova enunciados são meios de prova proibidos ou insuficientes.

    1. O denominado “auto de reconstituição” era tão só um auto de declarações prestado no local de crime e não meras informações que complementavam a elaboração do auto de reconstituição não se confundido com este, pelo contrário bem cindíveis do mesmo.

      1. Dos outros meios de prova, referidos pelo tribunal que serviam para formular a convicção de dar como provados os factos acima referidos são notoriamente insuficientes.

      2. Há uma clara inexistência de provas que importa uma decisão diversa da que foi formulada.

    2. O Tribunal a quo na sua fundamentação não indica fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência para que se concluir que o raciocínio lógico-dedutivo aí efectuado seja acertado.

      Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o presente recurso ser PROVIDO.

      Consequentemente revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que absolva o recorrente do crime de furto imputado.

  7. A Magistrada do Ministério Público respondeu aos recursos, conclusivamente nestes termos: (Do arguido A (...) ) 1. O arguido pugna pela revogação do acórdão e a sua substituição por outro que o absolva da prática do crime de furto qualificado pelo qual foi condenado, colocando em causa, para tanto, a validade do auto de reconstituição do facto, de fols. 506-514, alegando que, sendo este inválido, inexiste outra prova que permita dar como provados os factos constantes a 43-54 e 62-64 da matéria de facto provada.

  8. O auto de reconstituição é válido, sendo um meio de prova autónomo, legalmente obtido, ao qual a arguida deu a sua contribuição, mantendo a sua validade ainda que esta se tenha remetido ao silêncio em audiência de julgamento, pois que não se trata de auto de declarações prestadas em inquérito e da sua valoração.

  9. Assim sendo, prejudicado fica o demais alegado nas referidas motivações de recurso, porquanto a prova produzida permite concluir pela prática dos factos pelo recorrente, não sendo insuficiente, nem se encontrando pendente a chamada dúvida razoável”.

  10. Conclui-se, desde modo, que deverá improceder o recurso interposto, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido.

    (Do arguido B (...) ) 1. O arguido pugna pela revogação do acórdão e a sua substituição por outro que o absolva da prática do crime de receptação pelo qual foi condenado, colocando em causa, para tanto, a matéria de facto dada como provada, pugnando também, caso se mantenha a condenação, pelo não preenchimento dos elementos constitutivos do crime de receptação, e ainda, pela alteração da medida da pena.

  11. Quanto à alteração da matéria de facto, há que atender que o auto de reconstituição junto aos autos foi considerado enquanto elemento de prova autónomo, com valor em si mesmo, dele se tendo extraído elementos que permitiram formar a convicção do tribunal, tendo permitido ajuizar da prova dos factos em conjugação com a demais prova existente e com aquele que é o normal decorrer dos acontecimentos.

  12. Por outro lado, quanto aos factos em causa, nenhuma norma impõe...

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