Acórdão nº 405/10.9GBCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução05 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) Pelo exposto, condena-se o arguido A...

como autor material de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º nº 1 do C.P na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6€ num total de € 1.500 (mil e quinhentos Euros).

Mais se condena pela prática da contra-ordenação p. p. pelo art. 81º nº1 e 2 do CE na coima de 500 € (quinhentos Euros) e inibição de conduzir pelo período de 1 (um) ano.

Vai ainda o arguido condenado a pagar as custas do processo, fixando-se em 2UC a taxa de justiça.

(…)”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O recorrente circunscreve o presente recurso à decisão sobre a matéria criminal relativa à sua condenação como autor material de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do CP.

  1. O recorrente impugna os pontos [6] (na parte "por distracção, permitiu"), [7], [8], [14], [16], [17], [18] e [19] da matéria de facto, uma vez que não foi produzido qualquer elemento de prova que pudesse atestar tal factualidade.

  2. Para se fundar a condenação do arguido, haveria que provar a existência de nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia de 0,7 g/l e o dano. Ou seja, tem de ser provado que o acidente em questão se deu por diminuição das capacidades discernitivas e/ou reflexivas do condutor/arguido decorrentes da influência química do álcool previamente ingerido.

  3. Do simples facto de o arguido conduzir sob o efeito do álcool não é lícito presumir a existência de um nexo causal entre tal estado e a produção de um acidente.

  4. Nenhuma jurisprudência admite que, só por si, a existência de taxa proibida fundar juízo sério e inequívoco sobre a verificação do nexo de causalidade. Importará, assim, lançar mão de outros factos concretos e provados para que possa funcionar a regra da experiência comum de acordo com a qual se possa retirar que a distracção rodoviária foi produtora de um acidente e ainda que aquela distracção derivou da taxa de alcoolemia proibida 6. No caso dos autos, o Tribunal decidiu com base no funcionamento automático do silogismo "taxa de alcoolemia proibida - causa adequada do acidente produtor do resultado danoso", sem que outros elementos probatórios pudessem sustentar e comprovar tal lógica.

  5. No caso dos autos, provada que está a existência de taxa de alcoolemia de 0,7 g/l, nenhum outro facto se deu como provado que pudesse sustentar a existência de nexo de causalidade entre aquele valor e o acidente e a morte.

  6. O julgamento da matéria de facto quanto aos pontos impugnados assentou meras suposições não sustentadas em qualquer elemento de prova produzido, mas em meras presunções ou, pior do ponto de vista metodológico, em presunções assentes noutras presunções.

  7. Dos depoimentos das únicas testemunhas que depuseram sobre os referidos factos [B...

    - depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre [1ª parte] as 12:11:15 e as 12:27:45 e [2ª parte] entre as 12:27:47 e as 12:44:16 - acta de audiência de discussão e julgamento de 12-03- 2012; C...

    , - que foi o autor dos relatórios técnicos de fls. 171 e 55. em depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre [1ª parte] as 11:21:36 e as 11:52:47 e [2ª parte] entre as 11:52:49 e as 12:25:48 - acta de audiência de discussão e julgamento de 29-03-2012); D...

    (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre [1ª parte] as 11:16:59 e as 11:33:11 e [2ª parte] entre as 11:33:13 e as 11:45:21 - acta de audiência de discussão e julgamento de 12-03-2012); E...

    (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre [1ª parte] as 12:46:12 e as 13:01:45 e [2ª parte] entre as 13:01:47 e as 13:12:05 - acta de audiência de discussão e julgamento de 12-03-2012) e F...

    (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre as 13:13:09 e as 13:24:01 - acta de audiência de discussão e julgamento de 12- 03-2012) não resultam provado nenhum dos factos impugnados.

  8. Por outro lado, nenhuma das referidas testemunhas, colocada perante o cenário do acidente foi capaz de afastar como causa da sua produção a eventual existência de avaria mecânica, antes afirmando tal cenário como possível, considerando a especificidade do rastro e do estado dos pneus.

  9. Aliados aos elementos escritos constantes dos relatórios técnicos de fls. 169 e ss. e 409 e ss. do depoimento da testemunha G...

    (gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre as 12:27:05 e as 12:43:37 - acta de audiência de discussão e julgamento de 29-03-2012) e dos esclarecimentos prestados pelo perito H...

    (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Cantanhede, entre as 15:27:07 e as 15:35:26 - acta de audiência de discussão e julgamento de 27-04-2012) resulta que o acidente pode, com elevado grau de probabilidade, ter sido causado por avaria mecânica traduzida no esvaziamento do pneu traseiro esquerdo e/ou por possível bloqueio da respectiva roda.

  10. Em face da prova produzida e atentos os elementos existentes quanto à derrapagem ou a o estado do pneu esquerdo traseiro, ficaria, pelo menos, objectivamente no ar a dúvida quanto à real influência do álcool na produção do acidente.

  11. Dúvida que a própria Senhora Juiz acaba por reconhecer quando a p. 10 da sentença sente necessidade de suportar o seu juízo num facto inexistente consubstanciado numa errada leitura do relatório técnico de fls. 171 e do relatório de fls. 409 afirmando que o veículo circulava em ponto morto para poupar combustível o que dificultou o respectivo controlo.

  12. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, 1ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal, agora o de recurso, tem de decidir pro reo.

  13. Em súmula, atenta a prova produzida não se podem dar como provados os factos que supra se impugnaram, designadamente que exista nexo causal entre a TAS e a produção do evento, pelo que, consequentemente, deveria o arguido ter sido absolvido do crime por que veio acusado que, na verdade, não cometeu.

  14. Violou o Tribunal as normas contidas nos artigos 1º, nº 1, 10º, nº 2, 15º e 137º nº 1 do Código Penal e o artigo 32º, nº 2, da CRP.

    Também o assistente interpôs recurso que, no entanto, veio a ser rejeitado.

    Na resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se pela manutenção do decidido.

    Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se também pela improcedência do recurso.

    Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

    Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

    No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir restringem-se à impugnação do julgamento de facto e ao funcionamento do princípio in dubio pro reo.

    * * * II - FUNDAMENTAÇÃO: Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: No dia 28 de Julho de 2010 cerca das 00h 30m o arguido encontrava-se no recinto da Expofacic em Cantanhede, na companhia do seu irmão I...

    e dos seus amigos B (...) e J (...).

    Durante o tempo que ali permaneceram, até perto das 4h 30m o arguido e os seus amigos e irmãos ingeriram algumas cervejas.

    Cerca das 4h 30m decidiram sair do local e ir para casa do arguido.

    O arguido, consciente que havia ingerido bebidas alcoólicas, iniciou a condução do veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Astra, de matrícula 21-47-ZI seguindo como passageiros a vítima mortal J (...), que ocupava o banco dianteiro, B (...), no banco traseiro, lado direito e I (...) no banco traseiro, lado esquerdo.

    Na deslocação para a Mealhada utilizavam a Estrada Nacional nº234.

    Pelas 4h 45m e encontrando-se em Murtede, Cantanhede, ao Km 25,8 daquela Estrada Nacional, o arguido que circulava na sua via de trânsito, por distracção, permitiu que o veículo invadisse a via de trânsito de sentido oposto.

    Ao aperceber-se que o veículo circulava na via de trânsito de sentido contrário, o arguido tentou repô-lo na sua via de trânsito.

    Contudo, ao fazê-lo, devido à condução sob influência do álcool, ao cansaço e à pouca atenção que colocava na condução, fê-lo duma forma repentina, permitindo que o veículo entrasse em sobreviragem.

    De seguida o arguido perdeu o controlo sobre o veículo que conduzia, o qual entrou em despiste e se atravessou na faixa de rodagem, indo embater com a lateral esquerda numa oliveira que se encontrava nuns terrenos anexos, lado direito, sentido Cantanhede/Mealhada, arrancando-a. Prosseguiu em despiste, arrancando mais duas oliveiras de pequeno porte.

    Após embater nas oliveiras o veículo capotou...

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