Acórdão nº 37/12.7JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução03 de Julho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi a arguida A...

condenada na pena de 16 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos art. 131º e 132, nº 1 e 2, al. b), do Código Penal.

  1. Inconformada, a arguida recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «A) A reconstituição não pode constituir um meio legal de prova, atento o disposto no artigo 150º do CPP, conjugado com o artigo 126º do CPP, constituindo deste modo uma nulidade insanável nos termos e para os efeitos do artigo 410º nr. 3 do CPP.

    B) Atenta a nulidade invocada, relativamente à reconstituição com base no artigo 126º do CPP, não pode a reconstituição contribuir para a formação da convicção do tribunal nos termos e para os efeitos do artigo 355º nr. 1 e 410º nr. 3, ambos do CPP.

    C) Atento ao exposto nos artigos 5º, 13º a 26º e 29º a 42º e 45º a 50º, o douto acórdão padece de erro notório na apreciação da referida prova, nos termos e para os efeitos no artigo 410º nr. 2 alínea d).

    D) Enferma o douto acórdão de erro notório na apreciação da prova, designadamente ao não considerar para efeitos da decisão, os factos dados como provados, com os nrs. 5, 12, 19 e 20, porquanto considera apenas os factos passíveis de enquadrar a prática do crime de homicídio, omitindo por outro lado todos os que relevariam para a exclusão deste ilícito ou respectiva atenuação, na esteira do acórdão de 30.01.2012, proc. nr. 30/01/2012 da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, Edição Anual 2002, pág. 16/17 E) No acórdão “a quo” estamos ainda perante a violação do princípio “in dubio pro reu”, consignando o douto acórdão factos não provados, como o caso de a arguida ser ou não enfermeira e possuir ou não elevados conhecimentos da língua portuguesa, que contudo considerou e relevou para efeitos de decisão. Padecendo nestes termos do vício consignado no artigo 410º nr. 2 alínea c).

    F) A decisão vertida no douto acórdão ora recorrido, não cumpre as exigências de fundamentação, com base num processo objectivo, e de raciocínio lógico, com vista à interpretação objectiva e com as regras da experiência, de todas as provas carreadas para o julgamento. Na verdade conforme se prova no presente recurso, nos artigos 27º, 30º, 31º e 67º a 72º está implícito, uma pré-convicção de culpa do douto tribunal, suportada nas recorrentes críticas quando ao recurso a tradutor, por parte da arguida, ultrapassando deste modo os limites razoavelmente admitidos da subjectividade da decisão.

    G) Padece ainda o douto acórdão, de erro na aplicação de direito, ao qualificar o crime praticado pela ora arguida, como homicídio qualificado ao abrigo do artigo 132º nr. 2 alínea b) do CP, em clara violação do já decidido jurisprudencialmente, conforme se prova nos artigos 77º a 91º do presente recurso, nos termos do artigo 412º nr. 2 alínea c) do CPP, porquanto deveria ter enquadrado juridicamente o ilícito criminal da ora arguida no âmbito dos artigos 143º e seguintes do CP.

    ».

  2. O recurso foi admitido.

  3. O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido.

    Da mesma opinião foi o Exmº P.G.A..

    Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

  4. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

    Realizada a conferência cumpre decidir.

    * * FACTOS PROVADOS 6.

    No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: «1. A arguida e o falecido B...

    , também natural da Ucrânia, onde nasceu em 20.08.1962, viveram como se casados fossem, durante, pelo menos 15 anos, os primeiros cinco na Ucrânia e os restantes em Portugal, e isto por referência à data dos factos; 2. Pelo menos nos últimos dois anos a arguida e o falecido encontravam-se a viver nº (...) do nº (...), na (...), em Viseu; 3. Nos últimos tempos o relacionamento entre os mesmos, foi-se deteriorando e, por vezes, discutiam, nomeadamente devido ao consumo excessivo de álcool, por parte do B...; 4. No dia 21 de Janeiro, a hora não concretamente apurada, as testemunhas C...e D..., foram a casa do casal, sita no (...), na cidade de Viseu; 5. Nessa casa, o ofendido - B... - e as testemunhas - C...e D... - ingeriram vinho em grande quantidade até à altura em que estes se ausentaram para a residência que habitam, sita no sótão do mesmo edifício; 6. Durante esse período a arguida aparentava estar chateada; 7. Já depois do C...e do D... terem saído da residência do B... e da arguida, encontrando-se estes na cozinha, o B... começou a dizer que queria “mais vinho”, o que levou a que a arguida lhe servisse mais meio copo de vinho; 8. Contudo, já depois de ter bebido o meio copo de vinho, voltou a pedir mais vinho à arguida, o que levou a que entre os mesmos se iniciasse uma discussão; 9. No decurso da discussão a arguida pegou numa vassoura, que se encontrava entre o fogão e a parede da cozinha, e como o cabo da mesma, desferiu no B..., pelo menos, quatro pancadas, com bastante intensidade sobre a zona da cabeça e do rosto, atingindo-o também nos braços e mãos, quando este tentava proteger aquelas partes do corpo; 10. Tais pancadas foram desferidas pela arguida, de pé, de cima para baixo, quando o ofendido estava sentado numa cadeira; 11. A arguida, apesar de se aperceber da gravidade das lesões que provocara, nomeadamente de que o ofendido tinha ficado a sangrar do nariz, deslocou-se para o quarto, onde permaneceu cerca de 5 minutos, voltando, de novo, à cozinha, onde deixara o companheiro; 12. Como o companheiro se encontrava sem forças, em razão do excesso de álcool que havia ingerido e das agressões que tinha sofrido, a arguida, depois de com uma toalha ter limpo o sangue da boca e nariz da vítima, encaminhou-o para o quarto, arrastando-o pelo corredor que liga aquelas duas divisões da casa, tendo nesse percurso voltado a agredi-lo, com o cabo da vassoura, agora já partido; 13. Já no quarto onde ambos dormiam, a arguida voltou a agredir o companheiro, nomeadamente na zona da cabeça e da face, com, pelo menos, uma bofetada quando este se encontrava sentado no chão e encostado à parede e, posteriormente, já com o arguido deitado pelo menos, por mais duas vezes, com o cabo da referida vassoura, e isto, quando o mesmo lhe voltou a pedir mais vinho; 14. Aquando destas últimas pancadas com o cabo da vassoura o ofendido estava prostrado no chão do quarto, já sem qualquer reacção, entorpecido pelo álcool que havia ingerido – de tal modo que, no momento da sua morte, apresentava uma alcoolemia de 3,31g/l – e pelas agressões já sofridas, continuando a sangrar abundantemente, em consequências das lesões que tinha sofrido, sendo incapaz de pedir ajuda a quem quer que fosse; 15. Em razão da força e violência que usou ao desferir as referidas pancadas, a arguida provocou, para além do mais, várias feridas incisas no rosto do ofendido, bem como a fractura dos ossos do nariz, melhor descritas e localizadas no relatório de autópsia que aqui de dá por reproduzido e, consequentemente, abundante hemorragia; 16. A arguida, perfeitamente consciente desse estado e sabendo que a prestação de socorro médico ao ofendido era crucial para evitar o seu decesso, até porque tem conhecimentos de enfermagem, deitou-se numa das camas do referido quarto, por volta das 22 horas, acabando por adormecer, abandonando o companheiro à sua sorte, bem sabendo que em razão de toda a sua descrita conduta poderia morrer; 17. Acordou por volta das 00:15 horas do dia seguinte quando se aproximou do seu companheiro que continuava deitado no chão do quarto, verificando que o mesmo já havia falecido, uma vez que não apresentava qualquer sinal vital; 18. Com efeito, o ofendido acabou por falecer devido a choque hipovolémico, e isto, em consequência das lesões que a arguida lhe provocou, descritas no relatório de autópsia que se dá por reproduzido, e que provocaram continuada e abundante hemorragia, associado à falta de assistência médica; 19. Em toda a sua descrita conduta, a arguida agiu de forma livre e consciente, representando que em consequência da sua conduta o seu companheiro poderia morrer, o que veio a suceder, conformando-se com tal; 20. Sabia que tal conduta era proibida e punida por lei; 21. Do CRC da arguida não constam quaisquer antecedentes; 22. A arguida na data dos factos auferia um subsídio de desemprego de 244€/mês, trabalhando esporadicamente nas limpezas; 23. A vítima encontrava-se desempregada, auferindo um subsídio de cerca de 385€; 24. A arguida tem uma filha maior na Ucrânia; 25. No EP a arguida tem mantido um comportamento conforme as normas estabelecidas».

  5. E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente: «- Que a vítima se tenha embriagado entre os dias 18 e 20 de Janeiro; - Que a vítima tivesse bebido 3 pacotes de vinho antes do C...e do D... terem ido a sua casa; - Que, já com estes, tivessem ingerido quatro pacotes de vinho (apenas se provou que beberam vinho, mas não se provaram as quantidades); - Que nessa altura a vítima tenha feito menção de agredir a arguida; - Que o amor e carinho entre arguida e vítima fosse forte; - Que tenham sido o C...e o D... a levarem o vinho para a casa da arguida; - Que a arguida tenha escondido qualquer quantidade de vinho no armário; - Que a vítima, o C...e o D... quando se viram confrontados com a falta de vinho tenham decidido que os dois últimos iriam comprar mais vinho; - Que os três (C..., D... e vítima) tenham discutido; - Que se tenham agredido e partido loiça; - Que a vitima tenha ido com o C...e o D..., no dia 21, e depois de estes terem estado em sua casa, para casa deles; - Que a arguida o tenha lá ido buscar; - Que o tenha encontrado na residência do C...e do D... com a cabeça poisada na mesa e a sangrar abundantemente; - Que na residência do C...e do D... existisse loiça partida e uma cadeira partida; - Que a arguida tenha pedido para a deixaram chamar a ambulância; - Que a vítima e os amigos a tenham impedido de tal; - Que tenha sido...

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