Acórdão nº 204/10.8TASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução05 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 204/10.8TASEI do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, após realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 8 de Dezembro de 2012 com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, decidem os juízes que constituem este Tribunal Colectivo do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia: 1. - Absolver o arguido A...

da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes, na forma continuada, na pessoa de E..., p. e p. pelos arts. 172º, n.ºs 1 e 2, 171º, n.º 3, al. b), e 30º, todos do Código Penal, de que vinha acusado.

  1. Condenar o arguido A...

    , pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na forma continuada, p. e p. pelos arts. 172º, n.º 3, al. b), e 30º, n.º 2, do C. Penal (menor B...

    ), na pena de dois (2) anos de prisão; 3. Condenar o arguido A...

    , pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na forma continuada, p. e p. pelos arts. 172º, n.º 3, al. b), e 30º, n.º 2, do C. Penal (menor C...

    ), na pena de um ano e quatro meses de prisão; 4. Condenar o arguido A...

    , pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, n.º 1, do C. Penal (menor B...), na pena de dois (2) anos de prisão.

  2. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova; 6. Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição do exercício da profissão de professor, ou de função ou actividade, públicas ou privadas, que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, pelo período de 10 (dez) anos – art. 179º, al. b), do Código Penal.

  3. - Condenar o arguido no pagamento de 4 UC’s de taxa de justiça, e nos legais acréscimos.

    Inconformado, recorreu o arguido A...

    , extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1º- O Tribunal " a quo" deu como provados um conjunto de factos, mais concretamente os elencados sob os nºs 8, 13, 14, 15, 16 e 22 da decisão recorrida, sem que dos mesmos tivesse sido feita qualquer prova, devendo por isso ser dados como não provados.

    1. -Ocorreu pois, quanto a nos um erro de julgamento, impondo-se assim a reapreciação, não só da prova gravada na audiência realizada na 1 a instância, mas também da prova documentada nos autos referente a transcrição das declarações para memória futura, prestadas pelas ofendidas, a que de seguida se fará referência.

    2. - Nestes termos, não foi provado que: 3.1. O Arguido tratava a B... reiteradamente de uma forma íntima, entre outros termos desadequados (ponto n° 8 dos factos dados como provados); 3.2. O Arguido passou a olhar de forma directa e descarada para o peito e nádegas da B..., sempre que se cruzava com ela ou estava junto dela, fazendo-o em plena sala de aulas (ponto 13° dos factos dados como provados); 3.3 Que o Arguido, durante as aulas que leccionava à turma da B..., tivesse encostado, como era seu desejo, uma das suas mãos ao corpo daquela, nomeadamente às partes íntimas e concretamente a parte interior das coxas e às suas nádegas, assim lhe tocando e apalpando-a como era seu propósito (ponto 14° dos factos dados como provados); 3.4. Que o Arguido, durante as aulas que leccionava á turma da B..., tivesse encostado, como era seu desejo, uma das suas mãos às nádegas daquela, por cima da roupa que ela trazia vestida, apalpando-as, bem assim como também encostou, pelo menos em três ocasiões distintas uma mão á parte interior das coxas daquela jovem, por cima da roupa que ela trazia vestida, acariciando-as (ponto 15° dos factos dados como provados).

      3.5. Que o Arguido a tivesse convidado, pelo menos em duas ocasiões distintas, para que mantivesse relações sexuais com ele e que se fizesse acompanhar da sua colega e amiga C... ponto n° 16 dos factos dados como provados); 3.6. Que o Arguido tivesse pedido á C... que quando a B... regressasse levantassem as camisolas para fins de excitação sexual (ponto n.º 22 dos factos dados como provados; 4º- Tais factos deverão ser dados como não provados, atentas as declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas e documentadas de fls 354 a474 dos autos e do depoimento da testemunha D...

      (gravação 2012011151024_37004, a partir do 2° minuto e 22 segundos).

    3. - Mais concretamente, as declarações para memória futura de B..., constantes de fls. 413, 422, 425, 426 e 437 não merecem a credibilidade que lhes foi atribuída pelo Colectivo de Juízes, pois são declarações que entram em contradição, em momentos diferentes, com outras declarações previamente prestadas que contrariam o depoimento, igualmente, de memória futura de C...; 6°- As declarações de B... revelam, em momentos importantes do relato dos factos, insegurança, incerteza, dúvida e falta de espontaneidade; do registo do mesmo são evidentes imprecisões, contradições, omissões e inconsistências que não só o fragilizam, mas que o descredibilizam por completo.

    4. -Obtendo acolhimento, tal como se espera, as considerações precedentes, o arguido terá de ser inevitavelmente absolvido da prática do crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 171° n.º 1 do Código Penal, na pessoa da menor B... e em consequência efectuado novo cúmulo jurídico em relação às duas penas parcelares encontradas para os restantes crimes.

    5. - A discordância do arguido abrange, igualmente, o erro que o Tribunal cometeu na aplicação do artigo 171 n.º 1 do Código Penal, (quem pratica acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos) ao fazer a respectiva subsunção à matéria de facto dada como provada e ao condená-lo na pena de dois anos de prisão.

    6. - A questão fulcral que aqui se coloca é efectivamente saber, o que é um acto sexual de relevo. A doutrina alerta-nos desde logo para o facto de não ser possível, estabelecer em parâmetros exactos, o que se deve entender por condutas ou actos sexuais. Tem sido pois, a jurisprudência que ao longo do tempo tem vindo, mais ou menos, a delinear os limites do dito conceito.

    7. - Veja-se os acórdãos da Relação de Coimbra datados de 25-01-2012, 02-02-2011, 18-01-2009 e 09-07-2008, e bem assim os acórdãos do STJ de 07-01-2010 e 09-12-2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

      onde são identificados actos sexuais de relevo, que podemos usar como bitola e de cuja leitura podemos retirar o que são verdadeiramente actos sexuais de relevo.

    8. - Um determinado acto, para que possa ser qualificado como acto sexual de relevo, tem de, por um lado, ter uma relação com o sexo (relação objectiva) e em que, além disso haja por parte do seu autor a intenção de satisfazer apetites sexuais, e por outro lado constituir um entrave importante à determinação sexual da vítima.

    9. - Apalpar ou encostar a mão não é considerado acto sexual e muito menos de relevo.

    10. - O Tribunal, ao enquadrar a matéria de facto que deu como provada relativa à menor B..., aplicou, indevidamente, o artigo 171 n.º 1 do Código Penal, pois tal não consubstancia nenhum acto sexual de relevo, pelo que deve o Arguido ser absolvido da prática desse crime e em consequência ser efectuado novo cúmulo jurídico das penas correspondentes aos restantes dois crimes.

    11. - Foi ainda ao Arguido aplicada a pena acessória de proibição do exercício da profissão de professor, ou de função ou actividade, públicas ao privadas que impliquem ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância pelo período de 10 anos, nos termos do disposto no artigo Penal.

    12. - A aplicação de uma pena acessória, e concretamente a prevista no artigo 179° alínea b) do Código Penal, não pode ser feita de forma automática, pois há um conjunto de pressupostos de ordem material a comprovar, e uma ponderação sobre a necessidade da sua aplicação a fazer.

    13. - Nos autos em apreço, nem a acusação alegou factos integradores dos pressupostos da previsão legal da pena acessória, limitando-se a requerer a final a sua aplicação, nem foi feita qualquer prova ou dado como provado, pelo Tribunal, qualquer facto que permita a aplicação da dita pena.

    14. - O Tribunal "a quo" não só não deu como provada qualquer matéria factual que permita concluir pela necessidade e adequação da aplicação da pena acessória em causa, como se limitou a remeter para a matéria de facto e fundamentação, que efectuou para os crimes pelos quais condenou o Arguido.

    15. - O Arguido não poderá pois ser condenado na pena acessória.

    16. - Todavia e sem prescindir: 20°- O Tribunal ao decidir como decidiu, com o devido respeito por opinião contrária, desrespeitou e violou as disposições legais aplicáveis, bem como todos os princípios orientadores em matéria de determinação da medida da pena, abstendo-se de fazer o juízo intelectual a que está vinculado.

    17. - Uma pena acessória, tal como uma pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 710 do Código Penal, ou seja em função da culpa do agente, das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

    18. - Ora, o que o Tribunal fez, mais não foi do que, condenar duas vezes o arguido pelos mesmos crimes, com várias penas distintas; 23º- Há uma grave desproporção entre a concreta pena acessória e a obtida no âmbito da pena principal.

    19. - Por um "deslize" na vida em 54 anos, o Arguido foi severamente punido.

    20. - A severidade não é Justiça.

    21. - Tendo ficado provado que, o Arguido não tem antecedentes criminais; possui o curso complementar de mecânica técnica; aos 19 anos começou a dar aulas, casou com 22 anos e tem três filhos; vive com a mulher e a filha mais nova; tem casa que comprou há 20 anos com recurso ao crédito; o Arguido passa a maioria do tempo em casa, saindo com a família com quem mantém uma relação estável e adequada; é referenciado como pessoa tímida, introvertida...

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