Acórdão nº 1783/11.8 T3AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I.

Relatório.

1.1.

A..., LDA., com sede em Ílhavo, apresentou queixa-crime [fls. 3/5] contra B...

, entretanto mais identificada.

1.2. Tramitado o inquérito instaurado por via de tal participação, o Ministério Público proferiu acusação [fls. 148/150], imputando àquela denunciada, entretanto constituída arguida, a prática material consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido através do art.º 256.º, n.º 1, als. a) e e), do Código Penal.

1.3. Visando infirmar judicialmente o libelo, foi a vez desta arguida requerer a abertura da fase facultativa de instrução [fls. 213/219] que, tramitada, culminou com a prolação de decisão da sua não pronúncia [fls. 277/286].

1.4. Admitida a intervir nos autos assumindo a qualidade de assistente, recorre a denunciante, concluindo [fls. 299 e segs.] deste modo a respectiva motivação: A. A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos (transcrição): - “… em 10 de Agosto de 2010, a referida “C...

, Lda.” e a sociedade “ A...”, aqui denunciante, celebraram entre si um contrato-promessa (...), relativo ao trespasse de um estabelecimento comercial denominado “D...

”, sito no (...), n.º 28, em Aveiro, pertencente a esta última sociedade comercial pelo preço de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), tendo a “ C..., Lda.” pago aquando da celebração do dito contrato-promessa o montante de 10.000,00 € (dez mil euros), ficando acordado que os restantes 15.000,00 € (quinze mil ouros) seriam pagos em duas prestações, a saber, 5.000,00 € (cinco mil euros) a pagar em 27-12-2010 e os restantes 10.000,00 € (dez mil euros) a pagar aquando da celebração do contrato definitivo.

- (...) a Arguida B..., em representação da “ C..., Lda.” se dirigiu à Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, onde manifestou o propósito de dissolver a referida sociedade.

- Com efeito, a Arguida apresentou uma “Acta de Assembleia-Geral” da “ C..., Lda.”, (...) da qual consta, designadamente: “Aos seis dias do mês de Julho de 2011, pelas 11h00, na sua sede social, reuniu a Assembleia-geral dos sócios da sociedade “ C..., Lda., supra identificada, com a seguinte ordem do dia: 1. Deliberar sobre a dissolução da sociedade; 2. Deliberar sobre a aprovação de contas e do balanço do exercício final, reportados à data da dissolução, com declaração de liquidação simultânea por inexistência de ativo e de passivo.

Encontrava-se presente a sócia detentora da totalidade do capital social, senhora D. B..., que está em condições de deliberar validamente, titular de uma quota de valor nominal de 5.000,00 € (cinco mil euros), a qual concorda unanimemente em reunir e deliberar, sem a observância de formalidade prévias, nos termos do artigo 54.º do Código das Sociedades Comercias, sobre assuntos constantes da ordem do dia, também por unanimidade acordada (...)”.

- Na sequência da apresentação de tal documento na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, veio a “ C..., Lda.” a ser dissolvida naquele mesmo dia 06 de Julho de 2011, tal como melhor resulta da certidão que se encontra junta (...).

  1. Pelo que a arguida/recorrida sabia bem que as declarações que fazia constar no documento não correspondiam à verdade, designadamente no que respeita a inexistência de passivo aquando da respetiva liquidação em 06/07/2011, pelo que não podia ignorar que tal documento era falso.

  2. Pois a sociedade de que era gerente, naquela data e ainda atualmente, devia e deve à recorrente até à presente data o montante de 10.000,00 €.

  3. Pois, no âmbito de um “Contrato-promessa de trespasse de estabelecimento comercial” celebrado entre a recorrente e a recorrida, esta obrigou-se a liquidar àquela a quantia de 25,000,00 €, da seguinte forma: 10.000,00 € na data da assinatura do contrato em apreço, 5.000,00 € no dia 27 de Dezembro de 2010, 10.000,00 € no dia da celebração do contrato definitivo, com qualquer terceiro.

  4. No dia 15 de Junho de 2011, a recorrida, na qualidade de legal representante da sociedade “ C..., Lda.”, celebrou um contrato de trespasse de estabelecimento comercial com um terceiro, a saber, a sociedade E...

    , Lda.

  5. Pelo preço de 35.000,00 €, a ser pago em duas prestações, a saber, uma no dia da assinatura do referido contrato e a segunda no dia 1 de Julho de 2011. G. O que, de facto, aconteceu.

  6. Ou seja, não obstante e recorrida ter-se obrigado perante a recorrente a pagar-lhe os 10.000,00 € ainda em débito aquando da realização de um contrato definitivo, com qualquer terceiro, esta, não só não procedeu ao referido pagamento.

    I. Como, rapidamente, diligenciou pelo encerramento e liquidação da sociedade “ C..., Lda.”, 5 dias após a recepção da segunda prestação referente ao contrato mencionado supra, com o único propósito de se furtar ao pagamento da quantia em débito à aqui recorrente.

  7. Posto isto, quando a recorrente tomou conhecimento que a recorrida havia concretizado um contrato de trespasse definitivo, na qualidade de legal representante da sociedade “ C..., Lda.”, interpelou-a, de imediato, para proceder ao pagamento da quantia de 10.000,00€, ainda em débito.

  8. Contudo, apesar de várias vezes instada para proceder ao pagamento do referido montante, a Recorrida não o fez.

    L. Assim, a recorrente viu-se obrigada a lançar mão de uma acção executiva para o efeito, a qual correu termos no Juízo de Execução de Ovar, sob o n.º 3256/11.0 T2OVR.

  9. Aquando da diligência de penhora realizada no âmbito do processo supra, o novo explorador do estabelecimento comercial em apreço informou ter efectuado um contrato de trespasse de estabelecimento comercial com a “ C..., Lda.” pelo preço de 35.000,00 €, o qual já havia liquidado na totalidade.

  10. Mais, informou ainda ter conhecimento que a “ C..., Lda.” havia encerrado a sua actividade.

  11. Posto isto, a recorrente dirigiu-se, de imediato, à Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, onde solicitou uma certidão e constatou a veracidade daquela informação.

  12. Assim, não restam dúvidas que a recorrida com o seu comportamento, isto é, ao apresentar a referida Acta de Assembleia-Geral com aquelas declarações que sabia serem falsas, pretendeu convencer o Conservador do Registo Comercial de Aveiro de que, àquela data, a “ C..., Lda.” não tinha dívidas, visando, como conseguiu, a dissolução da dita sociedade, subtraindo-a, assim, ao pagamento da dívida à aqui recorrente, não ignorando que, assim, iria causar prejuízo a esta última.

  13. Mais, a recorrida sabia que, dessa forma, obtinha para si um benefício ilegítimo a que não tinha direito.

  14. Isto é, a recorrida não poderia portanto, deixar de prever e querer o benefício que advinha da dissolução.

  15. Agiu ainda a arguida de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta atentava contra a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório.

  16. Posto isto, não restam dúvidas que, efectivamente, se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime que é imputado à arguida/recorrida, a saber, falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a e e), do Código Penal.

  17. Mais, os factos provados em sede de “Debate Instrutório” preenchem também o requisito subjectivo do tipo legal de crime em apreço.

    V. A citada norma indica como elemento do tipo subjectivo a intenção por parte do agente de “causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”.

  18. “Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do ato de falsificação ou do ato de utilização do documento falsificado”.

    X. O bem jurídico tutelado/protegido pelo crime de falsificação de documentos é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, ou seja, o valor probatório dos documentos em geral e particularmente dos enunciados na sua “qualificativa” – n.º 3 do preceito.

  19. O dolo específico, traduzido na intenção de o agente causar prejuízo a outra pessoa ou de obter para si um benefício ilegítimo, não altera o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação, acima mencionado.

  20. Como refere Helena Moniz «O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico probatório.

    AA. Não constitui objecto de protecção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos, mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.» BB. De facto o crime de falsificação de documentos é um crime intencional, terminologia associada à existência de um dolo específico enquanto particular intenção do agente, definida pelo tipo, quando da realização do mesmo, para além da mera existência de um dolo genérico, como mero conhecimento e vontade de realização do tipo.

    CC. No caso concreto, essa especial intenção concretiza-se no facto de a recorrida saber que, dessa forma, obtinha para si um benefício ilegítimo a que não tinha direito.

    DD. Ademais, a recorrida agiu livre, voluntária e conscientemente ao apresentar o documento em apreço na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, nos termos supra referidos.

    EE. O que fez com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública.

    FF. Sabendo que o que declarava e fazia constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade.

    GG. Logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de ativo e passivo e levar à extinção da sociedade “ C... Lda.”, enquanto pessoa colectiva.

    HH. O crime de falsificação de documentos constitui um crime de perigo, ou seja, após a falsificação documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste.

    II. A confiança pública e a fé pública foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e...

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