Acórdão nº 1464/11.2TBGRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Banco I…, SA promoveu, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, através de requerimento executivo apresentado por via electrónica no dia 5 de Dezembro de 2011, contra A…, Lda. e outros, acção executiva para pagamento de quantia certa, para destes haver a quantia de € 33 778,29, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 2 862,15, e dos vincendos, contados à taxa anual de 4%, até pagamento.

Alegou, como fundamento desta pretensão executiva, que, na qualidade de tomador, é portador de uma livrança de caução, no valor de € 33 778,29, emitida no dia 3 de Julho de 2002, com vencimento no dia 7 de Julho de 2010, subscrita pela primeira executada e avalizada pelos restantes, que, apresentada a pagamento não foi paga, na data do vencimento nem posteriormente.

Os executados P…, C… e S… opuseram-se à execução pedindo, relativamente a si, a extinção dela.

Alegaram, com fundamento da oposição, que livrança foi avalizada em branco, dela constando apenas a data do seu preenchimento, que prestaram o seu aval no pressuposto do curto prazo, que eram pessoas com interesse na sociedade executada, facto que era do conhecimento da exequente, que foi informada da cessão e passou a conceder crédito à sociedade, mesmo após se terem desvinculado da empresa, razão que motivou a prestação do aval, que desde meados de 2003 que não têm qualquer interesse na executada, tendo cedido as suas participações, que, pouco tempo após se terem desvinculado da sociedade, tiveram o cuidado de perguntar junto da executada se a situação da conta caucionada prestada à empresa estava regularizada, ao que os funcionários do Balcão da Guarda responderam afirmativamente, que desconhecem a actual situação do financiamento prestado pela exequente, estando convencidos que a sociedade executada na devia à exequente, que a executada teve conhecimento de que deixaram de ser sócios da executada e que foi nessa condição que deram o aval à conta caucionada aberta em favor da executada, que foi paga no momento da cessão ou pouco depois, que a exequente deveria ter obtido, na renovação da conta caucionada a renovação das garantias, desconhecendo se a exequente renovou ou não aquela conta e se a sociedade executada ficou em dívida junto da exequente, que se soubessem que seu aval iria ter valo mesmo depois de cederem as quotas da sociedade não o teriam prestado ou não teriam cedido as quotas, que não teriam prestado o seu aval se imaginassem que iria durar para sempre, que quando renovou a conta caucionada, depois de 2004, a exequente sabia que já se sentiam desobrigados e que lhes era bastante a garantia pessoal dos restantes avalistas, que tendo prestado um aval em 2002, para uma obrigação de curto prazo, a obrigação de garantia dada está prescrita, e que não têm memória de terem concedido autorização à exequente para colocar a data aposta, sendo que obrigação relativa à conta caucionada hã muito estava vencida.

O exequente não contestou.

A oposição foi logo no despacho saneador julgada improcedente.

É esta decisão de improcedência que os opoentes impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem a redução do montante da sua responsabilidade ao valor em dívida no momento em que deixaram de ser sócios da executada.

Os recorrentes remataram a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados – designadamente com fundamento no ónus da impugnação a que alude o art. 490º/1 e 2, do CPC ex-vi arts. 463º/1 e 817º/2 ambos do CPC – os factos seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC). Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC).

    O objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

    Sendo o objecto da acção executiva uma pretensão – i.e., uma faculdade de exigência da prestação que é correlativo de um poder de aquisição dessa prestação – tal pretensão mantém, na execução, todas as características do seu regime substantivo. É, por isso, que são oponíveis à pretensão todas as excepções peremptórias como, por exemplo, a prescrição (artº 493 nºs 1 e 2 e 814 nº 1 g) do CPC).

    A exequibilidade intrínseca da pretensão respeita à inexistência de qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação. Essa exequibilidade é, na realidade uma condição processual de procedência, ou seja, uma condição da qual depende a concessão de tutela jurisdicional que, no caso concreto, é a execução da prestação.

    Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é a prescrição, que constitui uma excepção peremptória.

    Esta excepção atinge a faculdade de exigência da prestação e, portanto, a exequibilidade intrínseca, mas em contrapartida não atinge o poder de aquisição da prestação, dado que, apesar da prescrição, o credor continua a possuir um título de aquisição de qualquer prestação que seja realizada voluntariamente pelo devedor (artº 304 nº 2 do Código Civil).

    Um dos fundamentos da oposição à execução alegados pelos recorrentes consistia, justamente, na prescrição da obrigação cambiária exequenda, fundamento que – tal como todos os demais – foi julgado improcedente logo no despacho saneador.

    Na sua alegação – e o que é mais – nas conclusões com que a remataram, os recorrentes não se referiram sequer, àquele fundamento da oposição. Nestas condições, há que concluir que os recorrentes renunciaram, ainda que tacitamente, à impugnação, no tocante ao apontado fundamento de oposição e, portanto, que nessa parte, a decisão recorrida passou em julgado (artº 684 nº 3 do CPC).

    Em contrapartida, esta Relação é chamada a pronunciar-se sobre uma questão que não foi colocada na instância recorrida, que não foi alegada, naquela instância, como fundamento da oposição: o abuso do direito.

    A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[1].

    Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.

    A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

    Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações dos recorrentes, as questões concretas controversas colocadas à atenção desta Relação são as de saber se: a) A decisão da matéria de facto deve ser, com fundamento em error in iudicando, objecto de modificação e ampliação; b) Deve anular-se, com fundamento em erro, a declaração cambiária de aval dos recorrentes; c) O negócio jurídico de aval deve, com fundamento na indeterminabilidade, ser declarado nulo; d) O aval foi extinto por denúncia; e) A livrança que serve de título executivo foi preenchida em violação do pacto ou acordo de preenchimento; f) O exequente, ao promover, contra os recorrentes, a realização coactiva da prestação pecuniária incorporada na livrança, age em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    A resolução destes problemas vincula à ponderação, ainda que leve, das regras a que obedece a distribuição, na oposição à execução, do ónus da prova dos respectivos fundamentos, da composição da oposição à execução por revelia do exequente, ao exame do título que serve de suporte à execução e das consequências da violação do pacto do seu preenchimento, da declaração cambiária de aval, da determinabilidade deste negócio cambiário e da admissibilidade da sua denúncia, dos pressupostos do erro-vício nesta declaração e, finalmente, do abuso de direito.

    3.2.

    Ónus da prova dos fundamentos da oposição e composição da oposição à execução por revelia do exequente.

    A oposição à execução constitui o meio de contestação desta (artº 813 n.º 1 do CPC).

    A oposição é um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente, que corre por apenso à execução, constituindo um incidente desta (artº 817 nº 1 do CPC). A oposição fundamenta-se num vício que afecta a execução. Se for julgada procedente, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC).

    No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado oponente a prova dos fundamentos de oposição invocados, dado que revestem a nítida feição de factos constitutivos da oposição deduzida (artº 342 nº 1 do Código Civil)[2].

    O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou...

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