Acórdão nº 0843275 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução15 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 3275-08 © Vila Flor.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: A decisão recorrida: «Nos presentes autos de processo comum singular em que é arguido B.......... imputa-se a este a prática de um crime de abuso de confiança simples, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, relativo ao veículo automóvel de matrícula ..-..-NJ.

O procedimento criminal iniciou-se com a denúncia apresentada por C.......... .

Sucede que, conforme adveio agora aos autos, está inscrita a favor de D.........., S.A, a reserva de propriedade do veículo automóvel de matrícula ..-..-NJ (fls. 221).

A reserva de propriedade, prevista no artigo 409.º do CC, constitui uma condição suspensiva, em que os efeitos do negócio jurídico se produzem integralmente, ficando apenas em suspenso, por norma até ao cumprimento integral da obrigação de pagamento, o efeito translativo. Ou seja, o comprador apenas é titular de uma expectativa de aquisição futura de uma coisa. Com efeito, adquire desde logo os poderes de uso e fruição da coisa, mas não é proprietário, sendo a sua posse em nome alheio. Nesta situação, o risco de perecimento da coisa corre por conta do titular da reserva (artigo 796.º, n.º 3, do CC) - vide Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, p. 355 e ss; Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª Edição, p. 313 e 314 e Anotação ao acórdão do STJ de 24-01-1985, RLJ 122.º, p. 314 e ss.; e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, p. 83. Ora, o tipo de ilícito previsto no artigo 205.º do CP, constitui um crime semi-público, uma vez que o respectivo procedimento criminal, da competência do Ministério Público, depende do exercício do direito de queixa por parte do titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (artigos 49.º do CPP e 113.º e 205.º, n.º 1 e 3, do CP).

O bem jurídico protegido, no tipo de ilícito em causa, é exclusivamente a propriedade. Com efeito, no furto protege-se a propriedade, mas também e simultaneamente a incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel. Diferentemente, no abuso de confiança só a propriedade como tal é objecto de tutela e constitui assim integralmente o bem jurídico protegido - Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 94 e 95. Assim sendo é apenas ao D.........., S.A. - enquanto proprietária do veículo em questão e, portanto, único titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação - que cabe, ou não, exercer o direito de queixa contra o arguido.

Neste contexto, visto não ter sido apresentada qualquer queixa por parte do proprietário, o Ministério Público não tinha legitimidade para o exercício da acção penal, assim como o não tem o Juiz. Impõem-se, pois, a extinção do presente procedimento criminal, por falta de uma condição de procedibilidade: a queixa.

Pelo exposto, julgo extinto o presente procedimento criminal contra o arguido B.......... .

O recurso.

O assistente interpôs o presente recurso concluindo que: A - Por quanto vem alegado em 1 da motivação o recorrente não é um mero possuidor ou detentor precário, antes verdadeiro proprietário, constando como tal no título de registo de propriedade, que por sua livre vontade aceitou constituir uma restrição à livre disposição do bem como garantia de contrato de mútuo...

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