Acórdão nº 769/09.7TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução05 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em concurso real, de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nº 2, 73º, 154º, nºs 1 e 2 e 155º, nº 1, a), todos do C. Penal, e de cinco crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a), do mesmo código.

Por sentença de 9 de Maio de 2012 foi o arguido condenado pela prática do imputado crime tentado de coacção agravada, na pena de um ano e dois meses de prisão, pela prática de cada um dos imputados cinco crimes de ameaça agravada, na pena de sete meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de tempo.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

1ª – Requer-se a V. Exc.ªs a reapreciação da prova testemunhal produzida, através da audição integral dos depoimentos seguintes: - B...

, assistente (sessão de 24.04.2012; das 14:49:38 às 15:19:18); - C....

, assistente (mesma sessão; das 15:20:09 às 15:47:53 e das 15:54:03 às 16:29:48); - D...

, testemunha (mesma sessão; das 16:30:51 às 16:33:29 e das 16:33:46 às 16:52:59); - E...

, testemunha (mesma sessão; das 17:06:05 às 17:18:18 e das 17:21:33 às 17:40;02); 2ª – Uma vez que o arguido, com o presente recurso, e para além do mais que impugna, pretendia que o tribunal ad quem procedesse à reapreciação da prova gravada (e pretende ainda, obviamente), requereu (em 14.05.2012) a entrega de cópia da gravação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, para o que forneceu o competente CD.

  1. – O dito CD, já com a gravação, foi-lhe devolvido no dia (salvo erro) 18.05.2012.

  2. – Ao ouvir pela primeira vez a mencionada gravação, (que aqui se dá por reproduzida) a fim de elaborar a palie do presente recurso para a qual o conhecimento da mesma se mostrava necessário, apercebeu-se de que, a partir das declarações do assistente C..., a voz do defensor e as suas perguntas são praticamente inaudíveis.

  3. – É verdade que, por vezes, embora com grande esforço, é possível ouvir razoavelmente as perguntas do defensor, mas em muitas outras ocasiões, especialmente em relação ao mais extenso interrogatório a que submeteu a testemunha H..., as perguntas formuladas são totalmente, ou pelo menos de forma parcial e afectando decisivamente o conjunto da questão colocada, imperceptíveis na gravação.

  4. – Desconhece o defensor se, caso os seus computadores estivessem equipados com colunas de som mais potentes (porventura das usadas em concertos) as suas perguntas seriam perceptíveis, mas utilizando no máximo da capacidade sonora o equipamento de que dispõe (um portátil Toshiba e um outro computador equipado com duas colunas exteriores de marca Genius (capazes de produzir muitos decibéis), não consegue ainda assim ouvir a sua própria voz.

    7ª – Face a esta situação, necessário é concluir-se não se ter procedido à exigida documentação de tais declarações.

  5. – Ora, com a reapreciação da prova gravada, o arguido pretendia, e pretende ainda, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto. Para tanto, a audição dos depoimentos prestados pelas ditas testemunhas seria absolutamente crucial.

  6. – Tendo em conta o exposto, está o recorrente ilegalmente impossibilitado de impugnar, como era e é sua intenção, a decisão proferida sobre a matéria de facto, vendo assim postergado o seu direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o que, além do mais, se traduz numa violação flagrante do seu direito de defesa.

  7. – Nos termos do artigo 363º do C.P.P., «As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade». A não documentação das aludidas declarações constitui uma violação legal cominada com nulidade, sendo assim inválida essa documentação, bem como a audiência de julgamento no seu todo, e ainda todos os actos subsequentes, incluindo, naturalmente, a sentença ora impugnada., nulidade esta que expressamente deduz.

  8. – Conforme o estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 412° do CPP «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devam ser renovadas e, Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que4 se funda a impugnação». 12ª – E, nos termos do disposto no artigo 363° do CPP (com a alteração introduzida pela Lei n.° 48/2007, de 29-8) «As declarações prestadas oralmente em audiência são sempre documentada na acta, sob pena de nulidade», estando a forma da documentação descrita no artigo 364º.

  9. – Assim, quer a omissão total ou parcial da gravação, quer a sua imperceptibilidade (quando esse segmento da prova for essencial ao apuramento da verdade) constitui nulidade, a qual tem influência na decisão da causa, na medida em que o recorrente fica impossibilitado de cumprir o ónus de especificação previsto no citado artigo 412º.

  10. – Sendo um funcionário judicial que procede à gravação da prova e, sendo os meios técnicos utilizados do próprio tribunal, quando um sujeito processual solicita cópia da gravação tendo em vista o recurso, confia que a gravação da prova está em perfeitas condições técnicas e que o registo magnético é totalmente perceptível.

  11. – Ainda que se entenda que uma actuação prudente implicará a verificação imediata da qualidade da gravação, afigura-se-nos que pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, não lhe é exigível que proceda à audição dos respectivos suportes magnéticos no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a cópia das cassetes/CDs pelo Tribunal, podendo fazê-lo dentro do prazo da apresentação da motivação do recurso. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos da RC de 1-7-2008, de 15-4-2008 e da RP de 5-5-2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

  12. – Não sendo perceptível a gravação da prova, ficou inviabilizado o recurso do recorrente e a apreciação da prova pelo Tribunal ad quem, e consequentemente foram lesados os direitos de defesa do arguido/recorrente garantidos pelo artigo 32°, n.º 1 da CRP.

  13. – Deste modo – mas apenas subsidiariamente em relação à nulidade que culmina a deficiente fundamentação da sentença, uma vez que a referida nulidade decorrente da deficiente gravação depende de arguição e por isso estará na disposição do arguido argui-la ou não, deverá proceder a arguida nulidade decorrente da deficiente gravação da prova oral produzida e, independentemente de alguns depoimentos serem perceptíveis – conforme Acórdão de fixação de jurisprudência, de 29-10-2008, tendo o STJ decidido que "a perda da eficácia da prova ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do CPP", mostrando-se excedido o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 328° do CPP – deverá proceder-se a novo julgamento.

  14. – Reina, na douta sentença, e com todo o respeito por opinião contrária, a arbitrariedade e a ausência de labor lógico-racional na interpretação e conjugação crítica da prova produzida.

  15. – A fundamentação da decisão recorrida quanto à matéria de facto é, por demais, vaga e injustificada, tanto mais que não existe qualquer prova directa, mas meramente circunstancial, indirecta ou de presunções, o que impõe uma acrescida necessidade de justificar a "verdade material" encontrada pelo julgador.

  16. – A d. sentença é, por isso, nula.

  17. – A convicção de quem julga terá de obedecer ao requisito de ser recondutível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e controle.

  18. – A apreciação da prova, maxime da prova testemunhal, não pode, obviamente, limitar-se à simples absorção das palavras ouvidas, antes devendo ser criticamente valorada de acordo, não com a mera impressão subjectiva e arbitrária gerada no espírito do julgador, mas antes fazendo uso de critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

  19. – Ora, é exactamente essa mera impressão, arbitrária e subjectiva, que, salvo todo o devido respeito se encontra reflectida na sentença recorrida.

  20. – A análise cuidada, ponderada e atenta de toda a prova produzida, ou melhor, da escassez da prova produzida, e que é meramente circunstancial, não pode deixar de, pelo menos, causar no espírito do julgador a séria dúvida sobre a culpabilidade do arguido, In dubio pro reo.

  21. – A sentença recorrida não se socorreu (devendo-o fazer oficiosamente, se tal considerasse necessário à boa resolução da causa,) de qualquer análise, exame ou auxílio pericial.

  22. – Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo. Os dados de base, são relativos à conexão à rede, os dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, os dados de conteúdo, são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem; A identificação completa, morada c endereço de correio electrónico, bem como o IP de criação dessa caixa de correio electrónico e o IP pelo qual foi enviada determinada mensagem, constituem dados de base, que podem ser revelados a pedido de uma autoridade judiciária.

  23. – Pois, e conforme pode ler-se em "Constituição Portuguesa Anotada" – Jorge Miranda – Rui Medeiros, Coimbra Editora, tomo I 2005 pag 356: " … A...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT