Acórdão nº 120/06.8TAVLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução05 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

No Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Foz Côa, mediante acusação do Ministério Público, que imputava ao primeiro a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do C. Penal, e ao segundo a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, e a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a), do mesmo código, foram submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, os arguidos, …, casado, empresário, nascido a 3 de Março de 1949 em Vila Nova de Foz Côa e aí residente, e …, casado, empresário, nascido a 17 de Maio de 1954 em Vila Nova de Foz Côa e aí residente.

Pelo assistente …, acompanhado pelo Ministério Público, foi deduzida acusação particular contra ambos os arguidos, imputando a cada um deles a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal.

O assistente deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à condenação do primeiro no pagamento de uma indemnização no montante de € 2.100, e à condenação do segundo no pagamento de uma indemnização no montante de € 2.600, em ambos os casos, por danos não patrimoniais.

Por sentença de 24 de Abril de 2008, foram os arguidos absolvidos da prática dos crimes que lhes eram imputados nas acusações pública e particular, bem como do pedido de indemnização civil deduzido.

Inconformado com a sentença, dela recorre o assistente, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

1 -A sentença recorrida, ao absolver os arguidos dos crimes de que vinham acusados, quer na acusação do Ministério Público, quer na acusação particular e dos respectivos pedidos de indemnização civil, revela ter existido erro notório do tribunal, na apreciação e valoração da prova, a que se alude na al. c) do nº 2 do artº 410º do C P. Penal.

2 -Uma correcta e atenta audição da prova gravada e uma ponderada leitura e análise comparativa da transcrição da prova gravada e produzida nas sessões da audiência de julgamento, na sua globalidade e não de forma meramente estanque, revela que o tribunal não fez uma correcta apreciação e valoração dos factos e das ambiguidades e contradições insanáveis entre os depoimentos prestados pelos arguidos e as suas testemunhas de defesa, cuja incoerência, descoordenação e imprecisão, porque facilmente detectáveis, atentando com as elementares regras da vida e da experiência, não podiam ter sido aceites como coerentes pelo tribunal, em detrimento da prova produzida pela acusação do Ministério Público e do assistente.

3 -Mesmo no caso de a prova produzida nas duas sessões da audiência de julgamento, não se encontrasse gravada, nem feita a sua reprodução escrita, a simples leitura da fundamentação da sentença recorrida, revela só por si, que o tribunal cometeu tão notória e gritantemente, erro de apreciação da prova, não tendo analisado devida e correctamente, as contradições e ambiguidades, elas sim insanáveis, entre os depoimentos prestados pelos arguidos e as testemunhas de defesa … e ….

4 -Conforme se alcança da apreciação crítica feita quer à fundamentação da sentença recorrida, em si mesma, sem considerar ainda a reapreciação da prova gravada, quer após feita a reapreciação à luz da leitura e análise da sua reprodução escrita, dos depoimentos dos arguidos e das testemunhas de acusação, analisando-os por comparação crítica, com os depoimentos das testemunhas de defesa, escalpelizada nos artºs 31º a 33º, 34º a 62º e 63º a 66º, aqui reproduzidos, das alegações, o tribunal confundiu meras discrepâncias e dissentimentos encontrados nos depoimentos do assistente e em algumas testemunhas de acusação, sobre factos meramente instrumentais, mas não decisivos para o apuramento dos factos e dos crimes em análise, como tratando-se de contradições insanáveis, quando estas como é sabido, são coisa bem diferente daqueles.

5 -Só em caso de impossibilidade de serem encontrados, na globalidade da prova, elementos objectivos de prova, quanto à existência dos crimes, autoria dos mesmos, local e modo da sua execução, prevalecendo ao invés, dúvida insanável e irremovível, quanto à verificação dos factos decisivos para a solução da causa, é que o tribunal pode e deve, fazer uso do princípio "in dubio pro reo" e não utilizando sem o devido cuidado, apreciação e análise rigorosa e global da prova, tal princípio, implícita ou explicitamente, a favor dos arguidos e em detrimento da acusação.

6 -A apreciação crítica dos depoimentos prestados pelas únicas duas testemunhas de defesa – … e … – , incidindo sobre os factos em discussão, revela, tal como o assistente e recorrente procurou explanar e julga tê-lo conseguido, nas alegações do recurso, que os mesmos depoimentos pela forma dúbia, titubeante, descoordenada no espaço e no tempo, desordenada e insanavelmente contraditória como foram prestados, torna-os atentas as regras da experiência e de lógica elementar, inexoravelmente incoerentes e inverosímeis, pelo que o tribunal não podia nem devia tê-los valorado como coerentes e sobre eles tendo alicerçado a sua convicção para a absolvição dos arguidos.

7 -Contrariamente ao que consta da fundamentação da sentença recorrida, para que se verifique a prática do crime de injúria, p. e p. pelo nº 1 do artº 181º do C Penal, basta tão somente que fique provado que o arguido proferiu uma só expressão que seja, que conste da acusação, ofensiva da honra e consideração do assistente, ainda que não se prove as demais expressões que também constavam da acusação.

8 -Em julgamento, em contrário do que foi entendido pelo tribunal e vem expresso na fundamentação da sentença recorrida, o que conta para a decisão final, são tão somente os factos que constam da acusação particular quanto ao mesmo crime de injúrias e não os da respectiva queixa, devendo a acusação particular conter tão somente, os factos imputados ao arguido que resultem, indiciariamente, da prova produzida na fase de inquérito, filtrando-se e vertendo-se em qualquer acusação particular (ou pública), tão somente os factos que indiciariamente resultem do inquérito, como podendo razoavelmente conduzir ao êxito da acusação no julgamento, sendo pois surpreendente o que consta da fundamentação da sentença recorrida que, mau grado admitir e assinalar, resultar da prova produzida, terem ambos os arguidos proferido contra o assistente e ora recorrente, seguramente as expressões "corno", "filho da puta" e "ladrão", todavia, porque não se tendo provado as demais expressões "garoto, gatuno e porco ", o tribunal não deu, pura e simplesmente por provado qualquer crime de injúrias!! 9 -Também quanto aos crimes de ofensa à integridade física simples p.s e ps. pelo nº 1 do artº 143º e ao crime agravado de ameaça p. e p. pelo artº 153º nº 1 e 155º nº 1, al. a), todos do C. Penal, os elementos objectivos da prática de tais crimes mostram-se devidamente provados, constando tais elementos objectivos dos depoimentos prestados pela prova produzida pela acusação do MºPº e particular, pelo que não incidindo as discrepâncias de alguns depoimentos da acusação, sobre os elementos decisivos e objectivos de tais crimes, os arguidos deviam ter sido condenados, na sentença, como autores materiais da sua prática e também no respectivo pedido de indemnização civil, sendo inquestionável que a restante prova produzida em defesa dos arguidos, não logrou contrariar a ocorrência e prática dos mesmos factos ilícitos.

10 -A sentença recorrida merece censura, pois a prova produzida em audiência de julgamento, analisada na sua globalidade e não de forma estanque e descuidada, conduz necessariamente à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de que cada um deles, respectivamente se encontra acusado, por imperativo dos ensinamentos consagrados pela doutrina e jurisprudência quanto à aplicação e ponderação dos critérios de apreciação e valoração da prova em processo penal, seja pela correcta aplicação do disposto nos artºs 124º e 127º do C.P.P., sendo que o cometido erro notório na apreciação da prova, referido na al. c) do nº 2 do artº 410º do mesmo Código, conduziu à violação dos artºs 181º nº 1, 143º nº 1 e 153º nº 1 e 155º nº 1, al. a), todos do C. Penal.

TERMOS EM QUE, Com o que assim alega e conclui o recorrente e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve dar-se total provimento ao recurso, censurando-se a sentença recorrida, a qual deve ser revogada e substituída por outra que, perante a evidência dos factos produzidos e gravados em audiência de julgamento, apreciados na sua globalidade, cuja transcrição faz parte integrante do recurso, condene os arguidos como autores materiais dos crimes de que vêm acusados e consequentemente, também nos pedidos de indemnização civil.

(…)”.

Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termos da respectiva contramotivação as seguintes conclusões que se transcrevem: “ (…).

  1. A douta sentença recorrida fez uma criteriosa apreciação da prova produzida em julgamento, não se mostrando esta suficiente para fundamentar a condenação dos arguidos pela prática dos crimes de que vinham acusados.

  2. O Tribunal a quo fez uma correcta aplicação dos princípios que regem a apreciação da prova em processo penal, designadamente do princípio da livre apreciação da prova e do princípio do in dubeo pro reo.

  3. O Tribunal a quo ficou com dúvidas quanto à versão dos factos apresentada pelo assistente, em virtude da mesma não se mostrar totalmente sustentável, racional e com lógica, em face dos demais elementos de prova (ou da sua ausência).

  4. Sopesando os depoimentos do assistente e das testemunhas da acusação e perante a ausência de qualquer outra prova, suscita-se uma dúvida razoável sobre a imputação aos arguidos dos factos constantes das acusações.

  5. Um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor dos arguidos.

  6. Inapurados, in casu, os...

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