Acórdão nº 464/10.4GBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos de Processo Comum Singular, por despacho de 07.11.2012, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A...

e determinado, em conformidade o cumprimento efectivo da pena de 6 meses de prisão em que foi condenado.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O recorrente, não foi notificado pelo Tribunal a quo para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

  2. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, como resulta claramente do texto da lei, impondo-se, além do mais, a prévia audição do arguido - artigo 495º n.º 2 do CPP.

  3. A falta de audição do arguido constitui nulidade insanável prevista no artigo 119º al. c) do CPP.

  4. Após a alteração ao artigo 495º nº. 2 do Código de Processo Penal decorrente da Lei 48/07 de 29.8 que substituiu a expressão "audição do condenado" por "ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, a audição presencial do condenado em pena de prisão suspensa na sua execução é obrigatória antes de ser proferido despacho sobre as consequências do incumprimento das condições de suspensão.

  5. A falta de audição pessoal e presencial do arguido constituiu nulidade insanável nos termos do artigo 119º al. c) do CPP.

  6. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º n.º 5 da CRP, consubstancia-se no "direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elemento de prova e argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica - Acórdão desta Relação de Coimbra de 05.11.2008 in www.dgsi.pt.

  7. O arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º al. c) ( ... ). Aliás, interpretação diversa prejudicaria os direitos de defesa e o princípio do contraditório, sendo por isso de preferir interpretação conforme à Constituição (acórdão o TRE de 22.05.2005 in CJ XXX, 1, 267 e acórdão do TRL de 1.3.2005, in CJ XXX, 2, 123) - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed., pago 1240.

  8. In casu, o recorrente não só não foi ouvido de forma presencial como nem sequer foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão. Sendo que, tal notificação teria que ser pessoal.

  9. O tribunal a quo, não envidou as diligências necessárias à efectiva notificação do arguido 10. Em face dos elementos presentes nos autos, apenas por manifesta incúria não logrou o Tribunal determinar o paradeiro do arguido.

  10. Ab initio, nenhuma relevância poderá ser atribuída à circunstância da correspondência remetida para a morada do TIR ter sido devolvida ao remetente. Com efeito, com a condenação cessou o TIR. Na verdade, as medidas de coacção cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214° n.º 1 al. e) do CPP). Por outro lado, o condenado não está sujeito aos deveres que para o arguido resultam do n.º 3 do artigo 61° do CPP, nomeadamente à obrigação de comunicar ao Tribunal qualquer mudança de residência.

  11. Ademais, a fls. 120 e 158 resulta a informação que o arguido se encontra a residir nos Estados Unidos da América, concretamente, no Estado da Flórida. Em face de tal informação podia/devia o tribunal a quo apurar o paradeiro do arguido através da Embaixada de Portugal naquele País ou dos Consulados Gerais sediados naquele Estado.

  12. Acresce que, a fls., foi junto aos autos o contrato de trabalho do recorrente, do qual decorre a identificação da entidade patronal, respectiva morada da sede e contactos telefónicos. Ora, nenhuma diligência foi promovida junto desta empresa para se proceder á notificação do arguido.

  13. Por outro lado, nem a defensora do arguido foi notificada para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não obstante tal acto até ter sido promovido a fls. 143.

  14. Para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão, é necessário que o Juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário.

  15. O tribunal deve por isso averiguar se as finalidades se encontram ou não comprometidas, o que obriga o Tribunal a proceder oficiosamente às diligências necessárias á demonstração de que as finalidades que subjazem à suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.

  16. Constituindo a revogação da suspensão da pena de prisão a aplicação e cominação de outra pena ter-se-á de processar de acordo com os princípios gerais que presidem ao processo penal, designadamente, o consagrado no artigo 32° nº 1 da CRP, segundo o qual o processo penal assegura todas as garantias de defesa em respeito pelo princípio do contraditório.

  17. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º nº 5, da Constituição da República, consubstancia-se no direito/dever do juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica• Acórdão desta Relação de Coimbra de 30.04.2003 in CJ XXVIII, T II, pag. 50.

  18. Seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a revogação da suspensão se pudesse processar sem que este se pudesse pronunciar nos termos do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal o que significa que lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório e, mais, do direito de audiência pessoal. _ Acórdão desta Relação de Coimbra de 5.11.2008 in www.dgsi.pt 20. Pelas razões supra expostas, a não audição do arguido neste momento processual afecta gravemente os direitos de defesa do arguido e a dimensão constitucional do princípio do contraditório (art. 32° nº 5 da Constituição da República Portuguesa). A concreta violação desse princípio está patente nestes autos.

  19. Não é concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas.

  20. É, assim, nula a douta decisão por não ter sido ouvido o arguido ou o seu defensor em momento prévio à revogação da suspensão da pena de prisão.

  21. Sem prescindir; não resulta dos autos demonstrado um juízo de culpa de tal forma grave que autorizasse a revogação da suspensão da pena de prisão. Ademais, também se assume como indemonstrada a violação grosseira e repetida dos deveres e regras de conduta que pendiam sobre o recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 56° do CP.

  22. Conforme vem sendo entendido de forma generalizada pela jurisprudência, a revogação da suspensão não opera de forma automática, mas dependente da análise do caso concreto no que concerne ao preenchimento dos pressupostos enunciados nas duas alíneas do artigo 56º n.º 1 do CP.

  23. Nas palavras de Figueiredo Dias, só deve decidir-se pela revogação da suspensão se dali nascer "a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (Direito Penal Português • As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, Lisboa, 1993, p. 356).

  24. Como salienta o Acórdão da Relação de Lisboa de 19-02-1997, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 166, a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta expostas, de que se fala no art. 56 nº 1 al. a) do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada.

  25. É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa" - Ac. desta Relação de Coimbra de 7-05-2003, Rec. 612/03.

  26. Escreve Maia Gonçalves em anotação ao art. 55 do seu CP anotado e comentado, 12ª edição, que só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção.

  27. In casu não foram devidamente apuradas as razões que determinaram o incumprimento, não sendo, por conseguinte, possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de culpa do arguido nesse incumprimento, reveladora da necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão.

  28. Acresce que, nos autos, salvo o devido respeito por melhor opinião, existiam dados bastantes para formular, com segurança, um juízo de não culpa.

  29. Na verdade, conforme decorre da informação a fls. 158 e do contrato de trabalho junto pela Ilustre defensora, o recorrente, após a prolação da sentença, mudou-se para os Estados Unidos da América, aí passando a residir e a trabalhar, sendo que, não mais voltou a Portugal. Sintomático é a circunstância do arguido não ter procedido ao levantamento do título de condução, apreendido á ordem do...

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