Acórdão nº 36/13.1SGPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 36/13.1SGPRT.P1 * Decisão no Tribunal da Relação do Porto O arguido B…….

, casado, operário da construção civil, residente na …, …, Perafita, foi detido em flagrante delito porque em 25 de Janeiro de 2013, sexta-feira, conduzia veículo automóvel e, submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, acusou TAS de 1,88 g/l.

Porque a “detenção ocorreu fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial” (fls. 3 vº), foi o arguido libertado e notificado para comparecer no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto no dia 28 de Janeiro de 2013, pelas 14 horas (fls. 6).

Presentes os autos ao MP, determinou este Magistrado, naquela data (28/1/2013) a remessa dos autos à Secretaria Judicial para julgamento do arguido em processo sumário, o que requereu.

Distribuído o processo ao 3º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto, o Sr. Juiz lavrou o seguinte despacho: “O(A) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público veio requerer o julgamento do(a) arguido(a) em causa nos presentes autos em processo sumário.

Analisados os autos, extrai-se o seguinte: - o(a) arguido(a) foi detido(a) pela PSP no passado dia 25/01/2013, pelas 5 horas e 6 minutos, sendo libertado(a) no citado dia 25/01/2013 (sexta-feira), após as 5 horas e 45 minutos.

- o expediente em causa só foi depois apresentado ao MP no presente dia 28/01/2013, que só nesta data o remeteu a juízo, conforme a notificação efectuada pela PSP ao arguido, sendo recebido nesta secção judicial pelas 14 horas e 46 minutos.

É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis, bem como a existência de uma detenção do arguido em flagrante delito, e as regulares notificações ao arguido e o cumprimento do prazo legal para o início e depois conclusão da audiência de julgamento.

Só assim se podem apreciar os apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, a legitimidade do MP, bem como a competência do tribunal, a obrigatoriedade da apreciação judicial da detenção, o respeito pelo princípio do juiz natural, a igualdade no tratamento dos cidadãos, etc.

No processo sumário está em causa a detenção de um cidadão, sendo esta uma medida cautelar de privação da liberdade pessoal, de natureza precária e excepcional, dirigida à prossecução de finalidades taxativamente fixadas na lei, de duração não superior a 48 horas (cfr. os arts. 27º e 28º da CRP, bem como os arts. 254º, 381º, 382º, n.º 3, 385º, n.º 2, 387º, n.º 1, e 141º, todos do CPP).

Nos termos do citado art.º 254º, n.º 1, al. a), a detenção aí prevista só pode ocorrer para, no prazo máximo de 48 horas, o detido ser apresentado a julgamento sob a forma sumária ou ser presente ao juiz para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção.

Ocorrendo uma detenção de um cidadão por parte de uma entidade policial, impõe a lei que tal actuação policial e o respectivo expediente seja judicialmente apreciado em prazo muito curto (imediatamente após a detenção ou no prazo mais curto possível), considerando os direitos fundamentais que estão em causa, bem como as garantias do processo criminal a salvaguardar.

Quanto mais tarde for remetido a juízo o expediente relativo à detenção do cidadão e ao seu eventual julgamento em processo sumário, mais facilmente poderão ser postos em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e as garantias de defesa, designadamente, pela tardia apreciação judicial da referida detenção, pela tardia nomeação e assistência por defensor, pelo encurtamento do prazo para preparação da defesa, pelo encurtamento do prazo para realização de diligências de prova.

Conforme resulta da lei, os actos processuais relativos a processos penais sumários têm agora natureza urgente e praticam-se em dias não úteis e durante as férias judiciais (cfr. os arts. 103º, n.º 2, al. c), e 104º, n.º 2, ambos do CPP).

E conforme também resulta da lei, são organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto no CPP, na LSM e na LTE, que deve ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2,º feriado, em caso de feriados consecutivos (cfr. os arts. 73º, n.º 2, e 122º da LOFTJ).

A razão da existência do processo especial sumário é a sua particular simplicidade (formal e substancial), pressupondo o julgamento célere e urgente, no mais curto período de tempo (a regra legal fixada é: no prazo máximo de 48 horas após a detenção).

Por outro lado, perante as alterações ao CPP, decorrentes da Lei n.º 48/2007, de 29/08, deixou de vigorar o Acórdão do STJ n.º 2/2004, publicado no DR-I-A, de 12/05/2004, pelo que tal jurisprudência, por já não ser válida e actual, não pode ser agora aplicada.

Tal jurisprudência de 2004 nem sequer se aplicava às detenções ocorridas na noite/madrugada de quinta para sexta-feira – como sucede neste caso.

O regime legal do processo especial sumário mudou radicalmente com a citada Lei 48/2007, de 29/08, sendo eliminada a menção ao 1º dia útil seguinte que constava do anterior art.º 387º, n.º 2, do CPP e classificando-se agora tal processo como urgente.

Como também se sabe, na comarca do Porto, por regra, à sexta-feira estão em normal funcionamento os vários tribunais da comarca e ao sábado está o tribunal de turno aberto e em regular funcionamento e precisamente com a finalidade de assegurar o serviço urgente, onde se inclui o processo penal sumário.

A razão de ser da existência dos tribunais de turno é precisamente essa – realizar o serviço urgente, garantindo assim os direitos fundamentais dos cidadãos e assegurando as garantias de defesa do processo criminal.

Estando os serviços do competente tribunal (tribunal da comarca ou tribunal de turno) a funcionar, a entidade policial que efectuou a detenção deve apresentar o expediente imediatamente ou no mais curto prazo possível ao MP junto do tribunal competente, e tendo também em conta a existência dos citados tribunais de turno.

A libertação do arguido que foi detido não significa que os actos relativos ao processo sumário percam o seu carácter de urgência.

A entidade policial aplicou precisamente nestes autos as normas do processo penal sumário (arts. 381.º, 385.º e 387.º do CPP), que é agora classificado pela lei como urgente.

A este respeito, refere o Dr. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 2011, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 1105, que: “E os tribunais de turno existem para fazer face aos casos urgentes durante as férias judiciais, aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feriados consecutivos. Por isso, em princípio, mesmo em caso de soltura do detido, deverá providenciar-se pela sua apresentação a julgamento no tribunal de turno”.

No caso em apreço constata-se, assim, que o expediente não foi devidamente apresentado ao MP junto do tribunal competente para o julgamento sumário, o que inviabilizou, entre o mais, o início da audiência de julgamento no prazo previsto no art.º 387º, n.º 1, do CPP (48 horas após a detenção).

É de referir que na sexta-feira passada (25/01/2013) esteve este tribunal (TPIC) em regular funcionamento, o que também sucedeu no sábado passado (26/01/2013) com o Tribunal de Turno.

Inexiste justificação bastante para a não apresentação do presente expediente ao MP na passada sexta-feira ou mesmo no sábado.

A sexta-feira e o sábado são dias normais para efeitos de se apresentar o expediente da detenção ao MP e para se proceder ao eventual julgamento em processo sumário (por ser um processo urgente).

É obrigação legal da entidade policial apresentar o expediente da detenção ao MP de imediato ou no prazo mais curto possível, o que não foi feito neste caso.

A acima citada conduta da entidade policial pôs em causa a celeridade e urgência no julgamento sumário (como pretende o legislador).

A acima citada conduta da entidade policial pôs também em causa, entre outros, a regular distribuição do processo e o princípio do juiz natural.

Importa também fazer respeitar a lei geral e abstracta, a qual deve vigorar em todo o território nacional, incluindo nesta comarca.

Nada na lei permite que o expediente das detenções em flagrante delito ocorridas na noite de quinta-feira e na madrugada de quinta para sexta-feira (e respectiva manhã de sexta) seja apenas apresentado pela entidade policial ao MP na segunda-feira seguinte.

Como acima indicado, sendo neste caso a detenção da madrugada/manhã de sexta-feira (saindo o arguido da esquadra policial apenas depois das 5 horas e 45 minutos, quando foi libertado), também nenhum juiz apreciou os autos ou adiou, entretanto, o início da audiência de julgamento, tal como previsto no art.º 387º, n.ºs 2 e 3, do CPP.

Com efeito, neste âmbito entende o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2007, UCE, p. 963-966, que tal despacho judicial de adiamento é essencial nesta forma de processo sumário, e sob pena de o processo não manter a forma sumária – cfr., no mesmo sentido, também a Sr.ª Dr.ª Helena Leitão, em estudo sobre os processos especiais (sumário e abreviado), no âmbito das Jornadas sobre a Revisão do CPP, organizadas pelo CEJ.

Conforme refere a Dr.ª Helena Leitão na pág. 6 do citado estudo: “Ainda no que diz respeito aos pressupostos gerais de aplicação do processo sumário, o requisito de “a audiência se iniciar no máximo de 48 horas após a detenção” mantém-se, conforme resulta do disposto no art.º 387.º, n.º 1.”.

Quanto aos pressupostos legais que permitem o início da audiência de julgamento até ao 5.º dia posterior à detenção, diz ainda a Dr.ª Helena Leitão que “(…) a faculdade de adiamento em causa deve ser reservada para situações em que o volume processual de serviço urgente sempre comprometeria a realização de julgamento em processo sumário no prazo máximo de 48...

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