Acórdão nº 228/06.0TANLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução15 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

No Tribunal Judicial da comarca de Nelas, e sob acusação do Ministério Público, que lhe imputava a prática, em concurso real, de dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2, j), todos do C. Penal, foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, o arguido ... , casado, advogado, residente em A…...

Por sentença de 15 de Fevereiro de 2008 foi o arguido condenado pela prática de cada um dos crimes de que foi acusado, na pena de 180 dias de multa e em cúmulo, na pena única de 280 dias de multa à taxa diária de € 8 ou seja, na multa global de € 2.240.

No dia 26 de Fevereiro de 2008 o arguido requereu a aclaração da sentença, nos termos que constam de fls. 611 a 613.

Por despacho de 3 de Março de 2008 foi indeferido o requerimento de aclaração da sentença por infundado.

Inconformado com a sentença proferida complementada com o despacho que recaiu sobre o requerimento de aclaração, dela interpôs recurso o arguido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  1. A sentença em crise padece dos vícios descriminados e fundamentados na motivação de recurso, e para a qual se reporta ponto por ponto e expressamente, a saber 2. O despacho que decidiu o requerimento de aclaração é ilegal, visto que omitiu de se pronunciar e analisar nos termos da lei e, uma por uma as questões levantadas pela defesa no requerimento de aclaração da sentença. Sendo que, o recorrente expressamente aduziu que, tratando-se de questões relevantes que importam modificação essencial e que em caso de deferimento poderiam tornar inútil a interposição de recurso 3. Antes, limitou-se a uma objectiva omissão de pronúncia, que configura rejeição liminar, sem explicitar os motivos de facto e de direito de tal rejeição e de tal omissão de pronúncia, em confronto com o teor concreto das questões em suscitadas. Sendo que, tal ponderação e pronúncia, constitui o mais elementar direito da defesa.

  2. O todo traduzindo-se em vício de nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação legal do despacho.

  3. E ainda do vício de inconstitucionalidade, na medida em que os arts. 380º nº 1, al. b) a contrario sensu e, 4º do CPP e 158º e 669º do CPC foram interpretados e essa interpretação foi efectivamente aplicada, como podendo o requerimento de aclaração ser liminarmente rejeitado sem que o tribunal se tenha pronunciado ainda que resumidamente sobre o mérito ou o demérito de cada uma das questões em concreto suscitadas no requerimento, bastando-se com uma afirmação unilateral e não fundamentada de que tudo está claro na sentença. Ferindo assim de forma flagrante o disposto nos artigos 32º nº 1 e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

  4. Violou também o despacho que indeferiu o requerimento de aclaração, os princípios do acusatório e, dentro dele, o do contraditório, ao não permitir que o arguido pudesse conhecer a posição do M.P. sobre as questões que suscitou em seu benefício, o que era um direito seu, atento o dever estatutário do M.P. de, para além do mais, defender a legalidade democrática, onde se incluem os direitos fundamentais dos cidadãos e do requerente. Ao arrepio do que ordenam a lei e a Constituição, nomeadamente os arts. 670º nº 1 do CPC; 32º nº 5 da CRP e também, os arts. 1º, 2º nº 2 e 3º nº 1, als. f) e p) do Estatuto do M.P.

  5. Errou ainda a sentença na aplicação do direito ao condenar o arguido pelo cometimento de dois crimes de difamação agravada, ao invés de um único crime cometido na forma continuada.

  6. Dado que, não levou em conta que o Princípio da Continuidade da audiência de julgamento funciona como um elo de ligação entre todos os actos processuais, do princípio ao fim, desde que situados no contexto das funções próprias de cada interveniente processual e por via e causa do seu desempenho funcional.

  7. E que, as frases apostas na acusação, têm origem e foram retiradas do contexto global de dois recursos interlocutórios que subiram a final com o recurso interposto do Acórdão.

  8. Sendo que as mesmas decorreram naturalmente, de forma coerente e necessária, como resposta aos inúmeros despachos de indeferimento de arguição de irregularidades, de nulidades e de inconstitucionalidades, introduzidos pela defesa ao longo da audiência de julgamento.

  9. No estrito desempenho das funções de advogado, com um apelo exterior permanente dos próprios arguidos que exigiam a expressão processual da revolta que sentiam, à medida que o desenrolar dos trabalhos suscitava a seus olhos, incredibilidade e suspeitas, devidos aos comentários e comportamentos processuais, inusitados, ilegais e prejudiciais à sua possibilidade concreta de defesa, no momento.

  10. Da responsabilidade e iniciativa do assistente que ali era Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo que os estava a julgar, em todo o caso, um apelo permanente dos arguidos ao seu advogado que em si e por si, se cristaliza num facto fortemente diminuidor da sua culpa, mesmo aceitando-se a existência de crime, o que só em tese se admite.

  11. Encontrando-se desse modo reunidos os elementos bastantes que preenchem a forma do crime continuado e, como tal devendo a sentença ser revogada e reformulada por erro na aplicação do direito.

  12. E errou também a sentença na aplicação do direito em diversos pontos da matéria de facto que apreciou, incorrendo ao mesmo tempo e, simultaneamente em inconstitucionalidade por tratamento do arguido em iniquidade, ferindo direitos fundamentais, pela interpretação unilateral, restritiva e violadora dos princípios da liberdade de expressão e do direito às imunidades no exercício do patrocínio forense.

  13. Não enquadrando as frases produzidas no contexto integral das alegações produzidas e, em especial, desligando-as por omissão do quadro real em que as mesmas tiveram origem, nomeadamente, dois arguidos estrangeiros, confrontados em audiência com comentários pejorativos e jocosos de carácter pessoal emitidos pelo assistente, assim como com a impossibilidade de se defenderem em audiência e de sindicarem in loco as falhas de transmissão do tribunal e da intérprete ao arguido Albanês, perante o acto arbitrário que ordenou, no final de cada depoimento que o gravador fosse desligado e só depois, o Juiz-Presidente passasse a transmitir por súmula e por sua exclusiva iniciativa o que entendia que cada testemunha havia dito.

  14. Nem sequer concretizando em quê e como as frases imputadas nos recursos ao comportamento do assistente deveriam ter sido proferidas e que "surtissem o mesmo efeito pretendido" e, não o dizendo, limitando-se a condenar o recorrente, advogado no exercício das suas funções, sem que tivesse proferido ou escrito uma única palavra de cariz pessoal grosseiro ou insultuoso dirigido ao Juiz-Presidente.

  15. Ao contrário do assistente que, logo no início da audiência e, após a identificação do arguido Aleko, lhe perguntou em voz alta e em tom irónico e jocoso: "Veio cá tratar de alguma cabra?!" tecendo um "comentário jocoso" no dizer da própria sentença. 18. Sem levar em conta que as referidas frases nunca se afastaram do objecto da defesa, eram proporcionadas no seu vigor crítico à gravidade dos atentados cometidos aos direitos e respeito devido aos arguidos que estavam a ser julgados.

  16. E que o conteúdo das referidas imputações não preenchem a factualidade típica dos crimes de difamação, apenas dando corpo à discordância jurídica, visando apenas os despachos proferidos e não a pessoa que os elaborou.

  17. Errando assim na interpretação e qualificação dos factos, sem ter em conta a doutrina e a jurisprudência e colocando o arguido advogado, na situação de condenado por um crime, na defesa dos interesses legítimos dos seus patrocinados.

  18. Em clara violação da lei, configurando iniquidade de tratamento, ilegalidade e inconstitucionalidade, não só como advogado, mas antes de mais, como cidadão com pleno direito à liberdade de expressão.

  19. Ao acolher na fundamentação da sentença condenatória uma interpretação que efectivamente aplicou a saber, que o exercício do patrocínio forense, na pessoa do mandatário está sujeito, nos seus limites e no âmbito do processo, a menorização e, rigorosamente aos mesmos deveres e, até maiores, na liberdade (e falta de liberdade) de expressão e na contenção da argumentação do que, fora desse mesmo exercício e em situações normais da cidadania comum.

  20. O que significa – como mero exemplo caricaturado – que a linguagem e os impropérios que vezes sem conta se ouvem aos deputados no parlamento, se fossem proferidos no tribunal por um mandatário, o mesmo seria de imediato detido e mais tarde condenado sem remição.

  21. Errando assim na sentença o tribunal, porque se atribuiu – objectivamente – o direito de julgar, na fundamentação de facto e de direito, através de presunções judiciais sem qualquer correspondência sólida e fio lógico condutor com a prova efectivamente produzida em audiência: documental, testemunhal e na sua integralidade.

  22. Errou também o tribunal na apreciação que emprestou aos factos provados, incorrendo no vício de contradição da fundamentação, dado que, do texto da sentença resulta o que ficou escrito, a saber e ao mesmo tempo que, não ficou provado que o assistente "no âmbito da condução da audiência tenha actuado num ambiente de pré-juízo condenatório e com actos de abuso de poder prejudiciais à situação dos arguidos, obstando a que estes tivessem acesso a um julgamento justo, equitativo e imparcial," 26. E que o assistente "explicitou que efectivamente proferiu na audiência de julgamento a expressão referente ao tratamento de uma cabra … que tal se prendeu somente com um comentário de natureza jocosa …" 27. Contradição insanável patente no texto da sentença que preenche o vício de nulidade da mesma nos termos e para os efeitos do disposto no arte 410º nº 2, al. b) do CPP.

  23. Devendo por tal motivo a sentença ser considerada nula, com as legais consequências.

  24. Finalmente, errou a...

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