Acórdão nº 1090/12.9TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A autora A… deduziu a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os réus G… e esposa M…, alegando, em síntese, ser dona e possuidora de um prédio urbano, sito em …, onde mantém a sua casa de habitação, adquirido por sucessão mortis causa e usucapião.

    Que os réus são donos do prédio que confronta a nascente com o prédio da autora, no qual existe um poço, construído há mais de 50 anos pelo pai da autora e do réu marido, e por mais duas outras pessoas.

    Ainda em vida da mãe da autora e do réu-marido, o direito ao uso da respectiva água foi partilhado em termos de igualdade, passando a autora a utilizar essa água nas suas culturas, o que vem fazendo desde a construção do poço, de forma pacífica.

    Daí que a autora afirme que adquiriu o direito ao uso da água desse poço por usucapião. Direito esse que foi violado pelos réus no ano passado, impedindo a autora de utilizar a referida água, mediante a remoção da mangueira e o desferrar do motor.

    Por outro lado, sustenta a autora que a sua casa de habitação dispõe, há mais de 40 anos, de uma janela que deita directamente para o dito prédio dos réus, utilizando-a de forma pacífica, contínua, e pública. Assim sendo, invoca a autora ter adquirido, por usucapião, o direito de servidão de vistas, que foi entretanto violado pelos réus, por via da edificação de um muro, pouco antes do Natal passado.

    Assim, pede a condenação dos réus no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o seu prédio, no reconhecimento do seu direito à referida água, restabelecendo o seu acesso à mesma, e no reconhecimento da existência da aludida servidão de vistas, recuando o muro que construíram para distância não inferior a 1,5 metros, e na abstenção de perturbarem o uso e fruição desses direitos.

    Citados pessoal e regularmente para o efeito, os réus contestaram impugnando a factualidade alegada pela autora, negando que esta tenha qualquer direito à água do poço que existe no seu prédio, recusando ainda a existência da invocada servidão de vistas.

    Daí que os réus entendam que a sua actuação é legítima, pelo que solicitam a improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.

    A final, pela Sr.ª Juiz da 1.ª instância, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, declaro a autora A… proprietária do prédio urbano, inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, identificado no ponto 5.1. dos factos provados, e condeno os réus G… e esposa M… no reconhecimento desse direito.

    Absolvo os réus dos demais pedidos formulados pela autora.

  2. O Objecto da instância de recurso; A apelante A… apresenta as seguintes conclusões: … Os apelados réus, não concordando com as razões que motivam o recurso apresentado pela autora, a ele respondem desta forma: … 3. São as seguintes as questões que importa resolver: I.A 1.ª instância falhou na fixação da matéria de facto no tocante aos Pontos 7º, 8º, - dando-se os mesmos como provados, com a especificação de que os quatro irmãos contribuíram não para a realização da obra mas para a sua reparação, além de que os quatro haviam utilizado em vida da mãe a água do poço em termos de igualdade, respectivamente – e Ponto 9º - deve ser dado como provado irrestritivamente, considerando-se que a A. sempre utilizou a água até à data em que os RR. removeram a mangueira e desferraram o motor -.

    II.A autora adquiriu o direito de compropriedade da água do poço existente no prédio dos réus por usucapião? III.O prédio dos réus encontra-se onerado com uma servidão de vistas que serve o prédio da autora, constituída por usucapião? IV.A atitude dos réus impediu a autora de exercer o seu direito de compropriedade da água, e violou o seu direito à servidão de vistas? A. 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto: … 4. Direito Com o presente pleito, a autora pretende fundamentalmente o reconhecimento de dois direitos: o direito de compropriedade da água do poço existente no prédio dos réus e o direito de servidão de vistas sobre o prédio dos réus.

    1. Quanto ao pedido da alínea B) – compropriedade da água do poço: Para fundamentar tal pedido, diz a autora que no prédio dos ora RR., onde edificaram a sua habitação, existe um poço, construído há cerca de 50 anos pelo pai da A. e do R. marido e pelo seu irmão J..

      . e … Acresce que, o direito ao uso da água de tal poço foi partilhado em termos de igualdade por todos aqueles irmãos, ainda em vida de sua mãe, sendo que, tal água sempre foi utilizada por aquela nas suas culturas, desde a construção daquele poço, o que sempre fez sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de exercer um direito próprio.

      Invoca, pois, o direito de usucapião para a sua aquisição.

      A respeito ao direito de propriedade sobre a água os Profs. Pires de Lima e A. Varela – no seu Código Civil Anotado e relativamente ao art.º 1390.º do Código Civil, que será o diploma a citar sem menção de origem -, depois de afastarem a doutrina que o Professor Guilherme Moreira havia sustentado no seu estudo sobre as Águas ( II nº3 ) e que fez escola - no sentido de que o direito a uma água que nasce em prédio alheio é sempre um direito de propriedade e nunca um direito de servidão (ver anotação do Prof. Pires de Lima , ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 24.5.1940, na RLJ ano 73º , pág. 300) - consideram que “ o direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua aquisição, pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste.

      No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água…” Também, tal como o proprietário, o comproprietário goza de modo pleno e exclusivo os direitos de uso e fruição da coisa objecto do domínio conjunto, apenas limitado pelos correspondentes direitos dos consortes. Ao ser afectado na integralidade do objecto do direito, ainda que por acto ou actividade de outro comproprietário, ele é directamente atingido por um facto ilícito que de alguma maneira o priva do seu direito”… no segundo, é a de servidão.

      A constituição dum direito de (com) propriedade depende da existência de um título capaz de a transferir; a constituição de uma servidão da existência de um dos meios referidos no art.º 1547.º - contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão administrativa –“.

      E acrescentam os citados Autores “foi esta a doutrina que acabou por ser legislativamente consagrada, ao prever-se expressamente a possibilidade de constituição de qualquer dos dois direitos na parte final do nº1”.

      Escreveu-se no Acórdão do STJ de 31.05.2011 acessível in www.dgsi.pt que “ enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, as águas são partes componentes dos respectivos prédios “ e “ quando desintegradas adquirem autonomia e são consideradas de per si imóveis “.

      A separação e desintegração das águas do domínio do prédio pode verificar-se na sequência de título de aquisição do direito à água (ou ao uso da água) a favor de terceiro, desde logo porque o...

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